O próximo mês, março, é marcado por campanhas de conscientização e prevenção da doença, que lembram que o cuidado integral à saúde da mulher precisa ser permanente
Pesquisadores da Fiocruz Brasília assinam um artigo, publicado na Cancer Research Prevention, revista científica da American Association for Cancer Research, com propostas para melhorar o rastreamento do câncer do colo do útero no Brasil. Os autores consideram várias estratégias, de acordo com as diferentes realidades existentes no país. O estudo analisa estratégias para facilitar o acesso e a adesão aos serviços de prevenção, diagnóstico e tratamento no SUS, priorizando as mulheres que apresentam maior risco. O objetivo é contribuir para a redução da incidência e da mortalidade por câncer do colo do útero.
No Brasil, segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca), a incidência do câncer do colo do útero é de 16.710 novos casos por 100 mil mulheres a cada ano, enquanto a mortalidade é de 6.385 por 100 mil mulheres por ano.
O câncer do colo do útero se desenvolve a partir de uma infecção persistente causada por alguns tipos do papilomavírus humano (HPV) – existem 12 tipos conhecidos do HPV que podem causar câncer. A via sexual é a principal forma de transmissão do HPV.
Como explica a primeira autora do artigo, Ana Ribeiro, pesquisadora do Núcleo de Epidemiologia e Vigilância em Saúde (NEVS) da Fiocruz Brasília e docente da Universidade de Brasília (UnB), a compreensão do papel do HPV na doença levou a duas estratégias de prevenção. “A prevenção primária, que se dá através da vacinação contra o HPV, no Brasil, é ofertada gratuitamente pelo SUS às meninas de 9 a 14 anos e aos meninos de 11 a 14 anos”, destaca.
Já a prevenção secundária, no Brasil, se dá por meio do exame citopatológico, conhecido como Papanicolaou. Segundo Ana, é um grande desafio manter um programa que encontre, de fato, as mulheres que estão com maior risco para a doença. “Atualmente, visualizamos um cenário em que as mulheres que comparecem anualmente para realizar a prevenção, em geral, não são aquelas realmente com maior risco. Além disso, é difícil mantê-las realizando todas as etapas necessárias para a conclusão do diagnóstico e do tratamento, pois são várias etapas e idas e vindas de consultas, o que, muitas vezes, faz com que as mulheres abandonem o tratamento”, afirma a pesquisadora.
Essas dificuldades são ainda mais importantes quando se consideram as desigualdades sociais no Brasil. “A baixa oferta dos serviços em áreas de difícil acesso, a falta de conhecimento sobre a doença e os poucos centros com especialistas para realizar a confirmação da doença e o tratamento são alguns exemplos do impacto das desigualdades sobre a incidência e mortalidade do câncer do colo do útero”, comenta Ana.
Um quadro que se tornou ainda mais grave durante a pandemia, quando alguns serviços foram reduzidos ou até suspensos temporariamente. “No Brasil, houve um decréscimo de cerca de 44% dos exames preventivos de Papanicolaou entre os anos de 2019 e 2020. Nesse mesmo período, a realização de tratamentos caiu, em média, cerca de 34%”, afirma a autora.
Para fazer frente às desigualdades, intensificadas durante a pandemia, o artigo propõe que a principal medida de rastreio do câncer do colo do útero seja o teste de HPV vaginal, em vez do exame Papanicolaou.
De acordo com o estudo, quando a mulher recebe um resultado de HPV negativo, o tempo mínimo para a repetição desse exame é de cinco anos, pois quem não apresentou o vírus tem um risco mínimo de desenvolver a doença nesse período. “Essa estratégia possibilita um programa de prevenção adotando dispositivos de autocoleta que permite aumentar a cobertura de rastreio e alcançar aquelas mulheres que, de fato, têm maior risco”, avalia Ana.
Se o resultado do teste de HPV é positivo, é possível realizar outro exame, mais específico, para conhecer o tipo de vírus – isso é importante porque alguns tipos de HPV são mais associados ao câncer do que outros. “A genotipagem estendida do HPV, a avaliação visual automatizada do colo de útero para identificar e classificar, no momento, se a mulher apresenta ou não lesão, e o tratamento por ablação com dispositivos portáteis modernos são estratégias que beneficiariam regiões onde não há equipamentos e/ou profissionais especializados para o tratamento”, afirma Ana, ao defender a simplificação do programa e a diminuição do número de consultas para uma maior equidade e eficiência no enfrentamento do câncer do colo do útero. “Outra possibilidade que, geralmente, melhora a cobertura de prevenção primária é facilitar o acesso, como a oferta de vacinação em escolas, por exemplo”, reforça a pesquisadora.
Além de Ana Ribeiro, também assinam o artigo Tainá Raiol e outros pesquisadores do NEVS (Fiocruz Brasília), pesquisadores do Inca, do Ministério da Saúde e do National Cancer Institute (NCI/NIH), dos Estados Unidos.