O papel da educação na mobilização e participação social foi debatido durante a I Mostra EGF-Brasília

Nathállia Gameiro 18 de março de 2022


Uma nova doença. Sobrecarga das unidades de saúde. Cientistas e profissionais de saúde em busca de respostas. Profissionais de comunicação em busca de informações para serem passadas à sociedade. Este cenário tão familiar não é do surgimento da Covid-19, mas  foi vivenciado também no Brasil em 2015, com o vírus Zika. A doença atingiu milhares de pessoas e aumentou o número de casos de bebês nascidos com problemas neurológicos e anomalias congênitas, além dos casos de síndrome de Guillain-Barré.

Pensando no cuidado com essa população, a Fiocruz Brasília desenvolveu pesquisas e projetos sobre zika. Dois deles foram apresentados durante a I Mostra da Escola de Governo Fiocruz-Brasília na tarde desta quinta-feira (17/03), no painel Educação para Mobilização e Participação social para além dos tempos de Crise.

Esses projetos têm em comum as abordagens dialógicas, a mobilização da sociedade, envolvimento da educação e a solidariedade. A presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, ressaltou a importância do evento na discussão de educação e participação social para além da emergência sanitária. Para a pesquisadora, a adoção de comportamentos do ponto de vista sanitário, como uso de máscara e o distanciamento social no caso da Covid-19, e o enfrentamento a doenças causadas pelo mosquito Aedes Aegypti, não pode ser de forma passiva, mas uma consciência construída pela participação social.

“Deveríamos pensar caminhos democráticos com a participação social para além das emergências, e de que maneira é possível termos experiências mais inclusivas e participativas com maior engajamento de grupos sociais e da sociedade. O conceito de socialidade deve se dar não apenas como internalização de  valores e preceitos, mas como uma forma ativa e construtiva de engajamento”, afirmou a pesquisadora ao destacar que pensar a questão social é parte da construção de alternativas de preparação e enfrentamento para novas emergências sanitárias.  

A diretora da Escola de Governo Fiocruz-Brasília, Luciana Sepúlveda, apresentou o projeto Inovação em educação e comunicação para prevenção à zika e doenças correlatas nos territórios, que tem como objetivo desenvolver um modelo de educação ambiental, sanitária e de popularização da ciência que facilite a vigilância dos agravos diante da epidemia de zika em escolas e comunidades, gerando efeitos duráveis de prevenção a outras doenças. Cursos de vigilância em saúde, oficinas, visitas e estratégias de comunicação foram algumas atividades desenvolvidas com os jovens de escolas do Distrito Federal, na região de Ceilândia, e no Rio de Janeiro, no bairro de Manguinhos da capital carioca e nas cidades do interior Maricá e Paraty. Com a pandemia, o tema da Covid-19 também foi abordado com os alunos.

A pesquisa envolve parceria de diferentes unidades da Fiocruz: Brasília, Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Museu da Vida (COC/Fiocruz), Canal Saúde e Observatório de Territórios Saudáveis e Sustentáveis da Bocaina. Luciana afirmou que no território não havia participação das pessoas no controle de vetor e das questões de saúde, só recebiam ações pontuais ou verticais. Por isso, a iniciação científica foi pensada no projeto como uma política de abertura da escola para ressignificar a ciência para a resolução de problemas locais envolvendo professores, pesquisadores e estudantes. “Esse diálogo do conhecimento e da abordagem da ciência para resolução de problemas prolongam na escola as ações de promoção da saúde”, ressaltou.

A pesquisadora  observou junto à comunidade a transformação na perspectiva de novos conhecimentos sobre temas como saúde, SUS, território e arboviroses; além de reflexões sobre como a violência vivenciada nesses locais impacta as ações de promoção da saúde. “Conseguimos modificar hábitos e comportamentos. Esses resultados podem auxiliar na orientação de políticas públicas”, disse.

A experiência da Plataforma Zika – Plataforma de vigilância de longo prazo para a Zika e suas consequências, no âmbito do SUS também foi apresentada no evento pelo pesquisador e coordenador de Integração Estratégica da Fiocruz Brasília, Wagner Martins. O projeto busca fazer a conjunção entre a pesquisa básica, a pesquisa aplicada, o saber popular e a prática social e resultou na realização de Feiras de Solução para a Saúde. A primeira edição teve como palco a cidade de Salvador, em 2017. Pesquisadores, criadores de iniciativas de combate e prevenção às arboviroses, jornalistas e famílias acometidas pela zika participaram de simpósio, oficinas de trabalho, seminário internacional, hackathon e atividades culturais sobre o tema.

