Arte e cultura para promoção da saúde

Nathállia Gameiro 22 de março de 2022


“A arte é a expressão viva que derruba os muros, quebra as correntes e amarras da opressão. Arte é caminho, é diversidade, é transformação social. Arte é rima, arte traz conhecimento e salva. É através da arte que vamos às ruas e expressamos a indignação com a injustiça, a luta por direitos e por uma democracia. Desde quando o mundo se diz mundo encontramos a arte”. A definição é da pesquisadora da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Luíza Maria Lima Oliveira, que participou do painel  Arte e Educação Popular em Saúde em uma perspectiva multicultural, organizado pelos alunos da Especialização em Educação Popular em Saúde para Promoção de Territórios Saudáveis e Sustentáveis, realizado durante a I Mostra da Escola de Governo Fiocruz-Brasília, na manhã do último sábado (19/3).

O histórico da arte e o seu papel no desenvolvimento da sociedade foi apresentado pela pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB) Marjorie Chaves, definindo as manifestações artísticas como uma das primeiras formas de expressão humana de comunicar e apresentar um acontecimento, usando como exemplo as pinturas rupestres. De acordo com ela, somente no final do século 19 começa a aparecer a arte com seu aspecto terapêutico. Carl Jung, Arthur Bispo do Rosário Paes e Nise da Silveira foram destacados como grandes nomes que promoviam reflexão e debate sobre arte e saúde mental.

Os doentes psiquiátricos, alcoólicos e pessoas em situação de rua eram classificados como indesejáveis e excluídos da sociedade em locais distantes. Os tratamentos psiquiátricos utilizados na década de 40 já eram criticados por Nise da Silveira, como a lobotomia e o eletrochoque, que buscou novas formas terapêuticas para tratar os seus pacientes com mais dignidade e humanizar o tratamento. Ela foi uma das precursoras da arte terapia e criou ambientes de afetividade para que eles pudessem se expressar por meio da arte como desenho, pintura, escultura, teatro e marcenaria. Nise afirmava que o contato afetivo de uma pessoa com outra é o que melhora o atendimento, o que cura é a alegria e a falta de preconceito.

De acordo com Marjorie, estudos recentes têm indicado que as atividades artísticas são formas de aprimorar os protocolos de tratamento, reduzindo efeitos colaterais, melhorando a concentração, trabalhando a ansiedade e como forma de autoconhecimento. “A arte traduz sentimentos, desejos, vontades e dores, aproxima, aconchega e torna o ambiente mais saudável. Por isso é importante o movimento da arte com a educação popular”, afirmou Marjorie.

Ela destacou que a arte como proposta terapêutica foi incluída no Sistema Único de Saúde (SUS) recentemente, como Práticas Integrativas em Saúde (PICS). Entre elas a arte terapia, biodança e musicoterapia. “Isso é muito importante porque dá respaldo a esse tipo de trabalho para ser implementado no território”, afirmou.

Práticas terapêuticas

Buscando ampliar a visão da arte na saúde, no território, na cultura e na luta de direitos, a atividade apresentou exemplos de uso da cultura para a promoção da saúde, como a arte terapia. A assistente social Isabella Stephan falou sobre sua experiência no atendimento a pessoas em situação de violência e o uso da arte para ressignificar vivências nesse contexto.

De acordo com ela, a arte terapia se mostrou um canal muito efetivo, principalmente porque eram situações traumáticas em que as pessoas não conseguiam falar, mas se expressavam com desenhos, pinturas, danças e escrita livre. “A gente entra em contato com as funções psíquicas: pensamento, sentimento, sensação e intuição. Vamos conduzir as pessoas nessa expressão do inconsciente delas através de linguagens artísticas, em que ela entra em contato com esses sentimentos e dialoga sobre essa experiência que está vivenciando. É uma ponte entre o inconsciente e o consciente”, explicou.

Segundo Isabella, nesse processo as pessoas começam a perceber que a cura está dentro delas, e não fora, e que têm ferramentas para acessá-la. Ela afirma que os resultados são incríveis, e os pacientes conseguem falar sobre suas vivências de forma mais leve, o que amplia a adesão ao tratamento, deixando de lado o lugar hospitalocêntrico para ser um espaço de produção de arte e cuidado para todas as idades.

A assistente social ressalta que há possibilidades de utilização em diferentes esferas, na atenção primária, secundária ou terciária. “A arte possibilita traduzir o invisível, o que é doloroso, e isso é extremamente transformador. A interface entre arte e saúde é uma prática terapêutica que promove qualidade de vida e bem-estar”, afirmou ao lembrar que a arteterapia não é utilizada só para o cuidado em situações de sofrimento, mas também permite identificar fatores de risco, de proteção e onde essas vulnerabilidades acontecem na vida dessas pessoas, pelo vínculo que se estabelece nessa relação.

Outra experiência apresentada foi o grupo Maluco Voador. A banda é formada pelos usuários do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) 2 do Paranoá e utiliza a arte e cultura como recurso terapêutico e de inclusão de pacientes com sofrimento psíquico. As músicas e a dimensão cênica são construídas a partir da história de vida dos participantes e sua inserção no território, com o objetivo de mostrar que os pacientes não devem ficar isolados, mas conviver em sociedade e levar uma vida normal.

A médica e educadora popular, Vera Dantas afirmou que a arte pode ser inserida na formação dos profissionais e estar presente em todos os espaços que promovem saúde. Ela ressaltou o papel dos profissionais na valorização de saberes populares e no diálogo da academia com a educação popular. “Como legitimar uma rezadeira que fez isso a vida toda? Como podemos provocar a inclusão dessas práticas no nosso cotidiano sem precisar criar especialistas para isso? Como eu, como médica, posso acolher essa prática, referendar e dizer para os territórios que é importante?”, questionou.

O painel foi transmitido ao vivo pelo YouTube e pode ser conferido aqui