Evento reúne ações emergenciais e estruturais contra a fome

Fernanda Marques 26 de dezembro de 2022


Antônia Cardoso Abreu, três filhos, cinco netos e muitas histórias para contar. Histórias de dificuldades, superação e esperança. Histórias que demonstram a potência da solidariedade e da organização comunitária. Aos 11 anos, Antônia era órfã e moradora de rua. Adulta, mãe e novamente na rua, lutava para que os filhos tivessem um destino diferente. E foi como catadora de lixo que abriu oportunidades para si e para outras mulheres e famílias. “Aprendi a reciclar e transformar a vida”, contou ela, durante o evento de encerramento da campanha Natal Sem Fome 2022, Ano 30, do Comitê DF/RIDE/GO da Ação da Cidadania. Juntamente com Iran Gonçalves, do Grupo Cultural Azulim, Antônia, da Cooperativa Catamare, é representantes da Ação da Cidadania no Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do Distrito Federal (Consea-DF). 

 

A atividade foi realizada na tarde de 23 de dezembro na Fiocruz Brasília, apoiadora da campanha ao lado de outras instituições e movimentos sociais. “A fome é um problema fruto de outros problemas, como o desemprego, a pobreza, as desigualdades. Precisamos estreitar nossas parcerias nos territórios, com a mobilização das organizações da sociedade civil e dos coletivos, para tirar o Brasil do mapa da fome e promover o desenvolvimento social de modo sustentável. É preciso, sim, colocar o pobre no orçamento e garantir que os direitos sejam perenes e respeitados”, afirmou o coordenador do Colaboratório de Ciência, Tecnologia, Inovação e Sociedade da Fiocruz Brasília, Wagner Martins.

 

“Ético é combater a fome”, acrescentou o coordenador do Comitê DF/RIDE/GO da Ação da Cidadania, José Ivan Mayer de Aquino, lembrando o idealizador da iniciativa, na década de 1990, o sociólogo Herbert de Sousa, mais conhecido como Betinho. Ao trazer os atuais números da fome no país – 33 milhões de brasileiros em situação de insegurança alimentar grave -, José Ivan defendeu que a solidariedade continua sendo muito necessária para a concretização de ações emergenciais, como a doação de cestas básicas. Afinal, “quem tem fome tem pressa”, conforme a frase imortalizada de Betinho.

 

Nesse sentido, ao final do evento, uma tonelada de alimentos foi entregue a duas entidades beneficiárias: 450 Kg para o Banco Comunitário da Estrutural e 550 Kg para a Catamare, que distribuirá 450 Kg para famílias do Lixão de Águas Lindas (GO) e 100 Kg para famílias do Pôr do Sol (Ceilândia/DF). “Essas doações vão garantir comida na mesa de muita gente que precisa. O que conseguimos fazer juntos, por meio dessas parcerias, nos dá ânimo para trabalhar mais e mais”, comemorou Abadia Teixeira, do Movimento de Educação e Cultura da Estrutural (Mece). A campanha também arrecadou R$ 500,00 para o Fundo de Resiliência Solidária do Mece, valor que será usado em pequenas operações de crédito para empreendedoras de baixa renda da comunidade. Para simbolizar a união na luta contra a fome, cada entidade beneficiária recebeu, ainda, uma cesta de produtos orgânicos do MST, entregue por intermédio do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (Sinpaf).

 

Apesar da grande importância das doações como ação emergencial, José Ivan destacou que é preciso avançar também em soluções estruturais, como incentivos à agricultura familiar, à economia solidária e aos bancos comunitários, por meio de processos emancipatórios. “Não podemos cair nas armadilhas: precisamos consolidar políticas públicas de combate à fome”, disse. A afirmação foi reforçada pela presidente do Consea-DF, Sheila Lima. “Para fortalecer uma política, é fundamental atuar junto com a sociedade civil, nos territórios”, complementou. 

 

Também presente no evento, Cláudia Medeiros, da Instituto de Amigos Mãos Estendidas (IAME), na Cidade Ocidental (GO), chamou atenção para as lições da pandemia. “Não é possível pensar em saúde sem pensar no combate à fome e na luta por direitos. O olhar tem que ser coletivo, e quem sentiu na pele as consequências da Covid-19 sabe bem disso”, comentou. “As cooperativas de catadores foram profundamente atingidas pela pandemia, que interrompeu nossas atividades”, recordou Antônia. A busca de alternativas em tempos de crise fez surgir novas iniciativas de economia solidária, como o grupo de mulheres da Catamare que confeccionam saias, bolsas e outras peças a partir de restos de guarda-chuva e outros materiais descartados. A programação do evento incluiu um pequeno desfile dessa moda que combina criatividade e sustentabilidade.   

 

Confira aqui o álbum de fotos do evento  / Fotos: Sergio Velho Junior / Fiocruz Brasília