A Fiocruz Brasília terminou recentemente o segundo ano de atividades do curso EpiSUS Intermediário, do qual participaram mais de 700 alunos de todo o país e que hoje são formados para dedicação à epidemiologia de campo. A primeira iniciativa nesta área, ainda recente na instituição, foi em 2019 e contou com 20 alunos em formato presencial inicialmente, seguido de ensino híbrido, devido à pandemia. Durante a I Mostra da Escola de Governo Fiocruz-Brasília, uma manhã inteira foi dedicada ao tema devido à sua relevância institucional e para o SUS.
O professor da Universidade de Brasília Wildo Navegantes de Araújo, apresentou o papel da epidemiologia de campo no cenário da pandemia de Covid-19. Ele, que foi aluno da segunda turma do EpiSUS Avançado, anos atrás, apresentou resgate histórico do programa de treinamento para formar profissionais de saúde que usem a epidemiologia para responder às demandas do serviço de saúde. Iniciado em 1980 nos Estados Unidos, a partir do modelo de Serviço de Inteligência Epidemiológica (Epidemic Intelligence Service, Centro de Controle e Prevenção de Doenças, Atlanta), o Programa de Treinamento em Epidemiologia de Campo (Fiel Epidemilogy Training Program, FETP), possui atualmente mais de 80 programas em 160 diferentes países e já implementou mais de cinco mil sistemas de vigilância. Antes da Covid-19, já tinham sido investigados 11545 surtos, com mais de 2890 artigos científicos publicados em revistas científicas e quase dez mil apresentações em eventos científicos a partir da formação e atuação de profissionais em todo o mundo.
“Essa formação possui três níveis, fundamental, intermediário e avançado. A Fiocruz desenvolve um papel fenomenal em expandir essa formação para todo o país, formando profissionais do SUS”, afirmou.
O pesquisador apresentou como a epidemiologia de campo contribuiu em diferentes campos para além do que estaria previsto para que os profissionais da área se envolvessem durante a pandemia de Covid-19, seja na investigação de casos, resposta laboratorial, coordenação e liderança em níveis federais da saúde, atuação em portos, aeroportos e fronteiras, avaliação de risco, gerenciamento clínico, capacitação e desenvolvimento da força de trabalho, até o suporte operacional e logístico.
A literatura científica comprovou também que os profissionais formados em epidemiologia de campo estão participando inclusive no desenvolvimento de guias e matérias de comunicação e compartilhando informação para profissionais de saúde e público em geral. Cabe destacar que o conhecimento, atitudes e práticas sobre Covid-19 dos profissionais formados são melhores que outros profissionais de saúde que não passaram pela formação.
Para se ter uma ideia da potência desta formação, o primeiro artigo melhor qualificado na literatura científica por meio do qual se começou a entender que pneumonia era aquela surgida na China, publicado em 29 de janeiro de 2020, tem metade dos autores formados em epidemiologia de campo. Este fato exemplifica como o dado colhido no campo assessora gestores e também subsidia o meio científico disseminando a informação de maneira uniforme e presente no restante do mundo.
A atividade contou também com a palestra do professor da Universidade de São Paulo Eliseu Alves Wadman, que destacou três funções essenciais da saúde pública: a vigilância epidemiológica, o monitoramento da situação de saúde e a avaliação de impacto e efetividade de intervenções. Segundo ele, os fatores que influenciam o desempenho dos sistemas de vigilância são a subnotificação, que inclui o desconhecimento dos procedimentos necessários para a notificação e da lista de doenças de vigilância, a ausência de adesão à notificação, pelo tempo consumido no preenchimento da ficha e pela ausência do retorno da informação analisada com as recomendações técnicas pertinentes, a preocupação com a quebra da confidencialidade das informações e a falta de percepção da relevância das doenças sob vigilância. Ele também enumerou a baixa representatividade, ou seja, tendência a notificar preferencialmente os casos de maior gravidade e os hospitalizados do que os de características benignas, ainda que estes últimos possam constituir as principais fontes de infecção, e a notificação com maior intensidade daquelas doenças que estão em foco na mídia, além do baixo grau de oportunidade e inconsistência na definição de casos.
