Saúde na Escola: chegou a vez dos municípios

Fernanda Marques 30 de agosto de 2024


Um programa que junta os setores Saúde e Educação para promover o bem-estar de crianças e adolescentes de forma integral. Nem todo mundo conhece, mas esse programa já existe há 17 anos. Criado em 2007, o Programa Saúde na Escola (PSE), que articula professores e equipes de Saúde da Família, já chegou a mais de 90% dos municípios brasileiros, ainda que de forma desigual. Conhecer melhor o PSE, em especial sua gestão intersetorial, e suas diferentes realidades e estratégias, considerando suas dimensões federal, estadual e municipal, é o objetivo de um projeto proposto e coordenado pela Fiocruz Brasília. A etapa atual da pesquisa quer ouvir os coordenadores do PSE das duas pastas – Saúde e Educação – em cada município participante. A partir desta sexta-feira (30/8), um questionário sobre o PSE estará disponível para os gestores municipais, que receberão uma mensagem do remetente redcap.brasilia@fiocruz.br contendo o link da pesquisa. O prazo final para responder é 10 de outubro.

 

 

“O PSE já foi objeto de vários estudos, mas esta é a primeira pesquisa de âmbito nacional, voltada a todos os municípios que já aderiram ao Programa”, destaca a diretora da Escola de Governo Fiocruz – Brasília e coordenadora do projeto, Luciana Sepúlveda. A pesquisadora conta que, a partir de revisão conceitual e de outros estudos nacionais e internacionais de referência, a equipe construiu uma matriz de indicadores que permitem caracterizar e qualificar o que seria uma gestão efetiva. “Nossa pesquisa busca compreender se, na perspectiva do gestor, ele percebe esses atributos de efetividade na sua gestão”, explica. A investigação engloba gestores nos três níveis, federal, estadual e municipal. Os dois primeiros grupos já foram ouvidos – nessa etapa, foram realizadas cerca de 60 entrevistas. Agora, é a vez dos municípios – mais de 10 mil gestores municipais são chamados a preencher o formulário eletrônico da pesquisa. 

 

Para conhecer o PSE de ponta a ponta, é preciso ouvir o que os gestores municipais têm a dizer sobre o funcionamento dos grupos de trabalho intersetoriais, a realidade das escolas, a capacidade de executar o que é preconizado pelo PSE e atender às necessidades da comunidade escolar, o reconhecimento e a valorização do Programa, os recursos disponíveis e tantos outros aspectos. “É o momento de os gestores municipais serem escutados. Tudo aquilo que pensam sobre o PSE será considerado para melhorar o Programa”, destaca Luciana. De acordo com a diretora, a pesquisa também tem um papel de mediação dessa escuta. “Nosso compromisso é que, de fato, após a análise dos dados, os resultados cheguem a todos, de modo que possam fomentar discussões, reflexões e aprendizados. Os gestores conseguirão situar o que acontece no seu município dentro do contexto brasileiro, em uma perspectiva ampliada, e também se inspirar em soluções que estão sendo implantadas em outras localidades”, adianta. 

 

Em cada município que integra o PSE, nem todas as escolas participam; além disso, em cada escola participante, nem todos os alunos são contemplados e as atividades podem variar muito de uma unidade escolar para outra, desde a produção de um cartaz de campanha de vacinação até a realização de atividades que engajam os estudantes durante meses a fio. Como última etapa da pesquisa, estão previstos estudos de caso em cinco escolas, uma de cada região do país, com coleta de dados junto a estudantes, professores e profissionais da Unidade Básica de Saúde (UBS) de referência.

 

O que os resultados sugerem até agora

Após a coleta de dados nas esferas federal e estadual, a pesquisa já aponta que o Programa Saúde na Escola (PSE) enfrenta alguns desafios que são comuns a quase todas as políticas públicas. “Muitas vezes, no nível federal, existe uma certa facilidade de firmar um acordo de propósitos entre os setores, mas não é fácil a mobilização para as coisas se articularem nos níveis mais locais”, afirma Luciana. Verificou-se também que, no início no PSE, o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação investiam igualmente, mas, com o passar do tempo, o Programa foi deixando de ser uma agenda central para a pasta da Educação. Outro desafio está associado à própria forma de organização dos setores, pois, enquanto todas as equipes de Saúde da Família são de responsabilidade do município, as escolas têm diferentes vinculações – municipais, estaduais e federais. “Os sistemas públicos de Saúde e Educação se organizam de formas diferentes, e isso tem impacto no PSE”, avalia.

 

O envolvimento dos estudantes no planejamento das ações do PSE é outro aspecto que chama atenção nos resultados preliminares. “Essa participação não é algo que predomina na fala dos gestores estaduais”, diz Luciana. “Muitas vezes, participação é somente adesão, isto é, estar presente na atividade.” Embora alguns gestores estaduais tenham se mostrado bastante engajados no Programa, também foram levantadas questões como alta rotatividade de profissionais, sobrecarga de trabalho e falta de valorização.

 

Saúde na escola: um pouco de história

Ações de saúde na escola são realizadas desde as primeiras décadas do século 20. Mas, no passado, o foco era a questão da higiene. E também não havia uma articulação entre Saúde e Educação: muitas vezes, a ação se resumia à prestação de serviços de saúde no espaço escolar. O Programa Saúde na Escola (PSE) é fruto de uma mudança na forma de compreender essa relação, com uma visão mais abrangente, em que Saúde não é só o serviço e Educação não é só o cognitivo. “O PSE veio para virar essa chave, só que essa virada não é tão simples, ela é desafiadora”, contextualiza Luciana, lembrando que um dos grandes objetivos do Programa é justamente integrar as redes de Saúde e Educação.

 

O PSE tem a potência de trazer crianças e adolescentes, principalmente aqueles em situação de maior vulnerabilidade, para dentro do Sistema Único de Saúde (SUS). “Esse acesso a direitos talvez seja a parte mais significativa do Programa, embora não seja tão inovadora”, pondera Luciana. A inovação do PSE, segundo a diretora, seria integrar as redes para promover a saúde no sentido de intervir nos determinantes sociais da saúde e construir melhores condições de vida. Entretanto, ainda hoje, muitas vezes, prevalece um entendimento da saúde centrada em comportamentos individuais. “Em alguns lugares, ainda existe a ideia de que o PSE serve somente para marcar consultas médicas para os estudantes”, exemplifica.

 

Como você pode contribuir para a pesquisa

Se você é o(a) gestor(a) responsável pelo Programa Saúde na Escola (PSE) no seu município, procure na sua caixa de e-mails uma mensagem de redcap.brasilia@fiocruz.br e não deixe de preencher o formulário da pesquisa. Se você não é o(a) gestor(a) municipal, também pode contribuir para o estudo. Se o seu município faz parte do Programa, procure os gestores municipais nas Secretarias Municipais de Saúde e Educação e os incentive a responder! O seu incentivo pode ajudar não só a pesquisa, como também aproximar o PSE da população. “Quando os cidadãos cobram, é porque querem contribuir para melhorar a política; se as pessoas não participam, uma política não decola mesmo”, ressalta Luciana. A partir dos resultados alcançados, a expectativa é de que toda a sociedade conheça melhor o PSE. “Todos têm direito a um Programa cada vez melhor na promoção da saúde das nossas crianças e adolescentes no espaço escolar”, conclui a coordenadora.

 

O projeto “Pesquisa nacional de avaliação de efetividade da gestão intersetorial do Programa Saúde na Escola” conta com recursos do edital CNPq/DEPROS/SAPS/MS Nº 20/2021.