Quarentena pode ser oportunidade para revisitar os valores da paternidade

Fernanda Marques 5 de agosto de 2020


Fernanda Marques

 

Para exercer uma paternidade saudável para si, para os filhos e para a família, é preciso revisitar suas dores e suas crenças, muitas vezes equivocadas, e contar com um ambiente acolhedor e encorajador, em vez de cobranças e julgamentos. Essa reflexão foi feita pelo educador parental Marlon Camacho durante a roda de conversa “Paternidade em tempos de pandemia”, realizada nesta quarta-feira (5/8) pelo Serviço de Gestão do Trabalho (Segest) da Fiocruz Brasília, em celebração ao Dia dos Pais.

 

Estar em casa, trabalhar e cuidar dos filhos, administrar a carreira, as crianças e os afazeres domésticos: Marlon destacou que esse estresse diário, de manhã até a noite, muitas vezes conhecido somente pelas mães, está sendo descoberto e vivenciado pela primeira vez por muitos pais nesta pandemia. De acordo com o educador parental, um cenário perturbador e, ao mesmo tempo, uma grande oportunidade para refletir sobre o papel dos pais na atualidade. “Os homens são resistentes em acolher as mudanças, porque elas colocam em xeque as nossas concepções”, disse. “A pandemia tem proporcionado mais tempo de convivência e um contato mais próximo entre pais e filhos. Quando o isolamento social acabar, as relações não serão mais as mesmas. E as mudanças podem ser muito boas”, acrescentou o psicólogo Waldir Campelo, bolsista do Colaboratório da Fiocruz Brasília e mediador da roda de conversa.

 

Apesar de todas as transformações sociais das últimas décadas, segundo pesquisas apresentadas por Camacho, ser homem continua sendo algo associado ao sucesso profissional, à ausência de comportamentos ou traços femininos, à força física, à responsabilidade financeira pela família e à não demonstração de emoções. “Ou seja, nenhuma das características associadas a ser homem contribui de forma positiva com a formação de filhos ou filhas”, advertiu, indicando que uma nova paternidade exige a revisão de antigos valores.

 

O cuidar não deve ser visto como um traço mais ou menos feminino ou masculino, explicou Camacho, salientando o conceito de parental, isto é, aquele adulto que se responsabiliza e exerce o cuidado. “O cuidado infantil é parental”, afirmou. “Quanto mais se cuida, quanto mais se participa do dia a dia, mais cresce o afeto”, acrescentou.

 

Entretanto, segundo o educador parental, muitos homens que não exercem o cuidado com os filhos não estão fazendo por mal, mas porque não têm referências de paternidade (ou têm referências prejudiciais). Tampouco é fácil encontrar ambientes para falar sobre as dúvidas, os medos e os conflitos internos de ser pai. Ao contrário, muitos homens foram criados ouvindo comentários como ‘engole o choro’, ‘tá parecendo mulherzinha’, ‘tá de babá’, ‘é pau mandado da mulher’. “Existe ainda muita resistência. Então, a experiência da paternidade também pode ser muito solitária e causar sofrimento”, ponderou Camacho. “Muitos não querem ser como seus pais foram, mas não sabem fazer de outra forma. Encontros como este de hoje são importantes por trazer essas reflexões”, sinalizou Campelo.

 

De acordo com o educador parental, não se trata de identificar vítimas ou vilões, mas de compreender a criação dos filhos como uma parceria, independentemente de os pais serem ou não um casal. Um dos males no ambiente íntimo é que existe muita expectativa, cobrança, julgamento e reclamação sobre o outro, como se ele fosse um inimigo, o que o coloca numa postura defensiva. A parceria dá lugar à disputa. A solução, segundo Camacho, passa por uma comunicação específica, baseada na honestidade emocional e não-violenta. “Se o meu jeito é sempre ‘o certo’, isso desencoraja o outro a participar. O que eu posso mudar em mim para entender e acolher melhor o outro?”, provocou.

 

O educador parental lembrou, no entanto, que toda mudança é processual e leva tempo. “Estamos experimentando hoje as primeiras maternidades e paternidades focadas mais no afeto do que no controle. Estamos criando crianças com compartilhamento do cuidado. Meus filhos terão menos dificuldade do que eu tive para identificar o que um pai faz. Temos muitas coisas ainda para reconstruir. É preciso investir tempo, refletir e estudar para ser pai ou mãe”, recomendou Camacho, pai de Joaquim e Antônio. “O que nossos filhos têm a nos dizer sobre a pandemia? É preciso ouvi-los de forma participativa, até suas fantasias e ilusões. Assim, o pai aprende. Assim, o pai conhece o filho”, sugeriu Campelo, pai de Luna e Clara, avô de Arthur e Mavie.