Um dos países com maior número de usuários ativos nas mídias sociais e com um dos maiores programas de vacinação do mundo. Este é o Brasil, onde também se observam proliferação de fake news e queda das coberturas vacinais. O cenário convoca a refletir sobre o papel da comunicação em saúde, e foi isso o que fizeram as jornalistas Ana Cláudia Amorim Barbosa e Nágila Rodrigues Paiva, egressas da primeira turma da Especialização em Comunicação em Saúde da Escola de Governo Fiocruz – Brasília. Em seu trabalho de conclusão de curso, intitulado “Rir é o melhor remédio: o uso de memes para abordar a vacinação no Brasil”, a dupla fez um estudo do perfil do Ministério da Saúde no Instagram, e chegou a uma conclusão não muito animadora: de todas as postagens sobre vacinas ou vacinações feitas na página nos anos de 2018 e 2019, somente cinco utilizaram memes.
“No contexto das mídias digitais, meme é uma mensagem quase sempre de tom jocoso ou irônico que pode ou não ser acompanhada por uma imagem ou vídeo e que é intensamente compartilhada por usuários nas mídias sociais”, explicam Ana Cláudia e Nágila no trabalho. Compreendidos como parte da cultura web, os memes utilizam humor para ressignificar aspectos do cotidiano. “Meme é considerado como uma linguagem midiática ou um gênero comunicativo próprio do ambiente digital e, como tal, não deve ser subestimado, ao contrário, é preciso que seja levado a sério”, acrescentam as autoras. Sim, é preciso levar a sério que uma estratégia com grande potencial de engajar a audiência ainda é usada tão timidamente pelo Ministério da Saúde. Afinal, embora pouco usados, quando aparecem na página do Ministério, os memes se destacam porque recebem mais atenção do público do que outros tipos de postagem, como o trabalho de Ana Cláudia e Nágila também mostra.
Como conclusão, além da importância de investir na linguagem dos memes, o estudo recomenda, ainda, mais interação do Ministério com os usuários, respondendo aos comentários dos internautas e fortalecendo as mídias sociais, de fato, como um espaço de diálogo e trocas. Para saber mais por que “Rir é o melhor remédio”, confira a seguir um bate-papo com as autoras do trabalho. A entrevista faz parte da série de divulgação científica “Fale aê, especialista”, da Assessoria de Comunicação da Fiocruz Brasília, que busca ampliar o acesso aos resultados das pesquisas realizadas na instituição.
Por que escolheram estudar o período de 2018 e 2019?
Ana Cláudia Barbosa e Nágila Paiva: Escolhemos o período de 2018 e 2019 para fugir da temática Covid-19, presente em 2021, quando iniciamos a pesquisa. A escolha desse intervalo de tempo também se deve ao fato de os anos de 2018 e 2019 compreenderem a atuação de duas gestões de governo distintas e nos inquietava saber se a comunicação do Ministério da Saúde, em função dessa diferença de gestão, trataria o uso dos memes de modo distinto, lançando mão, ou não, desse recurso em suas comunicações nas mídias digitais.
Como descreveriam a comunicação do Ministério da Saúde no Instagram no período estudado?
Ana Cláudia Barbosa e Nágila Paiva: O Ministério da Saúde afirma que sua presença em ambientes sociais digitais abre espaço para o diálogo com a sociedade, de forma ágil e transparente, fortalecendo a democracia e propiciando a construção do país com a participação de todos. Entretanto, percebemos que, na atuação nas mídias digitais, especificamente no Instagram, o Ministério não estabelece uma postura dialógica, ou seja, não privilegia a interatividade com seus usuários, raramente ou quase nunca respondendo aos questionamentos ou falas dos seguidores do perfil nas postagens. Quando acontece a interação, esta se dá apenas para agradecer a participação dos usuários em comentários positivos.
E como avaliam o uso de memes sobre vacinas e vacinação pelo Ministério da Saúde?
Ana Cláudia Barbosa e Nágila Paiva: O meme é um fenômeno da cultura digital e tem a capacidade de transmitir mensagens de compreensão fácil e rápida. Percebemos em nosso trabalho que o Ministério da Saúde ainda se utiliza dos memes de maneira muito tímida, como uma tentativa de trazer alguma proximidade com os usuários do Instagram. Arriscamos dizer que, mais do que comunicar informações sobre a vacinação, o meme é utilizado no perfil do Instagram do Ministério como uma ferramenta para gerar um maior engajamento.
Qual o papel do personagem Zé Gotinha nesse contexto?
Ana Cláudia Barbosa e Nágila Paiva: As postagens sobre vacinação trazem, em sua maioria, o Zé Gotinha como personagem principal. E o Zé, como carinhosamente o chamamos, é o porta-voz da vacinação. Na análise sobre os memes, percebemos que ele é colocado em todas as postagens com a característica de meme, como na publicação que perguntava: “Numa escala Zé Gotinha, como está a sua situação vacinal?”, o que gera na audiência simpatia ao tema vacinação .
Por que os memes são importantes estratégias de comunicação em saúde?
Ana Cláudia Barbosa e Nágila Paiva: O meme é um traço da contemporaneidade, está sempre associado ao humor e, por essa característica, engaja a audiência. Como ferramenta de comunicação em saúde, os memes são altamente eficientes porque trazem uma linguagem simples, com a qual as pessoas estão habituadas. A familiaridade trazida pelo meme sensibiliza o público para os assuntos, especificamente para a vacinação, como foi percebido em nossa análise.
Com base na pesquisa, como potencializar o uso do Instagram para uma mobilização que contribua para o aumento das coberturas vacinais?
Ana Cláudia Barbosa e Nágila Paiva: Percebemos que o Instagram do Ministério da Saúde precisa investir em uma linguagem própria do ambiente digital, com mais foco na interação e não somente na transmissão de conteúdo. As respostas à população que se manifestam no canal são de suma importância, porque as redes sociais são um ambiente de troca. Conteúdos “quadrados” ou sisudos em pouco ou nada engajam a população. Acreditamos que, com o discurso alinhado às práticas, o Ministério da Saúde terá no Instagram uma ferramenta importante para enfrentar a desinformação e, consequentemente, impactar de forma positiva as coberturas vacinais.
Ana Cláudia Amorim Barbosa e Nágila Rodrigues Paiva são autoras do trabalho de conclusão de curso “Rir é o melhor remédio: o uso de memes para abordar a vacinação no Brasil”, defendida em 3 de dezembro de 2021, com orientação da professora Ádria Jane Albarado.
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