Fernanda Marques
O (des)financiamento da saúde mental no cenário internacional foi o tema do segundo dia do evento online “Saúde mental para todos – investimento e acesso para o exercício da cidadania”, realizado na sexta-feira, dia 23 de outubro. Promovido pelo Núcleo de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas (Nusmad), o evento continua nesta quinta, 29 de outubro, das 17h30 às 19h30, com debates e o lançamento de publicações. A atividade será transmitida ao vivo no YouTube da Fiocruz Brasília.
Convidado do segundo dia do evento, o professor José Miguel Barros Caldas de Almeida, da Universidade Nova de Lisboa, destacou a magnitude dos transtornos mentais. “Mais de um quinto da população tem um transtorno mental a cada ano, com consequências para os indivíduos, as famílias e a sociedade”, disse. De acordo com Caldas de Almeida, os transtornos mentais estão entre as principais causas de perda de anos de vida útil, com grande impacto de sofrimento e também econômico, provocando, por exemplo, mais faltas ao trabalho e menor produtividade.
“Os problemas de saúde mental não são só uma questão de saúde, eles abarcam todas as dimensões do desenvolvimento da sociedade”, destacou. Segundo o professor, a saúde mental mantém estreita relação com a pobreza: as vulnerabilidades sociais, como falta de acesso à educação, habitação etc., levam a transtornos mentais e estes, por sua vez, acentuam ainda mais as vulnerabilidades. Outro problema grave é que as pessoas com transtornos mentais são mais excluídas e negligenciadas, não sendo incomuns casos de discriminação e violação de direitos humanos.
Caldas de Almeida comentou um estudo segundo o qual a crise econômica em Portugal teve grande impacto na saúde mental da população do país, entre 2010 e 2015. “É esperado que o desemprego e a crise econômica decorrentes da pandemia de Covid-19 causem um impacto similar, o que demonstra a importância de ações para mitigar esses efeitos”, pontuou. O professor também ressaltou o pioneirismo da política de saúde mental do Brasil e os bons resultados alcançados pela Reforma Psiquiátrica brasileira, integrada ao Sistema Único de Saúde (SUS) e com participação dos movimentos sociais, reconhecendo, porém, que essa política sofreu um retrocesso nos últimos anos. O exemplo do Chile e de outros países da América Latina também foi lembrado pelos palestrantes.
O professor Pedro Gabriel Godinho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), classificou como “adequado e oportuno” o tema da campanha da Organização Mundial da Saúde (OMS) em torno do Dia Mundial da Saúde Mental 2020: Move for mental health: let’s invest (em português, Ação pela saúde mental: vamos investir). Entretanto, lembrou também que não basta ter financiamento, é fundamental também “ter desenhos do cuidado que assegurem atendimento a todos que precisam”.
Segundo Godinho, a lacuna assistencial em saúde mental não é um problema recente, tampouco restrito aos países mais pobres ou em desenvolvimento. “A dimensão da saúde mental é das mais significativas na saúde pública, ainda mais quando se considera a questão da vulnerabilidade social, da violência e, no atual contexto da pandemia, o isolamento social, o medo, o luto, a insegurança, o desamparo”, salientou.
Para superar a lacuna existencial, Godinho aponta para uma saúde mental organizada em rede colaborativa, englobando a atenção primária à saúde e articulada intersetorialmente. “O sistema de saúde mental tem que ter uma sensibilidade e uma compreensão maior da vida diária das pessoas, com investimentos em capacitação, treinamento e supervisão permanente”, disse. O professor destacou também a universalidade, a integralidade e a diversidade dos serviços. Nesse sentido, comentou a importância da implantação dos serviços comunitários, alertando, contudo, que esse processo está em queda e com previsão de crescimento próximo de zero no próximo ano.
A consultora Catarina Magalhães Dahl, da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), também participou do evento por meio de um vídeo, no qual destacou o crescimento dos transtornos mentais na carga global de doenças e a necessidade de mais investimento e mais acesso aos serviços, especialmente para as pessoas em situação de maior vulnerabilidade.
Confira a íntegra dos debates desse segundo dia do evento “Saúde mental para todos”, que contou com a medição do pesquisador André Guerrero, coordenador do Nusmad/Fiocruz Brasília.