“A academia precisa dialogar com a realidade brasileira” 

Mariella de Oliveira-Costa 29 de junho de 2023


A frase que dá título a esta matéria é da professora Renísia Garcia Filice, da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB). Ela foi uma das palestrantes do primeiro dia de atividades do Seminário Interno do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas em Saúde, realizado nos dias 27 e 28 de junho, no auditório externo da Fiocruz Brasília. Com uma fala bastante provocativa, ela criticou a excessiva atenção dos pesquisadores brasileiros para revisões de literatura centradas em autores europeus e norte-americanos, que não dialogam com o que se vive no Brasil. “Me recuso a fazer esse tipo de pesquisa e trabalhar para citar outros autores, pois, mesmo que o façamos para refutar suas ideias, eles estão ganhando citações em cima de nosso trabalho”, desabafou.  

 

Ao longo de sua palestra, a docente ressaltou a necessidade de denunciar o racismo e os privilégios no cotidiano, que garantem lugar de poder a uns em detrimento de outros. “Enquanto a mãe de um filho preto precisar se preocupar mais se o menino vai e volta para casa bem, enquanto essa mãe precisar advertir mais do que a mãe de um menino branco, não vou me calar”, ressaltou ela, criticando também os espaços institucionais em que se busca alguma inclusão do povo negro, mas sem, de fato, abraçar suas ideias, seus valores e suas limitações. “As leis de cotas nas universidades públicas não são para embranquecer o preto, mas para garantir acesso desta população historicamente marginalizada”, disse.  

 

No primeiro dia de atividades, os participantes puderam ouvir também as ideias do professor da Faculdade de Ciências da Saúde de Unaí, no interior de Minas Gerais, Wederson Santos, que trabalha com pesquisas na área da pessoa com deficiência. Ele questionou se existe um novo paradigma para as políticas de saúde dessa população e fez uma análise da implementação do direito à saúde para essas pessoas à luz da convenção da Organização das Nações Unidas (ONU). Ponderou que é  fundamental assegurar a indivisibilidade, a interdependência e a integralidade dos direitos humanos para garantir vida digna a todas as pessoas, e não só assegurar um ou outro direito, ou um direito em detrimento de outros.  

 

Egresso do Mestrado Profissional em Políticas Públicas em Saúde da Escola de Governo Fiocruz – Brasília, Andrey Lemos, atualmente diretor do Departamento de Promoção da Saúde do Ministério da Saúde, compôs a mesa e lembrou que, sem resolver questões estruturais da sociedade e enfrentar o imaginário escravagista que desumaniza as pessoas, não se resolvem os problemas de saúde.  

 

A diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio, e a coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Políticas Publicas em Saúde da Escola de Governo Fiocruz – Brasília, Roberta Freitas, deram as boas-vindas aos participantes do seminário, e apresentaram a expectativa de potencial produtivo para qualificar os projetos dos mestrandos da instituição. Segundo Fabiana, o evento provocava os alunos a aprimorarem suas pesquisas, em meio à diversidade de temas tratados ao longo dos dois dias de trabalho. 

 

No segundo dia de seminário, o debate começou com o professor Ricardo Ceccim, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), comentando como a educação em saúde deve passar a ser encarada como atividade finalística no SUS e não só atividade meio em sistemas de saúde. Entre diferentes sugestões para a área, ele apresentou a necessidade de que a incorporação de trabalhadores ao SUS parta das residências em saúde, como um critério para ampliar a qualificação dos serviços.  

 

Já Evelin Silva, da Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação em Saúde do Ministério da Saúde, ressaltou que o controle social é o lugar em que se consegue reverberar essas políticas em nosso país. A educação permanente não deve ser resgatada como conceito apenas, mas como prática e eixo estruturante da gestão do SUS. “É preciso que a educação permanente seja prática pedagógica da gestão do SUS, da forma como se faz no SUS, no espaço de diálogo”, disse. Articuladora do Fórum de Residências da Saúde, Sofia Rodrigues também participou da mesa, mediada pelo professor da Escola de Governo Fiocruz – Brasília, Armando Raggio.  

 

As tardes do seminário foram de trocas entre estudantes e professores do Mestrado Profissional em Políticas Públicas em Saúde, organizados em 14 grupos de trabalho: Atenção Primária em Saúde e Saúde Digital, Comunicação e Participação Social em Saúde, Direito Sanitário e Saúde Internacional, Educação em Saúde, Equidade e Saúde Indígena, Formação Profissional e Educação Permanente em Saúde, Gestão Hospitalar, Intersetorialidade, Violência e Gênero, Práticas Integrativas e Complementares em Saúde, Redes e Atenção Especializada em Saúde, Residências Médicas e Multiprofissionais em Saúde, Saúde Mental, Segurança Alimentar e Nutricional, Vigilância em Saúde e Emergências Sanitárias. Os alunos puderam compartilhar o andamento de seus projetos de pesquisa e tirar dúvidas metodológicas para aprimorar a execução. Alguns egressos do mestrado também participaram como moderadores ou apresentando o resultado de suas pesquisas. A partir do evento, será produzido um documentário em vídeo sobre o Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas em Saúde. 

 

A gravação do Seminário está disponível no canal da Fiocruz Brasília no YouTube. Clique nos links abaixo para assistir e compartilhar com a sua rede:   Dia 1 – Dia 2 

Já as fotos do evento estão disponíveis no Flickr da Fiocruz Brasília: Dia 1 – Dia 2