Fiocruz Brasília é a primeira unidade regional a receber iniciativa da Fiocruz que propõe espaços de diálogo para abordar a vivência da maternidade no trabalho
Nayane Taniguchi
Em meio à rotina atribulada que caracteriza o ambiente de trabalho, há tempo para falar sobre a maternidade? Há pouco menos de um ano, a Fiocruz tem disponibilizado, na sede da instituição (RJ), encontros continuados de diálogo e atendimento para que gestantes, mães e acompanhantes tenham acesso a informações desse universo, além de serem ouvidos acerca de suas necessidades, anseios e dúvidas. E, pela primeira vez, a atividade foi realizada em uma unidade regional. Nesta terça-feira (26/2), a Fiocruz Brasília recebeu o projeto “Diálogos com a Enfermagem: vivenciando a maternidade no trabalho”, realizado pela equipe de Enfermagem do Núcleo de Saúde do Trabalhador (Nust/CST/Cogepe), em parceria com o Nust/Segest da Fiocruz Brasília.
A iniciativa do Nust da Fiocruz/RJ tem como pilares a informação, a troca de experiências e o apoio a estas mulheres. Também busca realizar um levantamento para propor ações direcionadas a partir das necessidades de cada grupo. Como as instituições podem se preparar para acolher melhor mulheres que se tornam mães, as gestantes e as que voltaram recentemente do período da licença? De que maneira os trabalhadores podem ser sensibilizados para compreender melhor estas mulheres? Estas são algumas das reflexões propostas pela roda de conversa realizada na primeira parte da atividade, nas quais o grupo compartilha suas experiências pessoais e relatam, ainda, as dificuldades que vivenciaram durante esse período.
A proposta surgiu a partir da experiência pessoal de uma das idealizadoras do projeto, a enfermeira Isis Leticia dos Santos, tecnologista em Saúde Pública do Nust/CST/Cogepe. “Quando nos tornamos mães as situações são totalmente diferentes do que estudamos e vivemos enquanto profissionais. Durante a minha gestação senti falta, mesmo sendo enfermeira, de informações sobre esta fase da vida. Em princípio, achei que tiraria a maternidade de letra, e na verdade não foi bem assim, pois vivemos muitas situações diferentes, como o puerpério e a amamentação”. A servidora conta que, ao retornar da licença maternidade, começou a conversar com outras pessoas e percebeu que elas também viveram situações semelhantes, mas que pouco é comentado sobre a maternidade. “Percebi que as trabalhadoras precisavam de um olhar melhor dentro do trabalho e de uma rede de troca entre as colegas de trabalho. Nossa proposta é desconstruir, falar da maternidade real, de situações que podem acontecer e trazer esta conversa para dentro do ambiente de trabalho, proporcionando espaços para discutir assuntos da maternidade. Nossa primeira experiência com o grupo do Rio de Janeiro nos mostra que ainda falta muita informação”, acrescenta.
“Parabenizo a iniciativa do Nust, na condição de mãe, mulher e trabalhadora, pela sensibilidade em olhar para as mulheres e para as diversas jornadas que elas assumem, atuando em prol da equidade. Assim, possibilitamos a essas mulheres a dedicação e comprometimento em suas tarefas”, ressalta a diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio. De acordo com a diretora, o projeto é a representação da Tese 11 do VIII Congresso Interno da Fiocruz, realizado no ano passado, que reforça a necessidade de desenvolver ações que garantam a equidade no trabalho.
Mais que informar, a dinâmica busca a sensibilização, humanização e visibilidade ao tema, para que não só as mulheres tenham apoio e conhecimento do universo materno, mas que também encontrem suporte em seus ambientes de trabalho. “Não só a maternidade, mas a volta ao trabalho é um momento delicado, de muitas mudanças. São muitas emoções diferentes. Precisamos estar, ao menos, amparadas, além de sermos orientadas e informadas sobre estas questões”, defende Isis.
Para a enfermeira e técnica em Saúde Pública Michelle Caldas, a maternidade traz um série de mudanças em um curto espaço de tempo. “Se pararmos para pensar, é um momento muito curto. São apenas nove meses de gestação para tantas mudanças, que envolvem o corpo, os hormônios, a rotina. E são mudanças permanentes, porque nenhuma mulher deixa de ser mãe”. A servidora ressalta ainda o êxito da experiência no Rio de Janeiro. “O projeto tem dado muito certo, vimos mudanças no grupo que acompanhamos e conseguimos passar orientações às mulheres e seus familiares sobre as dificuldades relatadas, como a amamentação, por exemplo. A partir do levantamento desta necessidade, passamos a fazer consultoria em amamentação”, exemplifica. “Este é um período difícil para a mulher, mas, se tivermos suporte, fica mais viável, e assim conseguimos levar o tema de forma mais leva ao trabalho”, enfatiza Michelle.
