A hanseníase é uma doença causada por bactéria e transmitida pela respiração, tosse, fala, espirro ou pelo contato próximo e prolongado com pessoas doentes que não estejam em tratamento. Por isso, as pessoas de maior risco de adoecimento são aquelas que moram na mesma casa da pessoa acometida pela enfermidade.
Sobre o tema, conversamos com a enfermeira Fernanda Cassiano que, em sua dissertação do Mestrado Profissional em Políticas Públicas em Saúde da Fiocruz Brasília, analisou as percepções das pessoas acometidas pela hanseníase que durante o tratamento tiveram acesso ao conteúdo da nova “Caderneta de saúde da pessoa acometida pela Hanseníase”. O material foi produzido pelo Ministério da Saúde no ano de 2021. Como resultados principais da pesquisa ela identificou os benefícios da caderneta, as limitações de uso e recomendações. Acompanhe um pouco mais sobre a temática e outros resultados do trabalho da pesquisadora na entrevista para a série “Fala aê, mestre”.
Qual é o tratamento da hanseníase?
Fernanda Cassiano: A doença tem cura. O tratamento é feito via poliquimioterapia (PQT), uma combinação de antibióticos (rifampicina, dapsona e clofazimina), o procedimento interrompe a transmissão e busca prevenir as deformidades. Dependendo de como a doença se apresenta, o médico pode decidir sobre o tempo de intervenção, que pode ser de seis ou doze meses. O tratamento está disponível gratuitamente no Sistema Único de Saúde (SUS).
Por que a hanseníase ainda é tão negligenciada no SUS?
Fernanda Cassiano: A hanseníase tem evolução silenciosa e seus sintomas demoram a aparecer. Por ser uma doença milenar, muita gente nem sabe o que é e nem quais são os sintomas. As condições sociais de baixa escolaridade, falta de acesso à informação, questões de renda e dificuldade de acesso aos serviços de saúde fazem parte do contexto das pessoas acometidas pela doença. A hanseníase causa incapacidades físicas quando descoberta tardiamente e isso gera um contexto de estigma e discriminação construído historicamente pela sociedade. A associação desses aspectos contribui para explicar o porquê a hanseníase é tão negligenciada dentro do sistema.
Por que você escolheu fazer o estudo da caderneta de saúde da pessoa acometida pela hanseníase?
Fernanda Cassiano: O material foi produzido pela repartição em que trabalho e participei da elaboração. Me intrigava saber como ela seria recebida e percebida pelas pessoas acometidas pela doença. Eu acho que quando a gente faz algo para outra pessoa sem consultá-la antes, sempre tem o que melhorar e é sempre bom saber também se faz sentido para pessoa. Quando eu trabalhava no serviço de saúde, eu sentia falta de um material padronizado que pudesse anotar as informações da pessoa, porque são tantas informações que você explica para ela que não tem como lembrar de tudo e a caderneta permite esse auxílio. Então, além do primeiro motivo, o segundo é que eu tenho um carinho especial pelo material, por ver algo que eu sentia falta na assistência se tornar uma política pública em saúde.
Como o público-alvo da cartilha avalia o material apresentado no documento? Quais as limitações relacionadas ao uso do material que foram relatadas por esses usuários?
Fernanda Cassiano: O público acha a caderneta boa, bonita, reconhece que tem informações importantes e que auxilia no tratamento, no autocuidado e na busca por direitos. No entanto, algumas limitações foram colocadas como: leitura, muitas pessoas não sabem ler ou não têm o hábito de leitura, têm dificuldade de enxergar e não levam a caderneta quando vão à consulta.
Quais foram os principais achados em seu estudo?
Fernanda Cassiano: Com o estudo pode-se perceber que para a efetiva implementação da caderneta, é necessário planejar um conjunto de ações concatenadas desde a esfera federal até o serviço. Não basta só preencher e entregar o material, é preciso apresentar a caderneta aos profissionais da rede, aos equipamentos de apoio, o INSS por exemplo, e explicar para que ela serve. Além da invisibilidade da hanseníase nos meios de comunicação, principalmente nas redes sociais. Só se sabe que a doença ainda existe quando é acometida por ela ou quando algum familiar próximo tem. A participação das pessoas a quem se destinam materiais de comunicação é imprescindível durante a elaboração.
Quais as adequações você sugere para uma segunda edição da cartilha?
Fernanda Cassiano: As adequações são baseadas no que foi sugerido pelos participantes do estudo: nas páginas destinadas a explicar alguma orientação de como se cuidar, que utiliza ilustrações para isso, sugere-se substituir por fotos demonstrando como fazer. Aumentar o tamanho da letra dos textos; associar ao uso da caderneta mídias audiovisuais para tornar o entendimento mais lúdico e permitir o acesso às orientações para quem tem limitação de leitura. Antes de publicar uma nova versão, elaborar um plano de implementação do material envolvendo pessoas acometidas, estados e municípios.
Com os resultados do seu estudo, você resolveu fazer um produto técnico e de divulgação científica. Fale mais sobre o projeto de divulgação.
Fernanda Cassiano: O produto técnico de divulgação científica foi a elaboração de um roteiro de podcasts o “Podhans”. É uma série de 16 episódios de podcasts com conteúdo independente que trazem orientações sobre a hanseníase que possibilitará maior acesso às informações sobre a doença e o tratamento para população. O conteúdo dos episódios foi inspirado na caderneta de saúde e em minha experiência sobre o que acredito ser importante que as pessoas saibam. Os conteúdos digitais de áudio serão publicados pela Fiocruz Brasília, pretende-se que ele seja de fácil acesso e de compartilhamento, podendo ser veiculado em aplicativos de mensagens, utilizado por rádios comunitárias, pelos serviços de saúde em suas ações de educação em saúde na comunidade e onde for possível chegar. Costumo brincar dizendo que até o carro do ovo poderá utilizar. O importante é que as pessoas tenham acesso à informação.
Fernanda Cassiano de Lima é autora da dissertação “Escuta em hanseníase: Vozes e significados de quem usa a caderneta de saúde”, defendida em 31 de agosto de 2022, com orientação da professora Mariella de Oliveira-Costa e coorientação da professora Maria Fernanda Marques Fernandes, jornalistas da Assessoria de Comunicação da Fiocruz Brasília.