Para compreender a reemergência da febre amarela no Brasil e aperfeiçoar o monitoramento do adoecimento e morte de primatas no Rio de Janeiro, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) reuniu pesquisadores, gestores de Saúde e representantes da sociedade civil em um painel de debates nesta terça-feira (31/1), no auditório do Museu da Vida, em Manguinhos. O objetivo central do evento também foi aprofundar o conhecimento sobre febre amarela de gestores de unidades de conservação, guarda-parques, montanhistas, guias de ecoturismo e moradores de comunidades rurais do estado do Rio.
Na abertura do encontro, a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, destacou o engajamento político, científico e institucional da Fundação no enfrentamento da doença que novamente preocupa a população brasileira. Nísia também ressaltou a importância da articulação da Fundação com o Ministério da Saúde (MS), secretarias estaduais e municipais de Saúde, instituições científicas e população civil para a construção de uma rede de vigilância permanente e cada vez mais eficiente.
“Os surtos reforçam a necessidade de uma vigilância de caráter sistemático e permanente, mas também mostram os nossos grandes desafios, não só do campo da Saúde. São desafios ecológicos e ambientais, de mudanças no padrão evolutivo dos vetores e do vírus, de mudança do padrão de mobilidade entre áreas urbanas e silvestres, de mudança de hábitos, circulação de pessoas e de mercadorias. São desafios que hoje precisam ser pensados na escala da Saúde Global”, afirmou a presidente.
A necessidade de articulação entre os níveis municipal, estadual e federal de Saúde neste momento de crise também foi abordada pelo vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, Marco Menezes. Com elogios ao Sistema de Informação em Saúde Silvestre (SIS-Geo) como ferramenta de monitoramento de epizootias, Marco também chamou a atenção para a participação fundamental da sociedade civil na área de vigilância.
“O quadro é preocupante no país, com a tríplice epidemia de zika, dengue e chikungunya e a reemergência de febre amarela. Isso nos remete a uma discussão importante, que é avançar em nosso processo de monitoramento de vetores urbanos e silvestres. A atenção primária é um eixo fundamental deste trabalho. Nós precisamos reforçar a questão da promoção da saúde com quem está na ponta”, disse Marco Menezes.
Coordenadora do Centro de Informação em Saúde Silvestre (Ciis/Fiocruz) e do Programa Institucional Biodiversidade & Saúde, a bióloga Marcia Chame também destacou a importância do SIS-Geo como ferramenta de monitoramento de doenças que acometem animais e reafirmou o objetivo de reunir no evento atores tão distintos quanto cientistas, secretários de saúde, gestores do Ibama, guardas ambientais e pessoas ligados ao ecoturismo.
“Esse painel é resultado da mobilização do Grupo de Epizootias do Rio de Janeiro, que interage desde outubro de 2016 e do qual participam a Universidade Estácio de Sá, a equipe da fauna do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, o Instituto Municipal de Medicina Veterinária Jorge Vaitsman, o Centro de Zoonoses Paulo Dacorso Filho, a Secretaria de Saúde do Estado do Rio, a Patrulha Ambiental do município do Rio de Janeiro e as equipes da Fiocruz”, explicou Marcia.
O adoecimento e morte de primatas costuma ser um sinal de alerta para a presença do vírus da febre amarela em determinada região. De acordo com os especialistas, o surto em macacos antecede os casos humanos, por isso os cidadãos devem colaborar com os serviços de saúde locais. Segundo o subsecretário de Vigilância em Saúde da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, Alexandre Chieppe, a identificação precoce e o diagnóstico desses animais são grandes desafios para que as autoridades em Saúde possam tomar medidas de proteção em tempo oportuno. Alexandre também reforçou a necessidade de alinhar os discursos neste momento de crise.
“Se a gente não tiver um alinhamento de opiniões entre profissionais de saúde, instituições de renome e gestores do governo, as pessoas vão sofrer com informações equivocadas. Nós precisamos definir claramente os fluxos de comunicação e tomar decisões com embasamento científico. A questão do monitoramento de epizootias é algo muito novo, sobretudo, para a população. Já está na hora de a gente começar a fazer vigilância em saúde junto com a ponta”, declarou o subsecretário.
O cenário da febre amarela no Brasil
Gerente da Unidade Técnica de Vigilância das Doenças de Transmissão Vetorial do Ministério da Saúde, Renato Vieira elogiou a realização do painel e o diálogo entre a academia e as áreas de serviço, com o objetivo de transformar as teorias em práticas efetivas de prevenção e controle. Ao traçar um breve histórico da febre amarela no Brasil, o gestor do Ministério da Saúde fez questão de ressaltar as diferenças entre os ciclos de febre amarela urbana e silvestre no país.
“A febre amarela não é um problema só no Brasil. 90% dos casos são registrados na África, inclusive com a ocorrência de febre amarela urbana. Nós não temos febre amarela urbana no Brasil desde a década de 1940. Por isso sempre insistimos em adjetivar a febre amarela com silvestre no final. A exemplo do que acontece com outras doenças, o ciclo silvestre da febre amarela não é passível de erradicação. Nós temos que pensar em estratégias de prevenção da infecção e predição da ocorrência em determinadas áreas”, afirmou.
Renato Vieira ressaltou que a grande maioria das infecções por febre amarela não resulta em uma forma grave da doença. De acordo com ele, a letalidade elevada se deve ao fato de que os casos detectados pelos serviços de saúde são justamente os mais graves. “Quando você aumenta a sensibilidade do serviço e detecta também os casos mais leves, naturalmente a letalidade cai”, disse. De acordo com o gerente do MS, a vacina e o controle de epizootias são fundamentais para o enfrentamento da febre amarela.
“A vacina é extremamente eficaz e confere imunidade excelente. É o grande diferencial que nós temos em relação à febre amarela. Diferente, por exemplo, de outras arboviroses como dengue, zika e chikungunya”, afirmou Renato Vieira, que também destacou a sazonalidade como outra característica importante da doença no país. “A febre amarela tem uma sazonalidade bastante marcada, é uma característica fundamental para o delineamento dos nossos planos de vigilância e controle. A esmagadora maioria dos casos que nós registramos ao longo da nossa série histórica ocorrem entre o final de novembro e abril, se estendendo até maio”, completou.