A necessidade da execução da Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, das Florestas e das Águas (PNSIPCFA) foi uma das inquietações da pesquisa no Mestrado Profissional em Políticas Públicas em Saúde (Turma Ceará), da médica Ana Paula Dias de Sá. Em seu estudo, analisou o caso da Formação-ação em Agentes Populares de Saúde do Campo, no âmbito da Vigilância Popular em Saúde (VPS) para o enfrentamento da Pandemia da Covid-19 em áreas de assentamentos da reforma agrária no estado do Ceará. Agentes Populares são lideranças comunitárias ou pessoas que se sensibilizam e se mobilizam em prol do coletivo e que fazem parte do processo de mobilização, articulação e formação para implementação da Vigilância Popular em Saúde nos territórios, com objetivo de melhorar o nível de saúde dessas populações, por meio de ações e iniciativas que reconheçam as especificidades dessas populações.
O estudo desenvolvido durante a pandemia no estado do Ceará, apresentou um histórico do Coletivo da Cidade, com suas dificuldades e estratégias de atuação. A pesquisa analisou também os pressupostos teóricos e práticos trabalhados no processo da Formação-ação concluindo que tal formação contribuiu para a estruturação e execução da Vigilância Popular em Saúde no semiárido cearense. Nesta edição do Fala aê, mestre, você conhece um pouco dos resultados da experiência do curso de Agentes Populares de Saúde do Campo no Ceará.
O que é a Vigilância Popular em Saúde?
Ana Paula de Sá: O conceito de Vigilância Popular em Saúde (VPS) é um processo em construção há alguns anos, e tem em sua base algumas características importantes, sendo a primeira delas a participação popular com caráter emancipatório, ou seja, é de iniciativa popular sendo apoiado ou não por instituições ou pelo Estado. Esse é um contraponto às ações em Vigilância em Saúde que veem na população agentes passivos com participação limitada a obedecer. Outra característica importante é a base territorial, isso quer dizer que as ações em VPS são pensadas a partir da localidade em que ela emerge, considerando as potencialidades e desafios que caracterizam esse território, essa característica rompe com o modelo centralizado que é produzido nas ações de vigilância institucional. Essa relação entre esses sujeitos homens e mulheres dos territórios se dá num processo de educação popular de base freiriana que se materializa numa comunicação popular.
Como a PNSIPCFA pode contribuir com o trabalho da Vigilância Popular em Saúde?
Ana Paula de Sá: A PNSIPCFA estabelece novas relações com os territórios, a relação da escuta, de construir a partir das diferentes realidades e esses pressupostos comungam com a VPS, somando à potencialidade da ação conjunta, Estado, instituições, movimentos sociais e comunidade. Aprovada na 14ª Conferência Nacional de Saúde, a PNSIPCFA é um marco histórico na Saúde e um reconhecimento das condições e dos determinantes sociais do campo e da floresta no processo saúde/doença dessas populações.
Fale sobre a experiência com a Formação-ação em Agentes Populares de Saúde do Campo e os desafios de realizar essa ação durante a pandemia de Covid-19.
Ana Paula de Sá: A primeira Formação-ação em Agentes Populares de Saúde, surgiu logo após decretada a pandemia e ocorreu em Recife, no entanto, preocupados em atender às demandas da população do campo, observou-se a necessidade de se ter um olhar mais específico a essas particularidades, daí nasceu a Formação-ação em Agentes Populares de Saúde do Campo/CE, uma iniciativa do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares e da Fiocruz Brasília. O processo formativo se deu no formato híbrido atendendo aos decretos de distanciamento social necessários durante a fase mais aguda e mortal da pandemia, então tivemos no formato remoto, encontros online, chamados Tempo Aula com intervalos de 15 dias. Durante esse tempo, se praticavam momentos presenciais (Tempo Comunidade-TC) que consistiam em atividades de prevenção da Covid-19 nas comunidades e na promoção da saúde coletiva.