Dentre os fatores que criam condições para as emergências em saúde pública, o pesquisador destacou as doenças infecciosas emergentes (como a Covid-19, desastres naturais e acidentes ambientais e conflitos internos e internacionais). Segundo ele, é necessário observar a saúde única, que articula a saúde humana, animal e características do ambiente. “Para ser bem sucedida, é necessário não só a vigilância, mas o monitoramento de indicadores nessas três áreas”, disse. A vigilância epidemiológica tem dois subsistemas, o de informação para ações e controle, e o de inteligência epidemiológica. O primeiro é desenvolvido nos sistemas locais de saúde e consiste em agilizar o processo de identificação e controle de eventos adversos de saúde com coleta e análise imediata dos dados, além de participar da elaboração de normas adequadas às realidades local ou regional.
Já o subsistema de inteligência epidemiológica elabora as bases técnicas dos programas de controle de eventos adversos a saúde, identifica lacunas no conhecimento científico e tecnológico, induz a pesquisa e incorpora o conhecimento produzido.
A vigilância acompanha o comportamento de eventos de saúde na comunidade com a finalidade de propor estratégias de controle. A monitorização acompanha indicadores sociais, demográficos, econômicos e de saúde para identificar prioridades e fundamentar políticas públicas no setor saúde. Segundo ele, o uso articulado desses instrumentos são dois pilares para o bom desempenho no enfrentamento de emergências em saúde pública.
Com a palavra, os alunos do EpiSUS
Três alunos da segunda turma do EpiSUS intermediário apresentaram suas pesquisas desenvolvidas ao longo do curso. A avaliação da qualidade, aceitabilidade e representatividade do Sistema de Vigilância Epidemiológica da Tuberculose em Santa Catarina foi o tema desenvolvido pela médica Ligia Castellon Figueiredo Gryninger, que trabalha na diretoria de vigilância epidemiológica do estado, orientada pela professora Nágila Soares Xavier Oenning. Ela uniu o útil ao agradável, trabalhando com os dados do sistema de informação Sinan disponível para avaliar a qualidade dos dados, a aceitabilidade dos protocolos e a representatividade dos casos captados pelo sistema. A pesquisadora analisou as notificações de tuberculose de 20216 a 2020, a partir de 17 variáveis da ficha de notificação. Segundo ela, o sistema apresentou completude satisfatória e representativo, refletindo as características epidemiologias e clínicas que também são encontradas no Brasil. A partir do estudo, ela propôs recomendações e diretrizes para o trabalho.
Outro trabalho apresentado avaliou o sistema de vigilância da Covid-19 no DF, de fevereiro de 2020 a abril de 2021. A pesquisa do enfermeiro João Pedro Anfelici Virginio avaliou a qualidade dos dados, a oportunidade de notificação e a representatividade dos casos, a partir de diretrizes do CDC (sigla em inglês para Centros de Controle e Prevenção de Doenças, dos EUA) para avaliação de sistemas de vigilância. Ele também identificou que o perfil da doença segue o padrão nacional, apesar das particularidades do DF. Segundo o enfermeiro, o sistema ainda carece de melhorias e necessidade de atenção com relação ao tamanho da base de dados, sendo necessário recursos de verificação de duplicidades e inconsistências bem como ajustes na complementação de dados.
Da Bahia, a enfermeira Maria Aparecida Rodrigues, analisou o sistema de vigilância da sífilis congênita no estado, de 2016 a 2020, avaliando qualidade dos dados, oportunidade e representatividade e propôs recomendações que contribuam para o aprimoramento do sistema no estado. Segundo ela, a alta representatividade do sistema de vigilância da sífilis congênita foi importante para o monitoramento e aponta tendências pertinentes à dinâmica da doença na Bahia, permitindo uma boa análise de tendência e monitoramento do perfil da doença no estado.
O coordenador do Núcleo de Epidemiologia e Vigilância em Saúde, Cláudio Maierovitch, foi o moderador da atividade, juntamente com a pesquisadora Priscila Bochi de Souza. O ex-ministro da saúde e assessor da Fiocruz Brasília, José Agenor Alvares, participou da atividade e ressaltou a preocupação dos trabalhadores em se formar e capacitar para dar respostas aos problemas de saúde que surgem nos locais mais longínquos do país. Segundo ele, o curso é um exemplo de como é importante unir academia e serviço, e acabar com essa “luta de classe” entre as duas áreas.
Para acessar a gravação desta atividade, clique aqui.
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