O terceiro número de 2024 do periódico Cadernos Ibero-Americanos de Direito Sanitário (Ciads), lançado nesta segunda-feira (30/09), evidencia a crescente internacionalização da revista. O editorial, com o tema direitos humanos e hanseníase, é assinado conjuntamente por Maria Inez Montagner e Maria Célia Delduque, da Universidade de Brasília (UnB), Sandra Mara Campos Alves, da Fiocruz Brasília, e Wakana Okuda, da Universidade Kanda de Estudos Internacionais, no Japão. A edição aprofunda discussões sobre os desafios do direito sanitário em um mundo globalizado. Um dos seis artigos deste número aborda desafios e perspectivas na judicialização da saúde na América Latina, considerando, em especial, os contextos do Brasil e da Colômbia.
O editorial lembra a história da hanseníase, conhecida desde a Antiguidade. O primeiro trabalho científico sobre a doença foi publicado em 1848, mas somente em meados do século 20 surgiu um tratamento eficaz contra a doença (antibiótico dapsona) e, mais tarde ainda, em 1982, foi implantada a terapia com múltiplas drogas. “Antes desse avanço da ciência, as políticas adotadas eram de isolamento e exclusão dos doentes, que, além de segregadoras, violavam os direitos humanos”, afirmam as autoras. As pessoas com hanseníase eram enviadas para asilos, colônias ou leprosários, onde permaneciam internadas em regime fechado, isoladas e separadas dos filhos. O controle e o estigma se estendiam a todos os contatos dos pacientes.
Assim como o Brasil, o Japão, em sua história, também adotou políticas segregacionistas. Em 2020, mais de mil japoneses ainda viviam isolados em sanatórios, com dificuldades físicas e psicossociais. “Para tentar minimizar o afrontamento aos direitos humanos dos portadores de hanseníase e seus familiares, adotado como política de Estado ao longo dos anos, foram aprovadas leis de reparação”, contam as autoras.
No Brasil, a partir da Lei nº 11.520/2007, pessoas com hanseníase submetidas a isolamento e internação compulsórios passaram a receber pensão especial. A legislação foi posteriormente alterada pela Lei nº 14.736/2023, em que o benefício foi ampliado para incluir os filhos separados dos pais devido ao isolamento ou internação por hanseníase.
No Japão, uma lei vigente entre 1948 e 1996 autorizava uma prática de eugenia: a esterilização forçada de pessoas, entre elas pacientes com hanseníase, sob a alegação de evitar o aumento de uma população ‘inferior’. Em 2024, a Suprema Corte daquele país condenou o governo a pagar indenização a essas vítimas.
“O exemplo do Japão e do Brasil, no esforço de compensar a atual geração do sofrimento e do aniquilamento dos direitos mais básicos, impostos a seus pais e avós, é apenas um pequeno passo para a eliminação da moléstia no mundo”, concluem as autoras, “mas um passo enorme para o reconhecimento e garantia do direito humano à saúde desses doentes e seus descendentes”, acrescentam.
O fascículo é composto, ainda, por artigos que exploram variados temas no campo do direito sanitário, como a análise de decisões judiciais fundamentadas em evidências científicas e discussões sobre a efetividade do direito à saúde e a hierarquia das normas. Completam a edição uma comunicação breve sobre a judicialização da saúde à luz do big data e a resenha do livro Curso de Especialização em Direito Sanitário – EAD: uma jornada virtual de reflexões e conhecimentos.
Sobre o periódico
Cadernos Ibero-Americanos de Direito Sanitário (Ciads) é uma publicação trimestral, de acesso livre, editada pelo Programa de Direito Sanitário (Prodisa) da Fiocruz Brasília. É dirigida a professores, pesquisadores e estudantes de direito, ciências da saúde e ciências sociais; operadores do direito; profissionais de saúde e gestores de serviços e sistemas de saúde. Seu objetivo é difundir e estimular o desenvolvimento do direito sanitário na região ibero-americana, promovendo o debate dos grandes temas e dos principais desafios do direito sanitário contemporâneo.
Conheça a revista e confira o atual fascículo em www.cadernos.prodisa.fiocruz.br