A paralisia cerebral em bebês e crianças pode apresentar sinais variados, conforme o nível e a área do cérebro afetada, envolvendo dificuldade motora, rigidez muscular e distúrbios ou atraso de fala. De acordo com dados do Ministério da Saúde, duas a cada mil crianças nascidas vivas sofrem de paralisia cerebral. Os impactos podem ser amenizados se os sintomas forem identificados e tratados desde os primeiros sinais, por isso é fundamental que os pais encaminhem a criança para o atendimento especializado o mais cedo possível.
Nesse contexto entra a estimulação precoce, termo que abarca uma variedade de estímulos para auxiliar o desenvolvimento motor e cognitivo de bebês e crianças, em sua maioria, de zero a três anos de idade. O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece acompanhamento e tratamento, feitos por equipes multiprofissionais, para minimizar sequelas e trazer melhorias na fala, postura, movimentos, equilíbrio funcional e socialização. Ao detectar qualquer atraso, a recomendação é buscar atendimento nas unidades básicas de saúde (UBS). Além disso, devem ser realizadas triagens ainda na maternidade, como testes do pezinho, olhinho e orelhinha, que detectam precocemente alterações.
Diversas técnicas podem ser usadas para a estimulação precoce, como afirmam os pesquisadores colaboradores da Fiocruz Brasília Aurélio Matos Andrade, Rhaila Cortes Barbosa e Juliana da Motta Girardi na entrevista da série de divulgação científica Fala aê, pesquisador. “A estimulação precoce busca reduzir os efeitos de acometimentos neuropsicomotores por meio do estímulo das funções motoras, sensoriais, cognitiva e afetiva do desenvolvimento infantil”, explicam.
O estudo que participam, realizado pelo Programa de Evidências, Política e Tecnologias de Saúde (Pepts) da instituição em parceria com o Hospital da Criança de Brasília José Alencar (HCB), Universidade de Brasília (UnB) e Ministério da Saúde (MS), verificou pesquisas do mundo inteiro sobre o tema. Foram identificadas diferentes estratégias de estimulação precoce adotadas em serviços de saúde e de educação na atenção a crianças com paralisia cerebral de zero a três anos, envolvendo famílias, serviços de saúde, escolas, comunidade e suporte da rede de proteção social.
Em entrevista, os pesquisadores colaboradores falam sobre os achados da pesquisa e destacam o papel da família neste processo e a importância do olhar ampliado para os contextos sociais. Confira:
O que é a paralisia cerebral infantil e quais limitações ela causa?
A paralisia cerebral (PC) compreende um espectro de alterações neurológicas permanentes que comprometem a atividade motora e a postura, causando limitações funcionais, decorrentes de lesões não progressivas ocorridas no cérebro fetal ou infantil em desenvolvimento, no período pré, peri ou pós-natal (período que compreende desde a concepção até as primeiras semanas de vida), manifestando-se na primeira infância, usualmente antes dos 18 meses de idade. Essas limitações funcionais dependem do local e da extensão das lesões no cérebro, não havendo necessariamente uma ligação direta entre o repertório neuromotor e o repertório cognitivo.
Como as técnicas de estimulação precoce podem mudar a vida de bebês e crianças de zero a três anos com paralisia cerebral?
Essas técnicas de estimulação precoce se estabelecem como um conjunto de ações envolvendo recursos diversos, com a finalidade de proporcionar os estímulos à criança, na janela de tempo oportuna, para que os mecanismos estruturais (maturação, estruturação psíquica e cognitiva) e instrumentais (comunicação/linguagem, brincar, aprendizagem psicomotricidade, socialização e autonomia) se articulem e se organizem/reorganizem de forma que a criança consiga neste período sensível, de zero a três anos, o melhor desenvolvimento possível.
Com que frequência essas técnicas aparecem em artigos científicos? Quais foram as mais encontradas nos estudos que vocês realizaram?
