Carla Viviane de Oliveira/free lancer para o Palin – com edição da Ascom da Fiocruz Brasília
Antônia Vieira do Nascimento, moradora em Crateús, no Ceará, sabe bem o que é ser uma mulher negra, mãe solteira e sustentar dois filhos. Professora, ela milita há 10 anos no Movimento Negro e participa de vários movimentos comunitários na sua cidade. Para ela, o Curso de Formação em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional para Agentes de Pastoral Negros (APNs), promovido pela Fiocruz Brasília, por meio do Programa de Alimentação, Nutrição e Cultura (Palin), em conjunto com o Observatório Brasileiro de Hábitos Alimentares (Obha) e com a Rede PENSSAN, que se encerrou na semana passada (21/11), ajudou a aprimorar seus conhecimentos sobre insegurança alimentar do povo negro. A APNs é uma instituição que há 40 anos se dedica ao combate ao racismo e que está presente em 14 estados.
“Estamos distantes da capital do Ceará, e ficamos gratos quando conseguimos participar de um curso, ainda mais deste, que aprofundou os meus conhecimentos sobre a insegurança alimentar e ainda escutamos relatos das dificuldades dos povos negros na África, que também sofrem com a desigualdade”, declara. O combate à fome é uma das suas lutas na sua comunidade com as mães negras. “A fome tem atingido muito mais as mulheres negras, que, normalmente, são mães solteiras, e têm grandes dificuldades de sustentar seus filhos. Vivem de pequenos artesanatos”, ressaltou Antônia, que também cuida de sua mãe de 94 anos.
Assim como Antônia, foram vários os relatos positivos sobre o curso, que durou quase dois meses de aulas on-line, realizadas às terças e quintas-feiras à noite com a participação de mais de 30 APNs, que tiveram a oportunidade de aprimorar a sua atuação para trabalhar com a insegurança alimentar e nutricional nas suas comunidades. “O curso foi um desafio que se traduziu em uma oportunidade de levar conhecimento para construir ações mais efetivas no combate à fome da população negra, que mais sofre com a fome no país. A insegurança alimentar é uma expressão da desigualdade social do povo negro, que vive um racismo histórico, estrutural e institucionalizado”, ressalta a coordenadora do Palin e do Obha, Denise Oliveira e Silva.
Esse foi o primeiro curso para a população negra que o Palin coordenou, ressalta Denise. As aulas foram ministradas por docentes brasileiros convidados e pesquisadores da Fiocruz, além de colaboradores como o intelectual moçambicano Filimone Meigos, que proferiu uma aula sobre o Pan-africanismo. Na abertura do curso no mês de outubro, o Coordenador Nacional das APNs, Nuno Coelho, disse que a população negra também precisa de “conhecimento”, além do acesso à alimentação adequada e saudável.
A africana Jucilma Capitango Pedro Manuel participou do curso como convidada da Pastoral do Ceará. Residente de Angola, ela está no Brasil cursando Engenharia de Alimentos na Faculdade de Integração da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB) do Ceará/Redenção. “O curso ofereceu uma compreensão abrangente e detalhada sobre segurança alimentar, com informações essenciais que serão valiosas para quando eu retornar à Angola. A capacidade de aplicar esse conhecimento no campo da Engenharia de Alimentos será um diferencial impressionante, pois conseguirei implementar práticas e políticas de segurança alimentar de alto nível em minha carreira futura”, declarou a angolana. Segundo ela, foi fundamental o curso abordar o racismo estrutural, além de pontuar a realidade dos negros vivida no Brasil.
Para a médica veterinária Antônia Regina Sessa da Silva, que também foi convidada a participar do curso, a Fiocruz levou conhecimento para as pessoas que moram em comunidades periféricas nas cidades. “Esse conhecimento ajuda as pessoas a sobreviver porque eles precisam de orientação de saúde e educacional. Fiz o curso buscando conhecimento sobre a saúde única, que é importante para os povos originários de matriz africana, que contribuíram e contribuem para o nosso desenvolvimento moral, intelectual e cultural”.
Durante o curso, os alunos relataram os problemas que vivenciam em suas comunidades, onde, além da fome, as pessoas estão abandonadas pelo poder público na periferia das cidades. Faltam emprego e creches em turno integral para que as mães possam trabalhar. Também enfrentam baixos salários, levando ao consumo de alimentos ultraprocessados, por serem mais baratos. A agente de pastoral Rosi Torquato relatou que na sua comunidade na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, ela luta por um restaurante popular. “É uma luta diária para enfrentar a insegurança alimentar. A população negra tem passado fome. Muitas vezes, o salário da pessoa não dá para comprar alimentos para o mês todo”. Maria José disse que as pessoas perderam o emprego na pandemia, agravando ainda mais a situação de fome da população preta.
Na última aula, os participantes indicaram que as palavras mais representativas do curso foram: troca, conhecimento, resiliência, fortalecimento, aprendizado, consciência, esperança, dentre outras. O curso contou com recursos de emenda parlamentar do deputado federal Padre João (MG).