Nathállia Gameiro
O Distrito Federal entrou na fase de risco moderado de transmissão do novo coronavírus. A constatação foi feita pelo coordenador da sala de situação da Universidade de Brasília (UnB), Jonas Brant, durante o seminário Experiências de Integração entre Vigilância em Saúde e Atenção Primária à Saúde no Enfretamento da Covid-19, realizada na última terça-feira, 22 de setembro.
“A transmissão não está mais tão intensa como vivenciamos nos meses passados, tivemos nesta semana números de cerca de 600, 700 casos por dia, ou seja, número de casos novos registrados caindo bastante. No entanto, é importante entender que temos uma grande proporção da população ainda suscetível”, afirmou Jonas. O pesquisador destacou que essa diminuição pode ser resultado do isolamento social, uma das medidas de contenção do novo coronavírus, mantido pelos grupos de maior risco e por crianças – com a suspensão das atividades escolares, mas que agora, com a retomada das atividades rotineiras de forma gradual, essas pessoas voltam a se expor.
Para ele, o desafio agora é de avaliar como foram as ações e o que precisa ser ajustado para ter mais sucesso e conseguir manter o ritmo de redução de número de casos de maneira sustentável com o tempo. O desafio é enfrentado em todo o mundo. “A gente tem visto nos países da Europa que a dificuldade de manter essa redução é maior se a articulação entre os atores envolvidos não tiver muito clara”, explicou.
O professor destaca a importância do monitoramento do processo de vigilância e a organização de ações de rastreamento de casos e contato para entender como estão as cadeias de transmissão e identificar os locais para poder atuar com medidas de prevenção. De acordo com ele, é essencial o envolvimento de todos os atores da sociedade na vigilância, detecção, rastreamento de contatos, contenção da transmissão e prevenção, não apenas da Secretaria de Saúde. “Todos esses atores precisam estar cientes do seu papel nesse processo e articulados para monitorar seus próprios indicadores. Acima de tudo, que a gente melhore a nossa comunicação de risco com a população para que entenda como está o bairro dela, sua comunidade e locais de trabalho e ensino para que possam garantir que ela responda e participe desse processo de resposta nessa fase nova sem reduzir as medidas de prevenção”, afirmou.
As medidas de prevenção, como o distanciamento social e a higienização é uma das preocupações de Jonas. “Existe um grande risco que a população pare de se preocupar tanto com a transmissão da Covid-19 e negligencie as medidas de biossegurança, e com isso, a gente veja o crescimento da pandemia nos próximos meses. Temos grandes desafios pela frente, mas acredito que temos que olhar com bons olhos o cenário atual comparado aos desafios que nós já enfrentamos nos últimos meses”, finalizou.
Para o coordenador de Integração Estratégica da Fiocruz Brasília e coordenador da Plataforma de Inteligência Cooperativa com Atenção Primária à Saúde (Picaps), Wagner Martins, é preciso ativar as redes sociais locais nos territórios para o enfrentamento da Covid-19. A plataforma integra três eixos: de aproximação com o território para que atuem junto às instituições e recebam informação, apoio e suporte; de integração das áreas técnicas dos serviços de saúde, vigilância, atenção primária à saúde, assistência social e outras áreas que podem contribuir para o enfrentamento de maneira mais potente; e de inteligência cooperativa com tecnologias e pessoas articuladas para que o monitoramento do território seja feito com maior precisão.
Experiências de sucesso
Durante o seminário, foram apresentadas experiências exitosas no combate à Covid-19 e monitoramento de casos da rede de saúde pública do Distrito Federal.
O médico do Hospital Regional de Taguatinga e pesquisador da Universidade de Brasília Carlos Bernardo Tauil tem monitorado as manifestações neurológicas ligadas à Covid-19, como afasia (perda parcial ou total da fala ou da compreensão da linguagem) ou confusão mental, que se manifestaram de 15 dias a um mês depois dos sintomas da doença.
Nos pacientes que já apresentavam síndromes neurológicas, como demência, e tiveram diagnóstico positivo para a infecção do novo coronavírus, os exames mostraram que as lesões são mais exuberantes, apresentando uma reação imunológica adicional a de outras pessoas. Tauil ressalta que geralmente os pacientes com as síndromes são idosos, por isso, é preciso ter um cuidado especial para que eles absorvam orientações sobre distanciamento, isolamento e uso de máscara para que não se tornem um grupo de risco em potencial. Outros cuidados necessários são continuar com os tratamentos das comorbidades, recomendar internação em formas moderadas e solicitar apoio da infectologia.
Lidia Glasielle, técnica de enfermagem do Núcleo de Qualidade Hospitalar e Segurança para o Paciente da Secretaria de Saúde do DF, apresentou como a Rede Sudoeste organiza e sistematiza a transferência de cuidado qualificado entre APS e a rede de urgência e emergência.
A região sudoeste é a maior do DF e abrange seis regiões administrativas: Águas Claras, Arniqueira, Recanto das Emas, Samambaia, Taguatinga e Vicente Pires. Mais de 829 mil pessoas residem nessas regiões e podem ser atendidas por 32 unidades básicas de saúde, dois hospitais regionais e duas unidades de pronto-atendimento.
Para a transferência do paciente com segurança das UBSs para as unidades de emergência e urgência foi criada a Central de Compartilhamento do Cuidado, que oportuniza alternativa assistencial mais adequada à necessidade do cidadão direcionando o paciente para o local correto e oferece também apoio matricial para discussões de casos e monitoramento de eventos. “Passa assim a confiança para a equipe de que ela pode receber o paciente e que ela terá uma retaguarda para isso”, explicou Lidia.
