Novas variantes do SARS-CoV-2 continuam surgindo: e os testes para diagnóstico rápido por detecção de antígeno, continuam funcionando?
Sérgio de Andrade Nishioka
Médico infectologista e Doutor em Epidemiologia e pesquisador do Núcleo de Epidemiologia e Vigilância em Saúde (Nevs) da Fiocruz Brasília
Postado em 03/06/2024
O SARS-CoV-2, um vírus RNA, sofre constantes mutações ao longo do tempo. Embora a maioria dessas mutações tenha pouco significado prático, algumas podem afetar propriedades do vírus de grande interesse, como sua capacidade de propagação, de causar doença e de estar associado com sua gravidade, sua resposta a vacinas e medicamentos antivirais, e capacidade de detecção por testes diagnósticos. Levando em consideração todos esses fatores, a Organização Mundial da Saúde (OMS) vem acompanhando a evolução desse vírus, e desenvolveu um sistema de classificação de suas linhagens em variantes de preocupação, variantes de interesse, e variantes sob monitoramento [1].
Em função do surgimento de novas variantes do SARS-CoV-2, verificou-se que a resposta de casos de Covid-19 ao tratamento com anticorpos monoclonais desenvolvidos contra variantes anteriores não tinha a mesma efetividade, e tem-se recomendado, periodicamente, a mudança da composição antigênica das vacinas contra essa doença, como já discutido antes por aqui (ver, por exemplo, “Composição antigênica das vacinas contra a Covid-19 deverá ser atualizada para a linhagem JN.1 do SARS-CoV-2, recomenda grupo técnico assessor da OMS”).
Se assim tem ocorrido, qual o impacto dessas mutações e do surgimento de novas variantes no desempenho dos testes de diagnóstico rápido de infecção pelo SARS-CoV-2 por detecção de antígeno aprovados pelas autoridades reguladoras como a Anvisa?
Artigo publicado na edição norte-americana do site The Conversation é tranquilizador a esse respeito [2]. Os autores são pesquisadores que se dedicam ao estudo da acurácia e desempenho dos testes diagnósticos de Covid. Acurácia, no caso de testes diagnósticos, é expressa pela somatória de testes verdadeiro-positivos (o teste é positivo quando a pessoa de fato tem a doença) e verdadeiro-negativos (quem não tem a doença testa negativo) dividida pelo total de testes (que inclui não só os testes já citados, como também os falso-positivos e falso-negativos.
Segundo os autores, foram avaliados mais de 100 testes rápidos para detecção de antígeno de mais de 300 variantes de SARS-CoV-2 em amostras obtidas de laboratórios clínicos dos Estados Unidos entre 2020 e 2023. De acordo com eles, a imensa maioria desses testes detectou tanto variantes novas como as antigas.
Em comparação com os testes de RT-PCR, que são considerados padrão-ouro para o diagnóstico laboratorial de infecção pelo SARS-CoV-2, e que têm uma acurácia superior a 95%, os testes rápidos para detecção de antígeno do SARS-CoV-2 em material colhido por swab de nasofaringe têm uma acurácia superior a 80%, e têm como vantagens a rapidez – o resultado fica pronto em 10 a 15 minutos – e o custo, muito mais barato. A diferença de acurácia entre os dois testes é maior na fase inicial da infecção pelo SARS-CoV-2, quando há um menor número de vírus presentes, e há uma probabilidade maior de pessoas infectadas terem um teste de detecção de antígeno (falso) negativo. Além da acurácia, também a sensibilidade dos testes rápidos para detecção de antígeno – expressa pelo quociente dos testes verdadeiros positivos pelo total de pessoas doentes testadas – é mais baixa na fase inicial da infecção ou doença.
Não obstante a limitação desses testes em comparação com o RT-PCR, a equipe à qual pertencem os autores demonstrou que o desempenho desses testes não variou desde o início da pandemia. A explicação para isso é que a proteína do vírus detectada nesses testes – do seu nucleocapsídeo – não sofreu tantas mutações quanto a proteína S, da espícula do SARS-CoV-2, responsável pela entrada do vírus nas células. Por isso os testes têm mantido seu desempenho constante ao longo do tempo, o que não se tem observado com os anticorpos monoclonais e vacinas, cujo mecanismo de ação está relacionado à proteína S.
Do ponto de vista prático, os autores recomendam que pessoas que tenham sintomas compatíveis com a Covid-19 realizem um teste rápido para detecção de antígeno tão logo seja possível. Um teste positivo indica que existe infecção, enquanto um teste negativo não a descarta, motivo pelo qual eles sugerem a repetição do teste após dois dias, pois, como explicado acima, testes feitos precocemente têm probabilidade mais alta de serem falso negativos. Além disso, existem evidências de que a detecção das variantes oriundas da Ômicron, que têm sido dominantes no mundo desde final de 2021, pode ser um pouco mais tardia do que as variantes de preocupação anteriores (Alfa, Beta, Gama e Delta).
O monitoramento de acurácia e desempenho desses testes continuará sendo feito ao longo do tempo, afirmam os autores.
Referências:
[1] World Health Organization. Tracking SARS-CoV-2 variants. Atualizado em 14 de maio de 2024.
Para acessar mais textos da coluna de Atualidades sobre a Covid-19, acesse: www.unasus.gov.br/especial/covid19/atualidades