“A inteligência cooperativa precisa ser acionada”

Fernanda Marques 14 de janeiro de 2022


Projeto coordenado pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia) e que conta com a participação da Fiocruz Brasília, a “Plataforma de vigilância de longo prazo para a Zika e suas consequências” tem atuado em diferentes frentes de trabalho. Um desses eixos tem como missão oportunizar espaços de diálogo e ativar redes cooperativas para a geração e difusão de inovações em saúde.

 

Um marco desse eixo foi a realização, em 2017, da primeira Feira de Soluções para a Saúde, na Bahia, direcionada ao enfrentamento da zika. A partir dessa experiência, o escopo da Feira foi ampliado para outras questões de importância sanitária. Em 2019, houve eventos no Rio Grande do Sul e no Ceará. A quarta e última edição, em formato virtual, ocorreu em 2020. A expectativa é que uma nova Feira seja realizada em 2022, em formato híbrido, discutindo a dinâmica das epidemias e crises sanitárias, e enfatizando a importância da participação social.

 

“Nosso trabalho tem essa característica: criar redes cooperativas para uma plataforma de vigilância de longo prazo; não apenas uma plataforma digital, mas uma articulação de atores sociais em torno da agenda tecnológica de enfrentamento de crises sanitárias”, explica o coordenador do eixo, Wagner Martins, da Fiocruz Brasília. Nesta entrevista da série “Fala aê, pesquisador – Especial Plataforma Zika”, ele apresenta os principais resultados desse trabalho e seus desdobramentos.

 

Como tem sido desenvolvida a cooperação em rede?

Nosso objetivo era criar espaço de interação social. A ideia era construir possibilidades de cooperação dentro do complexo da saúde. Nesse sentido, trabalhamos na realização de um evento que permitisse o encontro dos diferentes atores envolvidos no enfrentamento da epidemia de zika. Na Feira de Soluções para a Saúde, em 2017, tivemos a oportunidade de mobilizar setores da academia, empresas, organismos internacionais, instituições governamentais e pessoas atingidas diretamente pela doença. A Feira não só discutiu temas relacionados à epidemia, mas também atividades concretas em torno do enfrentamento da zika e do acolhimento e cuidado com as crianças, mães e famílias acometidas. Foram apresentadas soluções que, naquele curto período de tempo, foram desenvolvidas pela sociedade, empresas, academia e governo. A partir dessa experiência, intensificamos o encontro desses atores para fomentar a inovação. As edições das Feiras têm sido ambientes tanto de discussão teórica quanto de apresentação de soluções práticas, que possam ajudar no enfrentamento de epidemias. Nessa perspectiva, mais do que os eventos, criamos um método de trabalho em rede cooperativa.

 

Como é o processo de mobilização?

É um processo intenso de conversação e convencimento. No caso da Feira Zika, o que facilitou muito esse processo foi que as pessoas queriam esse encontro. Um espaço para tratar de problemas concretos e gerar soluções era algo desejado por todos os segmentos envolvidos. O grande diferencial foi mostrar que a população em geral busca soluções independentemente da ação de governos e da academia. A população constrói essas soluções. A atual pandemia da Covid-19 também trouxe isso muito claramente. Mas, na epidemia de zika, esse aspecto ainda não tinha tanta visibilidade. Muitas associações foram criadas para desenvolver atividades de cuidado com as mães e as crianças. A sociedade se mobilizou em uma rede de solidariedade e efetivou muitas ações, porque muitas famílias foram desestabilizadas por aquela situação, e o governo ainda estava lento para dar respostas. Depois da Feira, essas associações foram convidadas pela academia e por governos para apresentar o que tinham feito, e o trabalho foi avançando, inclusive com financiamentos e outras oportunidades.

 

Quais desdobramentos desse trabalho você destacaria?

Entendo a plataforma de longo prazo como um projeto estruturante para uma abordagem mais geral de enfrentamento de crises epidêmicas, direcionada não só à zika, e não só por meio da realização das Feiras. A plataforma é uma conexão ativa que possibilita a mobilização e integração de diferentes atores. O foco está na construção e ativação de redes: trazer esses atores para encontros, facilitar o desenvolvimento de parcerias, estabelecer agendas de tecnologia potentes para promover territórios saudáveis e sustentáveis, fomentar um ambiente de inovação para a saúde pública.

 

Qual o papel da plataforma?

Estamos desenvolvendo uma base digital de dados de soluções para a saúde, não só as que passaram pela Feira; a proposta é abrir para registro de outras soluções, que serão avaliadas pela equipe de curadoria e ficarão acessíveis para consulta, com vistas à sua disseminação. Construímos um modelo de avaliação de tecnologias para saúde e que pode, inclusive, orientar agências de financiamento para potencializar o desenvolvimento dessas tecnologias. Mas, quando falo em plataforma, não me refiro apenas a uma plataforma digital. De forma mais abrangente, plataforma é um ambiente de integração entre diferentes organizações, pessoas, métodos; um espaço de conversação onde se possa pactuar uma agenda de trabalho em torno de tecnologias. As Feiras são exemplos desse espaço-plataforma de conversação e cooperação.

 

Qual o principal legado desse espaço-plataforma?

O movimento de conexão entre Estado e sociedade é muito importante, especialmente em momentos de crise sanitária. A inteligência cooperativa precisa ser acionada e ativada para que, efetivamente, possamos dar conta dos problemas. E as crises sanitárias não são problemas apenas de saúde: elas afetam biologicamente as pessoas, mas envolvem questões sociais muito mais amplas, o que reforça a necessidade de interações para além do setor saúde. Para responder às crises, são fundamentais articulações com outros setores de políticas públicas e toda a sociedade. 

 

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