Nathállia Gameiro
Mais de dois bilhões de pessoas no mundo consomem água de fontes contaminadas, e apenas 2,9 bilhões têm acesso à instalação de esgotos gerida de forma segura. Ou seja, mais de 3 bilhões de pessoas carecem de serviços básicos de saneamento no mundo, ficando expostas a diversas doenças. Os números são mais alarmantes quando analisada a zona rural. No mundo, 900 milhões de pessoas ainda defecam a céu aberto e, em sua maioria, moradores da zona rural.
Esses dados, retirados do relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) divulgado este ano, foram apresentados na última quarta-feira, 15 de maio, na Fiocruz Brasília. O direito à água e ao esgotamento sanitário foi tema da aula magna do curso de Aperfeiçoamento em Gestão de Territórios Saudáveis e Sustentáveis para a Promoção da Saúde. Participam da capacitação servidores e colaboradores da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) de todo o Brasil.
Para o pesquisador da Fiocruz Minas Gerais e relator especial da ONU sobre o direito à água e ao saneamento, Leo Heller, é preciso pensar no território a partir dos direitos humanos, que inclui acesso a esses dois elementos essenciais e indispensáveis à vida com dignidade, também contemplados nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), no objetivo 6, e com relação direta com outras metas da Agenda 2030. “Melhorar o acesso à água e ao saneamento básico pode contribuir decisivamente para o alcance de outras metas”, lembrou.
Ele analisa que houve um avanço dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) para os ODS, já que o primeiro abordava o acesso à água potável melhorada e as novas metas buscam alcançar o acesso universal e equitativo à água potável e segura para todos. Ele afirmou que é preciso considerar desigualdades de riquezas, de etnia, idade, gênero, migração e geográfica de um território para identificar quais devem ser os focos das políticas públicas, não apenas médias dos dados obtidos, para que o local possa se tornar saudável e sustentável.
Um estudo da Fiocruz sobre o acesso ao esgotamento sanitário dos países da América do Norte e Central, América do Sul e Caribe mostrou que o Peru, Bolívia e Haiti apresentam os piores indicadores. O Brasil ocupa uma posição mediana. Essa não é a realidade quando comparada a diferença do acesso nas zonas rurais e urbanas, em que ocupa a terceira posição, sendo um dos países com maior discrepância. Na escala mundial, está entre os 10 piores em desigualdade de acesso, comparado a 200 países. A diferença de acesso entre as regiões brasileiras também é notável, ficando para o Nordeste e Norte os piores índices, e para o Sul e Sudeste os melhores.
Heller falou também sobre a cooperação internacional entre os países para o atingimento das metas dos ODS e sobre o acesso aos serviços em espaços públicos. Destacou que é preciso fazer com que as políticas públicas respeitem e promovam os direitos humanos, priorizando as populações que vivem em situação mais vulnerável, como refugiados, indígenas, população rural e periferia de grandes centros. “Inverter a forma como as políticas são feitas e colocar na frente da política prioritariamente o acesso das pessoas marginalizadas. Esse é o desafio”, explicou.
O pesquisador fez o resgate histórico da origem do direito à água garantido por lei, em 1948, com a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que resguarda a liberdade das pessoas e o direito econômico e social atrelado à igualdade. O acesso aparece posteriormente com o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e é amparado por leis internacionais de direitos humanos, como a Convenção Internacional do Direito da Criança, Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e a Convenção do Direito das Pessoas com Deficiência.
O direito humano à água e ao esgotamento sanitário só foi internacionalmente reconhecido com a Assembleia Geral das Nações Unidas e Conselho de Direitos Humanos, em 2010, com o objetivo de garantir acesso à água e ao esgotamento sanitário sem discriminação para toda a população. Assim, se tornou uma importante ferramenta para regulamentar o uso da água nos países, contribuindo na elaboração e implementação de políticas públicas. “Não basta o recurso estar disponível, é preciso estar acessível. Ninguém deve ser excluído do acesso por não poder pagar”, ressaltou Heller.
Atuação da Fiocruz
O assessor da Vice Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS), Guilherme Franco Neto, falou sobre o trabalho da Fiocruz nos territórios. “A Fiocruz assumiu, desde seu último congresso interno, a função de propor um processo de organização institucional que pudesse fomentar a formação de redes no território e ações integradas às questões saudáveis e sustentáveis”, explicou.
Todas as atividades nas comunidades articulam como fundamental o fortalecimento do SUS, a perspectiva da saúde para além da doença, articulada com os determinantes sociais de saúde dos territórios e a articulação com os compromissos assumidos pelo Brasil com a Agenda 2030 nos pilares ambiental, econômico e social. Para o pesquisador, esse é grande desafio da Fundação.
O coordenador do Programa de Promoção da Saúde, Ambiente e Trabalho (PSAT), Jorge Machado, apresentou os projetos realizados pela Fiocruz Brasília nos territórios. Ele destacou que o território saudável e sustentável (TSS) é uma das linhas estratégicas do plano quadrienal da Fiocruz. “É a forma de trabalhar com o Sistema Único de Saúde, promovendo a integração e a saúde da população”, disse.
A parceria da Fiocruz e Funasa já é de longa data e resultou em seminários, oficinas e cursos realizados em diversos estados, como Pernambuco, Minas Gerais, Ceará, Rio de Janeiro e Piauí, com o objetivo comum de aprimorar as políticas públicas, como destacado pela coordenadora substituta de Planejamento e Gestão de Projetos (Copla) da Funasa, Elisabeth Manes. Conheça o trabalho que foi realizado no Piauí.
A diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio, lembrou que a agenda dos territórios saudáveis e sustentáveis na Fiocruz vem se consolidando ao longo dos anos como prioridade, buscando superar os desafios apontados pela sociedade e aproximar os ODS da realidade local, para que sejam desenvolvidas com a comunidade e para a comunidade.
“O objetivo dessa parceria é desenvolver estratégias para a melhoria das condições de vida e saúde da população. Por isso reunimos trabalhadores da Funasa para construir a gestão dos TSS e a promoção da saúde, fortalecendo as políticas de saúde e tratando as especificidades e necessidades das regiões para construção de ambientes mais saudáveis. Que este percurso seja contínuo, permanente e fortalecido”, finalizou Damásio.