Todo o gerenciamento é feito por grupos do whatsapp, onde são compartilhadas entre gestores e profissionais de saúde informações como UBS de origem do paciente, vagas disponíveis nas UPAs ou hospital de destino, encaminhamento e se é necessário ambulância para o transporte. As informações mais detalhadas como horários de solicitação do transporte, de liberação do leito e horário de saída do paciente da unidade são inseridos em um sistema online para que sejam feitas as melhorias necessárias no processo.
O pico de transferências, em um só dia, chegou a 18. Em sua maioria são de pessoas acima de 45 anos e que testaram positivo para Covid-19. “Os pacientes com risco moderado são os que têm maiores dificuldades para acesso a hospitais e conseguiram via APS”, conta Lídia. Outro resultado obtido foi a melhoria na comunicação efetiva entre os níveis de atenção envolvidos e no atendimento à população.
A população privada de liberdade e os agentes penitenciários também foram atingidos pela Covid-19. Como medida de contenção da propagação do vírus na entrada do sistema prisional, a UBS da Divisão de Controle e Custódia de Presos, localizada no Complexo da Polícia Civil, passou por adaptações: medidas de avaliação e testagem de quem entra no sistema prisional e funcionamento todos os dias em horário estendido. Por dia, passam cerca de 50 pessoas no local, presos ou sob custódia.
O enfermeiro Américo Yuiti Mori lembra que em abril foram divulgados os primeiros casos de Covid-19 no sistema prisional do DF, incluindo internos e agentes penitenciários, com aumento em maio e junho. Depois das medidas adotadas, a curva de casos apresentou uma estabilização em torno de 1500 contaminados no mês de julho. Além da testagem, foi determinado o uso obrigatório de máscara para agentes e custodiados, utilização de EPIs por agentes, orientações sobre higienização, triagem e avaliação para identificar sintomáticos respiratórios e outros problemas de saúde como doenças crônicas, doença mental e infecções sexualmente transmissíveis. Em média, 450 pessoas são testadas por mês para Covid-19 e ISTs antes de seguirem para o complexo da Papuda. De acordo com Américo, os dados de ISTs no sistema prisional do Brasil são inéditos.
Ele afirma que a testagem rápida para o novo coronavírus foi de grande relevância, já que muitos que testaram positivos era assintomáticos. “Essa parcela da população geralmente não acessa os serviços de saúde. Quando vamos fazer o registro, precisamos cadastrar as pessoas porque muitas delas não passaram por nenhuma ação preventiva ou de acompanhamento no sistema de saúde na atenção primária”, afirmou.
A última experiência apresentada utiliza o GO.Data como ferramenta de rastreamento de contato da Covid-19 na UBS 3 do Paranoá. A ferramenta é um software desenvolvido para facilitar as investigações de surtos, estabelecer cadeias de transmissão, visualizar dados, rastrear contatos e monitorar o desempenho das ações de contenção no território. Para a chefe do Núcleo de Vigilância Epidemiológica da APS da Região Leste, Daniele Figueiredo, o rastreamento de contatos próximos a infectados é uma importante medida na redução da disseminação da doença por atuar diretamente na interrupção da cadeia de transmissão do vírus, auxiliando a reduzir o tempo de detecção precoce de novos casos e o tratamento em caso positivo.
Os casos monitorados são notificados por atendimentos da UBS 3 do Paranoá e da comunicação de casos confirmados da comunidade, como síndicos e lideranças comunitárias, comunicação de outras UBS que atendem os moradores da região, além de comunicação dos núcleos de vigilância epidemiológica da APS e hospitalar.
O contato com o paciente e as pessoas com quem ele teve contato (direto ou indireto, a menos de 1 metro de distância, com duração de mais de 15 minutos e 2 dias antes do início dos sintomas do caso ou de sua testagem positiva) é feito por telefone, monitorando os sintomas. Durante o contato é feito também o acolhimento do paciente quanto às inseguranças e esclarecimento de dúvidas, fornecendo orientações necessárias e suporte emocional e assistencial em situações de vulnerabilidade social, como de violência, fome e desemprego. O caso em que não é possível realizar o contato por dois dias consecutivos de monitoramento é encaminhado para realização de busca ativa pelas Equipes de Saúde da Família de referência.
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O coordenador da APS, Fernando Erik, destacou que a rede conta com mais de 33 mil pessoas na Secretaria de Saúde, com inúmeras experiências e vivências positivas e a parceria entre as três instituições, Fiocruz Brasília, SES DF e UnB, tem proporcionado um cenário rico de compartilhamento de experiência e trabalhos realizados. Para ele, é preciso dar visibilidade a essas experiências, criar canais de comunicação que permitam espaços de discussão para mudar e refletir como está sendo o processo de trabalho e enfrentamento da Covid-19.
As experiências já apresentadas no primeiro seminário estão em processo de disseminação em outras unidades de saúde. De acordo com Wagner Martins, a articulação entre as instituições tem produzido várias iniciativas, inclusive um plano de integração da atenção primária à saúde com a vigilância em saúde. “Temos feito um trabalho para mobilizar não só as nossas unidades de saúde, mas também integrar os serviços de saúde com a sociedade no território e outros serviços”, explicou.
A seleção de experiências que integrem vigilância em saúde e APS no DF para as próximas edições do seminário está aberta. Os interessados em participar dos eventos já podem inscrever suas iniciativas. A ação é voltada, prioritariamente, aos trabalhadores da SES DF e a seleção será realizada por comitê científico formado pelas três instituições organizadoras. Inscreva-se aqui. Os eventos são realizados quinzenalmente, às terças-feiras, e em horários que propiciem a participação dos trabalhadores da saúde.