“A Feira nos trouxe a percepção de que a sociedade independe do governo, ciência e gestores para resolver seus problemas, ela se organiza e atua. Foi a oportunidade de perceber o que a sociedade faz, em um momento de crise, usando seus recursos e inteligência cooperativa”, afirmou Wagner. Essa experiência levou à criação da Plataforma de Inteligência Cooperativa com Atenção Primária à Saúde para o enfrentamento da Covid-19 nos territórios (Picaps) em 2020, com o avanço da doença no país e a capacitações de pesquisadores populares para atuarem em uma das regiões mais vulneráveis do Distrito Federal, a Cidade Estrutural.

Uma das capacitações foi a Especialização em Governança Territorial para o Desenvolvimento Saudável e Sustentável. A egressa do curso Flora Fonseca falou sobre as ações realizadas como a criação de um Comitê Saudável e Sustentável formado por sete mulheres, em sua maioria lideranças comunitárias, a entrega de itens de higiene para cerca de 400 famílias e as estratégias de comunicação popular utilizadas para passar informações sobre a Covid-19 de maneira acessível. “Foi um processo de mobilização e participação social para além dos tempos de crise, colocamos o que vimos na sala de aula na prática e empoderamos mulheres. Esse é um exemplo de como engajar a população para que se sintam parte da construção social e do que precisam”, afirmou Flora.

O jornalista e professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Cidoval Sousa criticou a comunicação e educação em saúde que é feita em campanhas nacionais baseada na culpabilização das pessoas afetadas pelas doenças. “São discursos de mão única, sem espaços para troca, cheios de ameaças e que trazem mais insegurança que confiança. Não considera o outro e seus saberes. É uma inversão completa do sistema de culpas, o estado e o município desaparecem e ninguém fala de políticas públicas, só existe um culpado, aquele que deixou a bacia destampada e guardou a água dentro de casa porque ela só chega de 20 em 20 dias”, exemplificou.

Para ele, os projetos apresentados no painel são uma crítica a esse modelo e à compreensão de que essa crise em saúde é sistêmica, não tem uma saída única. A importância de ouvir a voz do território também foi destacada pelo pesquisador Gustavo Matta, da Ensp/Fiocruz, mediador do painel. Concorda com ele, o pesquisador e coordenador do Programa de Promoção da Saúde, Ambiente e Trabalho (PSAT) da Fiocruz Brasília, Jorge Machado. Ele defende que as soluções devem ser de formação para uma vigilância popular, situada no território, e participativa, integrada nas ações do SUS. Já na visão de Maurício Monkey, pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, a escola tem um papel essencial no processo de mobilização e participação do território pois produz pertencimento no cidadão.

Políticas públicas

“Se conseguirmos direcionar políticas públicas, pessoal e investimento, e fazer com que as áreas conversem e trabalhem juntas, conseguiremos partir para um novo paradigma de enfrentamento de arboviroses e outras doenças em que a questão social e educativa não seja coadjuvante, não apareça só no famoso mutirão de combate ao Aedes”, é o que defende o pesquisador Miguel Oliveira, do Museu da Vida da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). Ele acredita que as metodologias apresentadas possam ser aplicadas em todos os territórios se forem observados os princípios colocados em cada uma delas.

“A pesquisa é o que nos direciona para cada vez mais tentar atingir a população para a proteção e promoção da saúde nos territórios e prevenção às arboviroses e outras doenças”, afirmou o consultor técnico da Coordenadoria Geral de Vigilância das Arboviroses do Ministério da Saúde José Braz, ao lembrar que não se pode culpabilizar o indivíduo, é preciso entender como as políticas estão levando o indivíduo a agir desta forma. José afirmou que transformar os resultados de pesquisas como essas em políticas públicas e ações e serviços que possam ser executados por municípios ainda é uma dificuldade enfrentada, mas que será criada uma rede intersetorial que vai incluir a pesquisa, profissionais da educação, lideranças comunitárias e agentes comunitários de saúde para trazer a realidade do território e fazer o planejamento a partir desse cenário.

O papel da Fiocruz  na mobilização e educação popular  foi destacado pelo pesquisador Wagner Martins, que alertou que  as ações em parceria precisam continuar também depois das emergências sanitárias e dos desastres.

 

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A I Mostra EGF-Brasília será realizada até sábado (19/03) com uma programação diversa: https://www.even3.com.br/mostraescolafiocruzbsb/