Nathállia Gameiro
O Brasil chegou à marca de 5 milhões de casos acumulados de Covid-19 no dia 7 de outubro e é o segundo país no mundo com mais casos de mortes registrados pela doença: mais de 150 mil. Os dados são alarmantes e a preocupação é ainda maior com as populações em situação de vulnerabilidade. Para falar sobre territórios e cidades saudáveis pós-Covid, a Fiocruz realizou na manhã de ontem, 14 de outubro, o webnário “Territórios Sustentáveis e Saudáveis: estratégias da Fiocruz na promoção da saúde e sustentabilidade”.
O evento integrou o Circuito Urbano, uma iniciativa do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat) para apoiar institucionalmente e dar visibilidade a eventos organizados por diversos atores.
O papel da Fiocruz e do Sistema Único de Saúde foram destacados pelos participantes durante a live. Para o pesquisador Luís Madeira, da Fiocruz Mata Atlântica, sem o SUS, os cenários certamente seriam piores. “As estratégias da Fiocruz na promoção de TSS (territórios saudáveis e sustentáveis) podem ser considerados uma das linhas de enfrentamento da pandemia. Se já eram importantes antes da pandemia para combater as iniquidades de saúde, neste momento se colocam como ainda mais urgentes e estruturantes como resposta à crise”, afirmou.
Luís apresentou o projeto realizado pela Fiocruz e o movimento União Nacional por Moradia Popular na Colônia Juliano Moreira, em Manaus, com 240 famílias. As comunidades que lá vivem enfrentam o desemprego, a vulnerabilidade socioambiental, ocupações em áreas de risco e a baixa renda familiar.
Para o enfrentamento da emergência sanitária, no local foram realizadas melhorias nas habitações mais precárias, da qualidade e do sistema de abastecimento da água, saneamento ecológico com coleta e tratamento de efluentes domésticos, drenagem de águas pluviais, mobilização social e capacitação profissional.
Para o pesquisador, a habitação é importante não apenas como determinante social da saúde, mas pela exposição dessas famílias a riscos de doenças, agravadas no contexto da pandemia. “A crise sanitária está sendo agravada pela crise econômica que atinge de forma mais dura os trabalhadores de baixa renda, e as consequências serão devastadoras”, disse.
A agente social e coordenadora da União Nacional de Moradia Popular, Jurema Constância, destacou o trabalho e renda que foram gerados com o projeto, que beneficiarão a população também no momento pós-pandemia. Parte da obra e das ferragens das casas foi construída por mulheres. “Elas são protagonistas na luta por moradia digna e nos canteiros de obras do projeto, 80% foi mão de obra feminina. É uma barreira que a gente quebra e mostra que lugar de mulher é onde ela quiser e esse é o lugar onde queremos estar”, ressaltou.
O trabalho da Fiocruz no território busca fortalecer a autonomia da comunidade, utilizar o conhecimento popular e o científico para melhoria da qualidade de vida dos moradores no local, atuar sobre as iniquidades em saúde, com atenção maior aos grupos mais vulneráveis e expostos e criar ambientes saudáveis e sustentáveis, em um compromisso com a justiça social, a reforma urbana, a Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Esse é o objetivo também do projeto realizado na Cidade Estrutural, em Brasília, localizada a 15km do centro da capital federal. O local abrigou, por 57 anos, o maior depósito de lixo a céu aberto da América Latina, desativado há dois anos. Mais de 40 mil pessoas vivem na região em ambientes rurais e urbanos, cerca de 5 mil de forma irregular, e os mais vulneráveis, próximo ao terreno onde foi o lixão. A cidade serviu de base para que a Fiocruz Brasília aplicasse o conceito de território saudável e sustentável (TSS).
“A Cidade Estrutural foi criada a partir do lixão. As pessoas que foram catar lixo para sobreviver, expulsas do centro de Brasília para onde vieram construir essa cidade, foram se aglomerando em torno do lixão e o território é de luta permanente por moradia e condições de vida adequada. O território de maior IDH do Brasil também é o local que reúne os territórios com os piores IDHs do país, sem água, luz e condições de moradia adequadas”, afirmou o coordenador de Integração Estratégica da Fiocruz Brasília, Wagner Martins.
