Uma situação inédita provocada por um vírus e uma doença até então desconhecidos: a pandemia de Covid-19 trouxe inúmeros desafios para a saúde, a ciência, a economia e todos os setores da sociedade, fazendo eclodir novas conjunturas e, ao mesmo tempo, aprofundando velhos problemas, como as vulnerabilidades sociais. Diante desse cenário, as Assessorias de Comunicação das Secretarias Municipais de Saúde (SMS) também foram fortemente impactadas, tendo que adaptar suas rotinas e fluxos de trabalho a um cenário em permanente transformação, com muitas e variadas demandas.
As estratégias de comunicação em saúde adotadas pelas Assessorias de Comunicação das SMS de quatro capitais brasileiras foram estudadas pela jornalista Eva Patrícia Alvares Lopes e pelo radialista Ubirajara Rodrigues dos Santos, egressos da Especialização em Comunicação em Saúde da Escola de Governo Fiocruz – Brasília. A partir de entrevistas com profissionais que estavam à frente dessas Assessorias, foi possível identificar como as equipes lidaram com a apuração e divulgação de informações num contexto de incertezas e fake news, e como se estabeleceram as relações com a imprensa e com os dirigentes no âmbito da administração municipal. Para saber mais sobre os resultados, confira a seguir o Fala aê, especialista com os autores da pesquisa.
Quais as principais estratégias das Assessorias de Comunicação das Secretarias Municipais de Saúde durante a pandemia?
Eva Patrícia Alvares Lopes e Ubirajara Rodrigues dos Santos: No início de 2020, os profissionais das Assessorias de Comunicação das SMS foram pegos de surpresa, estabelecendo uma rotina de apuração diária junto a suas respectivas áreas técnicas para o levantamento de informações sobre a pandemia, conforme o conhecimento científico ia sendo atualizado. Este cenário exigiu esforços no sentido de levantar dados os mais seguros possíveis para divulgação e trabalhar com número reduzido de fontes para falar sobre o assunto, em especial prefeitos e secretários de saúde. Algumas das estratégias adotadas naquele momento foram a elaboração e divulgação de dados por meio de boletins informativos e materiais direcionados à imprensa e à população, além da realização de coletivas on-line e da criação de hotsites.
Houve inovação das práticas?
Eva e Ubirajara: A análise revelou que a pandemia mudou o cenário de atendimento à imprensa, com as Assessorias de Comunicação gravando e enviando entrevistas e declarações de fontes oficiais para veículos de comunicação, uma prática que seria pouco aceita na rotina normal dos veículos de comunicação, fora do contexto pandêmico. Também foi relatado o uso de plataformas da internet para a realização de entrevistas on-line como forma de manter o distanciamento social e garantir a informação de interesse público para a sociedade.
Como foi esse relacionamento com a imprensa?
Eva e Ubirajara: Os entrevistados parecem ter tido uma boa relação com os meios de comunicação. Apesar do período difícil, todos relataram episódios de cooperação e aprendizado a respeito de novas formas de se fazer jornalismo. Esse achado chama a atenção porque, pela nossa experiência, pode ser difícil estabelecer uma relação de cooperação com veículos de imprensa em momentos de crise na saúde, pois a mídia exerce seu papel de pressão em situações em que o Governo deve dar respostas acertadas para resolver um problema. Chama mais atenção ainda porque, conforme os entrevistados relataram, havia muita pressão da mídia e cobrança por informações. No entanto, o que parece ter preponderado foi o entendimento de que a pandemia impôs limitações a todos por seu ineditismo e falta de informações.
Como os profissionais das Assessorias de Comunicação lidaram com as fake news?
Eva e Ubirajara: Cada município adotou uma estratégia diferente. Em um deles, foi criado um hotsite para a postagem de informações oficiais sobre ocupação de leitos, número de casos e panorama geral das ações da Prefeitura para o enfrentamento da Covid-19. A população foi, então, orientada a acompanhar online a situação. Em outro município, a assessoria repassava as informações verdadeiras com a elaboração de informes diários e concessão de entrevistas. Portanto, não havia ‘desmentidos’, mas o repasse da informação correta. Uma aba com ‘perguntas e respostas’ no portal da Prefeitura também tirou dúvidas relacionadas às fake news. Já em outra cidade o combate foi feito em duas frentes, bastante intensas, segundo a pessoa entrevistada. Uma vertente foi o trabalho nas redes sociais, por meio de monitoramento de fake news, para que houvesse reação em tempo real, com a divulgação de esclarecimentos. A outra frente era um canal para contato direto com a imprensa e repasse de informações corretas, sempre que circulavam notícias falsas. Mas as SMS não eram as únicas fontes a rebater os conteúdos falsos; a comunidade científica e acadêmica também atuou no combate à desinformação, que circulou em âmbito nacional, por exemplo, relacionada ao uso de cloroquina e de máscaras.