Conforme texto do Relatório Final do VIII Congresso Interno, a Fiocruz se posiciona na luta por uma sociedade mais justa e equânime, comprometida com a diversidade do povo brasileiro e suas demandas, seja nas políticas voltadas para seus trabalhadores, independente de seus vínculos, seja nas ações para usuários em suas escolas, institutos e serviços de saúde, seja nos estudos e pesquisas desenvolvidos, buscando reconhecer e enfrentar todas as formas de discriminação, exclusão e violência. E possui, entre as diretrizes, ampliar o papel da Fiocruz na defesa da diversidade geracional, de gênero e racial e da inclusão da pessoa com deficiência e pessoas com patologias, estimulando a incorporação dessas temáticas em seus programas de ensino, pesquisa e cooperação, além de adotar programa de combate ao racismo institucional, desigualdade de gênero e orientação sexual, com a disseminação de ações afirmativas que combatam qualquer tipo de discriminação, fortalecendo ações e diretrizes pró-equidade. Confira o documento completo aqui
Maternidade no trabalho
Cuidados com a saúde, direitos da gestante e direitos trabalhistas no período da gestação e licença maternidade/amamentação, dicas sobre aleitamento materno e cuidados com o bebê foram alguns dos assuntos destacados ao longo do encontro. As participantes receberam informações sobre a importância das vacinas na gestação. Segundo as enfermeiras, as gestantes devem se informar sobre as vacinas necessárias para o período, como a DTPA, vacina da gripe e da Hepatite B. Já a vacina contra a rubéola e a febre amarela não devem ser feitas durante a gestação. Também é preciso ter cuidado com a alimentação, evitando alimentos industrializados e buscar uma alimentação balanceada.
Acerca dos direitos trabalhistas, além da garantia de estabilidade desde a descoberta da gravidez até o quinto mês após o parto – mesmo em trabalhos temporários -, é garantido à gestante o direito de se ausentar no horário de serviço para, pelo menos, seis consultas médicas e exames, além de transferência para funções menos rigorosas. Em casos de aborto natural, a mulher tem direito a duas semanas de repouso. Já as lactantes têm garantido o direito a pausas no tralho para que possa amamentar o filho nos primeiros meses. Confira a cartilha da mulher trabalhadora que amamenta
Entre os direitos da gestante destacados pelas enfermeiras está a garantia, por lei, da presença de um acompanhante durante o parto e período de internação da gestante, seja na rede pública ou privada. A importância da informação para uma amamentação bem sucedida também foi ressaltada pelas servidoras, desde a gestação.
Um mundo de emoções
Para muitos, o termo baby blues pode ser completamente desconhecido, mas muitas mulheres que acabaram de parir podem passar por esta fase, caracterizada por fragilidade, alterações do humor, falta de confiança em si própria e sentimento de incapacidade. Esta sensação pode aparecer no terceiro dia do pós parto, e tem duração aproximada de 15 dias e acomete de 50% a 70% das puérperas. Segundo Isis e Michelle, esta fase é transitória, e caso persista, é necessário buscar ajuda profissional, para descartar a ocorrência de uma depressão pós-parto, manifestada entre 10% a 15% das puérperas. Os sintomas são perturbação do apetite, do sono, diminuição de energia, sentimento de culpa excessiva, pensamentos recorrentes de morte e ideação suicida, sentimento de inadequação e rejeição ao bebê.
Mães reais
O projeto teve início em maio de 2018, e já foram realizados seis encontros na Fiocruz-RJ. Para este ano, está prevista a expansão para as demais unidades, começando pela Fiocruz Brasília. A previsão é que outras regionais recebam o projeto ainda no primeiros semestre. De acordo com Isis, o primeiro encontro em Brasília também teve como objetivo realizar um diagnóstico para conhecer as trabalhadoras e, a partir desta ação, dar continuidade aos trabalhos, pensando em estratégias para acompanhar esse público. Considerando sua relevância social e a consonância com o projeto institucional, a iniciativa terá continuidade na unidade, conforme a diretora da Fiocruz Brasília.
As participantes também foram ouvidas individualmente pelas servidoras, que coletaram dados sobre a gestação, parto, puerpério, aleitamento materno e o retorno ao trabalho. “Estamos começando a fazer um levantamento sobre a interferência do trabalho na maternidade e da maternidade no trabalho, porque depois que a mulher se torna mãe há um acúmulo de funções e a gente precisa levar isso em consideração, até porque quando a mulher consegue amamentar bem e seu filho está bem, ela consegue trabalhar melhor. É bom para ela e bom para o trabalho”, afirma Isis. A servidora acrescenta que o projeto também pretende fazer um levantamento sobre as principais dificuldades que as mulheres têm enfrentado no trabalho para fazer uma sensibilização maior e em conjunto nas unidades. “Precisamos fazer esse diagnóstico para levantar as principais demandas e divulgar para toda a comunidade Fiocruz”, diz.
Ao final, foi proposta uma reflexão. Independente das escolhas feitas, seja na gestação, no puerpério ou após o retorno ao trabalho, todas essas mulheres são mães reais, que precisam de acolhimento e apoio, a começar por elas próprias, em casa, no trabalho e no convívio com a sociedade.