“Vai depender da minha limitação em atender aqueles pacientes, assim acho que essa dificuldade é mais a minha do que da pessoa, né? Porque se a pessoa tiver, com a pessoa certa para atender, (…) não é o grupo que é difícil de atender, acho que é a limitação de quem atende e não da pessoa com deficiência em si. (…) O exemplo do surdo, não é que esse grupo seja difícil para mim, se torna difícil porque eu não sei falar a língua dele, então a deficiência é minha de não saber se comunicar com eles.”
O relato acima é um trecho dos diversos depoimentos que integram os resultados da pesquisa “Strengthening the inclusion of people with disabilities in the health system in Brazil”, que investigou a realidade do acesso e do funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) no atendimento às necessidades de saúde das pessoas com deficiência (PcD).
A Fiocruz Brasília sediou, na última sexta-feira (24/3), um seminário que apresentou os principais resultados do estudo que reúne pesquisadores da Fiocruz Brasília e Fiocruz Pernambuco, da London School of Hygiene and Tropical Medicine (LSHTM), da Universidade de São Paulo (USP), da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e da Universidade do Estado de Pernambuco (UEPE).
O estudo realizou entrevistas com profissionais de saúde e gestores do SUS que estão na linha de frente do atendimento de pacientes na Atenção Primária à Saúde (APS) e que relataram as suas percepções no atendimento das pessoas com deficiência nos serviços ofertados pelo sistema de saúde em Brasília (DF), Santos (SP) e Arcorverde (PE). A pesquisa ouviu 16 profissionais, entre maio e outubro de 2021 e buscou compreender a prática e o desfecho do cuidado realizado por esses profissionais aos usuários PcD que buscam atendimento junto ao SUS.
A pesquisa avaliou também os dados que se refere ao acesso das PcD, como: estrutura física inadequada, barreiras urbanísticas, oferta de transporte, localização geográfica das unidades de saúde, insuficiência de insumos, equipamentos para atender às necessidade de saúde, fragilidade na composição das equipes e no processo de trabalho, insuficiência de profissionais e qualificação, inexistência de uma política institucional de formação, atuação multidisciplinar comprometida e fragilidade na comunicação entre profissionais e usuários PcD.
A pesquisadora da London School Hannah Kupër, apresentou os dados gerais do projeto destacando as barreiras enfrentadas pelas Pessoas com Deficiência no acesso à saúde. Acessibilidade, informação, barreiras atitudinais, financiamento e oferta insuficiente de serviços foram alguns dos resultados evidenciados na apresentação. “Temos muito que aprender com o SUS”, destacou a pesquisadora ao enfatizar a importância de acolher, aceitar e conectar os usuários PcD no sistema de saúde, ao lembrar que 16% da população mundial têm alguma deficiência.
Luciana Sepúlveda, diretora executiva da Escola de Governo Fiocruz-Brasília e uma das pesquisadoras responsáveis pelo estudo, explicou que é essencial evidenciar as questões de comunicação, informação e barreiras que podem afetar a experiência das PcD que experimentam os serviços de saúde. “É necessário romper as barreiras entre os usuários e os profissionais do SUS”, frisou ao falar da importância de ter uma equipe qualificada e estruturada na APS para garantir o acesso aos usuários PcD.
Participaram também do evento a vice-diretora da Fiocruz Brasília, Denise Oliveira; a representante do Comitê Nacional de Inclusão e Acessibilidade da Pessoa com Deficiência da Fiocruz, Sônia Getner; a diretora do Departamento de Atenção Especializada e Temática do Ministério da Saúde, Suzana Ribeiro; a assessora do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (CONFAP), Elisa Natola; e a professora titular de fisiatria da USP, Linamara Battistella. O evento contou ainda com a apresentação de sessões temáticas sobre as perspectivas dos usuários e profissionais de saúde sobre o acesso das PcD ao SUS, com a participação dos pesquisadores das instituições que integram o grupo de pesquisa, e da Universidade de Brasília e da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).
Adriana Dias para sempre
O Coletivo de Acessibilidade e Inclusão da Fiocruz Brasília prestou uma homenagem à antropóloga Adriana Dias, que lutava contra um câncer e faleceu em janeiro de 2023. Ela foi uma das principais pesquisadoras sobre o neonazismo no Brasil e referência na luta pelos direitos das pessoas com deficiência.
Mulher com deficiência, cientista social e ativista pelos direitos humanos, Adriana foi professora colaboradora da Escola de Governo Fiocruz- Brasília e participou dos eventos da instituição sobre acessibilidade e inclusão da pessoa com deficiência.
Ao longo de sua carreira, Adriana publicou diversos trabalhos com contribuições valiosas sobre a organização da extrema-direita no Brasil. Sua principal pesquisa no momento era como a pessoa com deficiência pode ampliar a própria discussão sobre pessoas na antropologia, e os impactos disso nas narrativas sociais sobre deficiência e em seus múltiplos aspectos epistemológicos e relacionais.
Por causa de seu trabalho, Dias foi apelidada de caçadora de nazistas.
Clique nos vídeos abaixo para assistir às gravações do seminário. Confira aqui as fotos do evento.