Na última quarta-feira, 17 de novembro, diferentes especialistas participaram do segundo dia do seminário virtual “Esperançar na pandemia: diálogos atuais sobre saúde mental e atenção psicossocial”. A atividade foi transmitida pelo YouTube da Fiocruz Brasília e contou com a moderação da pesquisadora Débora Noal, que ressaltou a necessidade de atividades como essa para divulgar as atuais estratégias e evidências sobre o tema, bem como os pontos de mudança e o que é preciso implementar. Ela afirmou que esperançar não é esperar, mas atuar com esperança, com os olhos na luz, apesar dos pés na escuridão; é estar ancorado na ciência, mas sem perder o afeto, pois ele traz potência para a transformação.
Os convidados foram organizados em três blocos de apresentações. Eles abordaram os efeitos da quarentena e os processos de luto, a questão dos migrantes e refugiados, aspectos da atuação dos Consultórios na Rua nesse período e o papel do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), além de informações sobre crianças na pandemia (inclusive as hospitalizadas), e os cuidadores de idosos.
Segundo o pesquisador Bernardo Dolabella, do Centro de Estudos e Pesquisas em Emergências e Desastres (Cepedes/Fiocruz), com a vacinação, já é possível sair da quarentena restritiva e retomar as práticas sociais, mantendo as medidas de higienização. Não se pode, porém, voltar como se nada tivesse acontecido, e as redes socioafetivas e solidárias têm papel importante na proteção da saúde mental e na elaboração desse processo que vivemos. “Esperançar é pensar como fazer essa retomada reconstruindo a solidariedade entre as pessoas e os nossos contatos”, disse.
Membro do Grupo Veredas, braço do Laboratório de Psicanálise, Sociedade e Política da Universidade de São Paulo (USP), a psicanalista Julia Bartshc destacou a necessidade de não perder de vista as nuances dos migrantes, que estão em situação de ruptura e precisam restabelecer vínculos. “A dimensão da interculturalidade é importantíssima, pois ela fala não só sobre o que é diferente no outro, mas também sobre o que em mim é diferente para o outro. Não basta olhar o migrante só como alguém vulnerável, mas como pessoa digna”, afirmou.
No caso da população de rua, a vacinação e a testagem efetivas foram elementos importantes, frutos da articulação de movimentos sociais, conforme lembrou o pesquisador Marcelo Pedra, do Núcleo de População em Situação de Rua, Políticas, Serviços e Dispositivos (Nupop) da Fiocruz Brasília. Ele enfatizou como a presença dos residentes da Fiocruz nos abrigos possibilitou a ampliação do acolhimento a pessoas sob uso de álcool e outras drogas. Falou também da necessidade de integração entre os sistemas de informação do SUS e do SUAS, e de fortalecimento das equipes de Consultório na Rua, que atendem essas pessoas em situação de vulnerabilidade. “A ampliação do auxílio emergencial é especialmente importante para essa população, assim como a construção de portas de saída. É interessante ter não só os abrigos, mas outros espaços de habitação e moradia, bem como ampliar as estratégias de geração de trabalho e renda”, disse.
A psicóloga Rozana Fonseca, Integrante do Práxis – Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Saberes e Práticas na Assistência Social, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), defendeu a implantação de um projeto de renda básica permanente no país. Segundo ela, esperançar é o verbo dos trabalhadores do SUAS, sem romantizar as desigualdades estruturais. “A situação poderia estar pior, não está graças ao SUAS”, ressaltou.
Já a pesquisadora da USP Ilana Katz falou da necessidade de se recalcular a rota do cuidado com as crianças hoje. É preciso ouvi-las para promover esse cuidado na macro e na micropolítica, investindo nas escolas, nos espaços de lazer e no amparo aos lutos de cada um, com orçamento específico para cuidar das crianças.
“O que a memória ama fica eterno”
A frase da poetisa mineira Adélia Prado foi trazida por Adriana Cogo, do Núcleo de Saúde Mental e Atenção Psicossocial em Desastres e Pandemias da Fiocruz. Ela explicou que, sempre que há uma perda e rompimento de vínculo, existe um luto. Se há perda simbólica, não significa que foi menos sofrido que uma perda concreta. Houve perda da convivência com as pessoas queridas, projetos adiados e outras situações que configuram luto, em alguma medida. Os rituais são necessários para elaboração adequada dos processos de luto; então, foi preciso estabelecer novas formas de despedida em meio ao distanciamento social. Segundo Adriana, é importante não medicalizar o luto, mas cuidar dos sintomas e necessidades individuais das pessoas, sem querer retirar o sofrimento rapidamente. “Esquecer não é elaborar, então dar espaço para a dor é dar espaço para a elaboração. É importante mais customização e menos padronização para um luto adequado”, alertou.
A professora Michele Sousa, da Universidade Estácio de Sá, lembrou ainda que a sensação de finitude e as perdas ao longo da vida são algo que já acompanha a população idosa, e a pandemia trouxe um olhar novo sobre o envelhecimento, com os idosos mais próximos de suas famílias, mesmo que a distância. “Online, muitos familiares estavam mais dispostos e com mais tempo para conversar. Nem todas as famílias priorizavam um tempo com seus idosos, antes da Covid-19. A tecnologia auxiliou nisso”, ressaltou.
Dentre as diferentes atividades da Fiocruz Brasília na área de saúde mental, a Unidade, em parceria com o Cepedes/Fiocruz, realizou no ano passado o “Curso Nacional de Atualização em Saúde Mental e Atenção Psicossocial na Covid-19”, na modalidade a distância, com quase 70 mil inscritos.
Clique aqui para acessar a gravação do segundo dia do seminário “Esperançar na Pandemia”. Saiba como foi o primeiro dia do evento neste link.