Fiocruz debate transferência de tecnologia para vacinas no Senado

Mariella de Oliveira-Costa 9 de abril de 2021


A presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, e o vice-presidente de Gestão e Desenvolvimento Institucional, Mario Moreira, participaram, nesta quinta-feira (8/4), de reunião da Comissão da Covid-19 no Senado Federal. O foco dos debates foi a transferência de tecnologia na produção de vacinas no Brasil. 

 

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Assista à transmissão completa. 

 

Na ocasião, Nísia fez breve histórico da atuação da Fiocruz desde o acordo com a farmacêutica Astrazeneca, em setembro do ano passado, após avaliação de prospecção e transferência de tecnologia. O registro definitivo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) foi concedido em 12 de março e até agora, a Fiocruz já entregou 8,1 milhões de doses, sendo quatro milhões importadas e 4,1 milhões, produzidas internamente, com alcance de 900 mil doses diárias de vacina. 

 

A expectativa é de entrega de mais de 100 milhões de doses até julho, com o ingrediente farmacêutico ativo (IFA) importado da China. A quantidade de IFA existente hoje na Fundação garante a produção até maio, e o embaixador chinês se comprometeu a acompanhar as novas importações, para que não haja novo atraso, como os ocorridos no início deste ano. 

 

A instituição contribui atualmente com ensaios clínicos de outras instituições, e a presidente chamou a atenção para a necessidade de se analisar a capacidade produtiva instalada no setor publico e privado, para vacinas de uso humano e veterinário, com elaboração de um diagnóstico dessa capacidade nacional. “A produção de IFA envolve alta complexidade, e depende de acordos de transferência de tecnologia, que o país deve buscar, ampliando a produção da Fiocruz e do Butantan”, disse ela, que também reforçou a necessidade de distanciamento físico, máscara e higienização mesmo para os vacinados. 

 

Quebra de patentes é apenas a ponta do iceberg 

De acordo com a presidente da Fiocruz, a instituição defende que a saúde e todos os produtos e serviços relacionados à Covid-19 sejam considerados como bens públicos globais, não podendo haver restrições de patentes. No entanto, Nísia pondera que a quebra de patente seria apenas a ponta do iceberg da dependência tecnológica. Para ela, a superação da vulnerabilidade do acesso deve vir acompanhada de um investimento local e duradouro para o fortalecimento do complexo da saúde e da inovação no Brasil, com transferência de tecnologia e inovações.

 

Do Ministério das Relações Exteriores, o diretor do Departamento de Direitos Humanos, João Lucas Quental, ressaltou que o país negocia com a ONU um marco legal internacional que permita acesso equitativo às vacinas no mundo. Segundo ele, o desafio é o curtíssimo prazo. “Quebrar patente neste momento vai gerar desconfiança e desorganização do mercado e, poderia atrasar esse suprimento”, alertou. O chefe da Divisão  de Propriedade Intelectual, Maximiliano Arienzo, afirmou que a diplomacia em saúde é a principal urgência para o Itamaraty e para o país, e a quebra de patentes pode prejudicar o Brasil no combate a futuras epidemias, pois interromperia a aquisição  de tecnologias. 

 

O diretor do Instituto Butantan, Dimas Tadeu Covas, também defendeu que a quebra de patentes não seria oportuna neste momento, e traria dificuldades para as patentes nacionais existentes. Segundo ele, a deficiência  de produção de vacinas decorre da insuficiência  nacional, por não termos uma política industrial para a biotecnologia. “Mesmo se ocorresse quebra de patentes, neste momento, não teria como incorporar a produção  de vacinas mais complexas, pois não há base no Brasil hoje para incorporação  dessas tecnologias”.  

 

Segundo Covas, deve-se rever a estrutura do setor industrial brasileiro, para acompanharmos o desenvolvimento  da tecnologia  no mundo. “Somos hoje um retardatário e comprador de produtos biofármacos, ao contrário de outros países, que colocaram isso como prioridade. A China se destaca por ser um dos maiores produtores e desenvolvedores de biotecnologia do mundo, investindo 4% do seu PIB em biotecnologia, que é uma área  produtora de riqueza naquele país. As duas vacinas entregues ao Programa Nacional de Imunização têm a matéria-prima feita lá. É preciso rever a política industrial brasileira, com foco na biotecnologia”, disse.  O Butantan vem desenvolvendo outra vacina, a  Butanvac, em consórcio com os Estados Unidos, o Vietnã,  o México e a Tailândia. Segundo ele, essa produção nova teria a mesma base tecnológica da vacina da gripe, e o Instituto tem a maior fábrica desse tipo da América do sul, o que vai possibilitar escalar a produção nessa fábrica. O estudo clínico será submetido esse mês à Anvisa e, no segundo semestre, essa nova vacina pode estar disponível. 

 

Do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcelo Marcos Morales lembrou as chamadas públicas específicas para Covid-19, e as diferentes ações realizadas pelo órgão para incentivo à produção nacional da vacina, citando o apoio da Fiocruz. Outro tema debatido na reunião foi a possibilidade de uso de fábricas de vacina animal para a produção de vacina humana no país. Para o diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, isso é factível, desde que sejam aportados recursos para essa adequação, já que a pandemia está longe do fim, e não há convicção  de que a fase pior já passou. O presidente do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal, Delair Ângelo Bolis, se colocou à disposição para contribuir com essa a adequação  de seu parque tecnológico.