Uma farmacêutica no cuidado da população em situação de rua

Fiocruz Brasília 5 de dezembro de 2022


Relato de Letícia Menezes Rodrigues Bonifácio

 

Sou farmacêutica e decidi aceitar a proposta de participar de vivências com a população de rua, mesmo com dúvidas sobre como eu poderia promover saúde para um público que nunca tinha trabalhado antes. O convite veio do Plano de ação interinstitucional para o atendimento da população em situação de rua, como parte do Programa Multiprofissional de Residência em Atenção Básica da Escola de Governo da Fiocruz Brasília, do qual sou aluna.

 

Realizado a partir da parceria entre os programas de residência da Fiocruz Brasília e as equipes de saúde e de proteção social ligadas à Secretaria de Saúde do DF e à Secretaria de Desenvolvimento Social do DF para ofertar serviços envolvidos com o cuidado e proteção dessas pessoas, o projeto durou três meses com oito horas de trabalho semanais em dois cenários distintos (quatro horas em cada local). Os meus campos de vivência selecionados foram a Casa de Passagem do Instituto Inclusão de Desenvolvimento e Promoção Social com unidade em Taguatinga Norte e o Centro Pop de Taguatinga.

 

Nas duas oficinas realizadas no Centro Pop, graças ao apoio das profissionais que atuam no acompanhamento aos usuários na unidade, trabalhei com o público feminino e notei que elas se sentiam mais à vontade com uma profissional de saúde que também é mulher.

 

A primeira oficina foi emocionante do início ao fim. Iniciamos com uma dinâmica em que as participantes falavam seu nome e duas características de si que mais gostavam, para, a partir daí, falar sobre autocuidado e autoestima. A saúde da mulher com foco em infecções sexualmente transmissíveis e higiene pessoal, prevenção, corrimentos, infecção urinária, higiene dentária, cuidado com os cabelos e a importância do exame de preventivo foram outros temas abordados. Nós doamos a elas um kit de higiene e fizemos uma feira para escolherem peças de roupa e bijuterias.

 

A participação das usuárias foi um diferencial, e descontraiu a atividade, desmistificando alguns conceitos e trazendo informação correta. Espero que as informações sejam repassadas a outras mulheres que elas encontrarem em seus caminhos.

 

Tabagismo

‘’Quando o cigarro entrou na sua vida?’’, ‘’Você lembra o motivo?’’, ‘’Já tentou parar de fumar?’’, ‘’O que te faz fumar?’’ e ‘’Você conhece os efeitos do cigarro?’’. Essas foram algumas questões de início na segunda oficina em que trouxe minha experiência com os grupos de tabagismo da Unidade Básica de Saúde (UBS) onde trabalho. Os relatos costumam ter certa semelhança, pois muitas começam a fumar quando jovens, por influência de algum parente ou amigo e porque veem no cigarro uma companhia. Expliquei o efeito do cigarro no organismo, as substâncias que faziam parte da sua composição, os problemas causados pelo uso, principalmente na gravidez, e aproveitei para apresentar o Programa de Cessação do Tabagismo, oferecido na Atenção Básica.

 

Entendi que era necessário apresentar os danos do cigarro e incentivar a cessação do tabagismo, mas olhar para o contexto das usuárias faz pensar em como o cigarro funciona, de fato como uma companhia em meio às situações difíceis vividas cotidianamente. É necessário recuar e considerar também as dificuldades em parar de fumar sem uma rede de apoio, sem rotina ou possibilidade de mudanças de hábitos básicos, dado que cada dia pode ser diferente do outro.

 

Agradeço ao NUPOP – Núcleo de Populações em Situações de Vulnerabilidade e Saúde Mental na Atenção Básica (NuPop/Fiocruz Brasília) pela oportunidade de participar do projeto, aos profissionais do Centro Pop de Taguatinga- DF que me acolheram e confiaram no meu trabalho e aos usuários que pude atender, compartilhar saberes e trocar experiências. Não é possível sair dessa vivência a mesma pessoa, pois nos é pedido muito mais do que uma conduta clínica, mas um olhar e cuidado com usuários fragilizados. Ouvir suas histórias de vida pode ser o que o usuário precisa e nada mais. Aprendi que, muitas vezes, uma escuta atenta pode ser o suficiente.

 

Sobre a autora

Letícia Menezes Rodrigues Bonifácio é farmacêutica e residente do Programa de Residência Multiprofissional em Atenção Básica da Fiocruz Brasília.

 

“Dê Letras à Sua Ação” busca divulgar artigos assinados por estudantes de pós-graduação da Fiocruz sobre iniciativas relacionadas a seus trabalhos acadêmicos ou de seus colegas. Os relatos são de responsabilidade de seus autores.

 

Foto: Guilherme Santos/ Brasil de Fato