Quais os principais desafios da comunicação no enfrentamento da Covid-19, segundo os entrevistados?
Eva e Ubirajara: No contexto inicial, a falta de informações sobre o novo vírus e a Covid-19 representou um grande desafio para as Assessorias de Comunicação. A ausência de dados e as incertezas sobre a situação foram os pontos destacados nas entrevistas realizadas, o que levou a outros desafios, como atender aos muitos pedidos da imprensa e tranquilizar a população sobre a pandemia. Os profissionais de comunicação tiveram que envidar esforços para esclarecer os riscos da pandemia e combater as informações falsas, disseminadas, inclusive, por autoridades do país, que prestavam um desserviço negando a gravidade da situação e o conhecimento científico, com impacto direto no comportamento da população. Naquele ambiente de insegurança, houve união de forças entre equipes de comunicação das prefeituras. Além da junção e reforço das equipes, os profissionais de comunicação passaram a integrar comitês de gestores e espaços de tomada de decisão sobre o enfrentamento da pandemia.
Como foi a interação das Assessorias de Comunicação com os secretários municipais de Saúde e com as áreas técnicas da pasta?
Eva e Ubirajara: A interação entre os gestores de comunicação e os dirigentes no âmbito da administração municipal foi marcada por problemas comuns à gestão de crises, mas os entrevistados também afirmaram que houve empenho de todos para lidar da melhor forma com o enfrentamento da pandemia. De forma geral, a gestão municipal acatava as decisões técnicas tomadas pelas SMS, havendo certo grau de alinhamento político e técnico. Os setores de comunicação das SMS também tiveram liberdade para propor ações e temas, embora, em alguns casos, a divulgação tenha ficado centralizada na Prefeitura. Em uma das cidades, houve a criação de um comitê com membros de diversas áreas da Prefeitura, incluindo comunicadores e técnicos da vigilância epidemiológica da SMS. Esse grupo tratava das informações sobre a situação da pandemia e fazia recomendações ao gestor, que tendia a acatá-las no que diz respeito às ações de comunicação.
Houve um reconhecimento da importância da Comunicação?
Eva e Ubirajara: No geral, identificamos na pesquisa que as Assessorias de Comunicação das SMS passaram a ter uma relevância similar à das áreas técnicas da Saúde, fortalecendo a convicção de que devem integrar rotineiramente e de maneira mais consistente os espaços de discussão de políticas e de tomada de decisões, inclusive como parte da estrutura da administração pública e do SUS. Tradicionalmente, a área de Comunicação é vista como simples local de entrega de pedidos e retirada de produtos, muitas vezes descolada do processo político interno, da discussão e do amadurecimento de ideias, projetos e planejamentos mais amplos. De modo geral, a área é lembrada na reta final de elaboração de uma nova política, uma nova ação, uma nova medida ou um novo produto. A pandemia parece ter mudado essa compreensão, pelo menos naquele momento.
Qual a opinião dos entrevistados sobre a elaboração de uma política de comunicação em saúde para o Sistema Único de Saúde (SUS)?
Eva e Ubirajara: De acordo com o resultado do estudo, uma possível política de comunicação em saúde para o SUS deveria ter como principal característica a humanização, com foco no cidadão, e poderia contribuir para a melhoria da imagem do Sistema junto à sociedade. Portanto, o potencial de uma política de comunicação para o SUS estaria na transparência e na luta contra os estereótipos negativos relacionados ao sistema público de saúde. Outro ponto importante é que essa política poderia estabelecer uma coordenação nacional, unindo esforços e parcerias de todas as esferas. Isso favoreceria um ambiente de rede e compartilhamento de informações e experiências, e ações mais integradas, já que os problemas enfrentados pelas Assessorias de Comunicação são semelhantes.
Eva Patrícia Alvares Lopes e Ubirajara Rodrigues dos Santos são autores do trabalho de conclusão de curso “Estratégias de comunicação em saúde no enfrentamento à Covid-19 em quatro capitais brasileiras”, apresentado em 29 de janeiro de 2022, com orientação do professor Jorge Duarte.
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