Ele explica que a Cidade Estrutural é o foco inicial, mas permitiu uma ampliação do escopo do trabalho para atuar em todo o DF. Os trabalhos são realizados em parceria com a Secretaria de Saúde do DF, o Instituto Federal de Brasília e a Universidade de Brasília, e busca assegurar uma vida saudável e promover o bem estar das comunidades. “A saúde é o elemento central de um processo da sociedade. A vida saudável é o centro de um ambiente sustentável, justo e economicamente solidário”, enfatizou.
Doação de máscaras e sabão caseiros feitos por costureiras locais e chefes de famílias para os mais vulneráveis, orientação com informações sobre o novo coronavírus e capacitação dos moradores e atuantes no território foram algumas ações no local. O curso de Especialização em Governança Territorial buscou a construção de saber e soluções que possam ser implementadas na prática e na vida das pessoas no enfrentamento à Covid-19 e às situações vivenciadas na comunidade. Capacitou ainda os moradores para que possam reivindicar melhores condições de vida e influenciar o direcionamento de políticas públicas.
Neste ano, foi criada a Plataforma de Inteligência Cooperativa com Atenção Primária à Saúde para o enfrentamento da Covid-19 nos territórios (Picaps), que integra a atenção primária à saúde e a vigilância em saúde, conectando o serviço à sociedade. Os dados gerados e coletados pelo território formam uma inteligência cooperativa que permite o acompanhamento da situação de vida da população local. A plataforma gera ainda resposta baseada em evidência para profissionais de saúde e tradução do conhecimento para a comunicação rápida com a sociedade, um instrumento para barrar as notícias falsas.
Para Wagner, a participação efetiva no território tem sido um grande aprendizado, na interação e troca de saberes contínuo. Ele afirma que a metodologia pode ser difundida de forma mais ampla, com a construção de uma rede de Radar de Territórios no DF, com foco na redução da pobreza e enfoque na proteção social. “A ideia de desenvolver TSS está conectada a uma estratégia de enfrentamento das consequências da pandemia no território de vulnerabilidade que temos aqui no DF. Saúde é vida! Precisamos chamar atenção para isso, precisamos de territórios saudáveis e sustentáveis”, enfatizou.
Os alunos do curso organizaram o Comitê Popular da Cidade Estrutural para atuar nos determinantes sociais da saúde, para construir resiliência, identificar e afastar ameaças, articular a economia solidária e eliminar as vulnerabilidades. Solange Almeida é uma das integrantes do comitê e moradora da Estrutural há 25 anos. Ela afirma que a grande preocupação no momento é com a propagação da Covid-19, por isso, as agentes territoriais têm percorrido os bairros orientando as pessoas a usarem máscaras e sobre higienização.
“Mais de 90% das famílias são consideradas vulneráveis, invisíveis. Vivem mais de oito pessoas em barracos pequenos, falta infraestrutura e saneamento. É muito bom fazer parte da pós graduação que veio beneficiar os moradores e deu início a muitas coisas, como as ações de enfrentamento à pandemia e o empoderamento da população”, finaliza.
Outro projeto da Fiocruz tem como foco os moradores do território de Manguinhos, no Rio de Janeiro. André Lima, da Cooperação Social da Fiocruz apresentou os trabalhos realizados no território que abriga 15 comunidades e cerca de 40 mil habitantes. Literatura, arte, ecomuseu, ações de comunicação no território, testagem, telemedicina, cursos, sensibilização e fortalecimento das redes são algumas delas, e a comunidade é a grande protagonista. Manguinhos contra o Aedes, Manguinhos Solidário, Caminhada pela paz Leopoldo, Conferências Livres de Saúde, participação no Fórum Nacional e nos Conselhos comunitários de Manguinhos, campanha Se liga no Corona e o projeto Conexão Saúde: De olho na Covid são alguns desses projetos.
A apoiadora do Teias-Escola Manguinhos Patrícia Evangelista conta que a forma de trabalho das pessoas que não puderam parar os serviços mesmo com a pandemia foi reinventada, com menos riscos para si e para outras pessoas. Os comércios receberam doações de máscaras, álcool, informativos na linguagem da população e cerca de 7 mil famílias foram atendidas com doação de cesta básica e kits de higiene e limpeza. Para o enfrentamento da Covid-19, foi realizada uma articulação com líderes religiosos e agentes comunitários de saúde com uma comunicação ativa e massiva. “A integração entre a academia e a sociedade para minimizar os impactos da pandemia no território e fortalecimento das redes foram fundamentais, assim como a parceria com a Fiocruz. Colabora para o desenvolvimento de um território mais saudável e sustentável nas favelas e comunidades como Manguinhos”, destacou.
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