As técnicas de estimulação precoce mais evidenciadas, com aparição em dois artigos, foram:
– Capacitação de pais ou responsáveis para a prática de estimulação precoce;
– Currículo e Sistema de Monitoramento (CAMS);
– Learningames;
– Injeções intramusculares de Toxina Botulínica Sorotipo A (BoNT-A) associado a Terapia Ocupacional;
– Programa de Metas, Atividades e Enriquecimento Motor (GAME);
– Terapia de desenvolvimento neurológico (TND) e
– Abordagem de Neurofacilitação da Reação do Desenvolvimento (NFDR)
Já em um artigo:
– Fisioterapia Funcional;
– Treinamento de familiares;
– Estimulação elétrica funcional (FES);
– Programa de Intervenção Precoce (EIP);
– Treinamento de marcha em esteira ou Treinamento em esteira com suporte parcial de peso corporal (PBWSTT);
– Terapia de movimento induzida por restrição (CIMT);
– Abordagem Vojta;
– Treinamento com chutes e passos na esteira e treinamento na esteira; e
– Intervenções da visão para bebês de alto risco ou com diagnóstico de Paralisia Cerebral
Entenda as técnicas no vídeo abaixo:
Qual o papel da família nesse contexto?
A participação ativa da família na estimulação do desenvolvimento infantil, de forma integrada ao cotidiano, possibilita resultados efetivos com ganhos funcionais, emocionais e cognitivos, desde que os familiares tenham suporte e apoio de profissionais especializados.
Como os contextos sociais em que a criança está inserida interferem no trabalho de estimulação precoce?
O cuidado de crianças com deficiência envolve toda uma rede de serviços públicos e privados em articulação, incluindo os familiares, sendo este um ponto crucial na reabilitação e cuidado das crianças, com o apoio por profissionais especialistas, de forma integralizada a uma linha de cuidado.
Como fazer como que pais, cuidadores, escola e comunidade trabalhem juntos?
É essencial que familiares e cuidadores de crianças com paralisia cerebral tenham acesso a ações desenvolvidas na comunidade e também aos profissionais de saúde, pois assim serão capazes de identificar os marcos de desenvolvimento e realizar interações de qualidade que possam estimular o desenvolvimento neuropsicomotor. Familiares e cuidadores precisam se sentir integrados, acolhidos e atuantes no desenvolvimento da criança. Para o bom andamento da abordagem, é indispensável que eles estejam informados e seguros em relação aos cuidados e manuseios, ao posicionamento adequado da criança como por exemplo no ato de brincar.
Como surgiu a ideia de realizar a pesquisa nesse tema?
A ideia de realizar esta pesquisa com essa temática específica surgiu decorrente de uma demanda do Hospital da Criança de Brasília (HCB) José Alencar, que necessitava de evidências acerca das estimulações precoces para o público de 0 a 3 anos com Paralisia Cerebral (PC). Dessa forma, a oportunidade do edital do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) proporcionou a execução desta pesquisa desenvolvida pela Fiocruz Brasília sob a coordenação da pesquisadora Juliana da Motta Girardi.
Qual a principal lição que se pode tirar de todo esse processo?
A principal lição é que a estimulação precoce é uma intervenção importante para o desenvolvimento e crescimento infantil, bem como, mitigação dos efeitos neuropsicomotores da Paralisia Cerebral, para aquisição de habilidades motoras, cognitivas e sociais, independência e autonomia de crianças com deficiências para a realização de atividades essenciais e de convívio social, ajudando a definir a melhor conduta terapêutica junto à família.
Como o estudo pode auxiliar o cuidado aos bebês e crianças na Atenção Básica do SUS?
No Brasil, no âmbito do SUS, este estudo pode auxiliar no cuidado aos bebês e crianças, de 0 a 3 anos, nos serviços da Atenção Básica com a incorporação ou encaminhamento prático das estratégias de estimulação precoce evidenciadas nesta Overview of reviews. Além disso, este estudo traz uma reflexão quanto à necessidade de se identificar precocemente a Paralisia Cerebral nos serviços de saúde para que também ocorra as estimulações de forma precoce, e, em tempo oportuno.
Saiba mais sobre a pesquisa:
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