Dentre os desafios, destacamos o acesso à internet bem como aos equipamentos eletrônicos necessários para acessá-la. Ficou evidente que informação e comunicação não são de livre e pleno acesso para toda população. Em seguida, outro desafio foi a ausência do poder público, não houve acesso nem à informação, nem a materiais de proteção individual. Todo trabalho realizado nessa dimensão se valeu da solidariedade entre as pessoas da comunidade a outros grupos organizados e a Fiocruz, que não somente apoiou o processo de formação no aspecto pedagógico, mas contribuiu com a aquisição de materiais para as ações de prevenção da Covid-19.
Quais foram os principais resultados do seu estudo?
Ana Paula de Sá: O estudo objetivou especialmente analisar a formação-ação como contribuinte para a realização da VPS, e não apenas contribuiu como foi essencial porque permitiu aos Agentes Populares de Saúde do Campo/CE a aquisição de conhecimentos que alinhados aos conhecimentos já acumulados por eles, trouxeram novas possibilidades de atuação no território. Além do contexto da pandemia, a formação abarcou outros temas pertinentes apontados pelos educandos como foram ainda no primeiro módulo; saúde mental, violência contra a mulher e desinformação. No segundo módulo os direitos, como direito à água, à terra e ao alimento. E no terceiro módulo, temas como educação popular em saúde, práticas populares de cuidado em saúde, VPS e o uso da tecnologia da informação na VPS. A demanda por outros temas demonstra o caráter permanente dos Agentes Populares.
Sobre a utilização da Tecnologia da Informação e da Comunicação, ampliou-se o conhecimento e o debate sobre a democratização do seu uso, mas também de sua produção, ao observar que os boletins epidemiológicos não refletiram os dados das populações que vivem em assentamentos e acampamentos, um grupo vem se dedicando a criação do “Sistema Agentes Campo”, um sistema de informação que permitirá o conhecimento sobre os impactos da pandemia nesses territórios. Esse trabalho é objeto de pesquisa de outro colega dessa turma de mestrado, mas mencionamos aqui porque sua iniciativa se deu no contexto da formação-ação.
A sua pesquisa gerou um produto audiovisual. Conte sobre o processo de desenvolvimento e os resultados deste produto.
Ana Paula de Sá: Vimos com esse trabalho, a importância da comunicação, não só do acesso, mas de que modelo de comunicação necessitamos e queremos. Com a pandemia ficou evidente que ter acesso a múltiplas informações não quer dizer que houve comunicação. Com esse aprendizado em mente buscamos registrar e tornar utilitário tudo que foi vivenciado, a fim de poder comunicar a outros coletivos dessas possibilidades de se fazer formação. Dessa maneira, tivemos a produção dos cadernos pedagógicos com os temas referentes aos módulos educativos que foram estudados, temos um site em finalização onde está sendo disponibilizado todo material utilizado e produzido por esta Formação-ação.
O vídeo documentário surge nesse contexto de registrar essa experiência, mas também de comunicar a outros territórios e populações em situação de vulnerabilidade, de que é possível realizar ações positivas em contextos desfavoráveis. O documentário tem a pretensão de ser um anúncio de esperançar. Ele foi desenvolvido em apenas um dos nove assentamentos que participaram da Formação, por questões logísticas e de segurança ainda em tempos de pandemia. O processo de edição e direção foi envolto no diálogo, pauta e edição em formato coletivo num movimento de escuta ativa dos muitos atores envolvidos.
Abaixo, você assiste ao documentário que Ana Paula e Fernando Paixão fizeram no âmbito do Mestrado Profissional em Políticas Públicas em Saúde – Turma Ceará, da Escola de Governo Fiocruz – Brasília. O filme retrata a experiência do curso de Agentes Populares de Saúde do Campo no Ceará.
Ana Paula Dias de Sá é autora da dissertação “Agentes Populares de Saúde do Campo no contexto da pandemia da Covid 19 no estado do Ceará”, defendida em 19 de dezembro de 2022, com orientação do professor André Luiz Dutra Fenner.