Publicado na edição de terça-feira (26/03/2024) do Correio Braziliense
Artigo de Tainá Raiol e Ana Ribeiro*
Avanços recentes na estratégia de rastreamento do câncer do colo do útero têm proporcionado melhorias na detecção precoce e na prevenção dessa doença
O mês de março se destaca como o período de conscientização da campanha Março Lilás, dedicado à luta contra o câncer de colo do útero (CCU). Essa doença figura como uma das principais causas de mortalidade por câncer entre mulheres no Brasil. Entretanto, é uma das mais preveníveis. A infecção pelo papilomavírus humano (HPV) é o principal fator de risco para o desenvolvimento desse tipo de câncer. A vacinação contra o HPV, em conjunto com testes de rastreio de alto desempenho, desempenha um papel fundamental na detecção precoce da doença, aumentando as chances de tratamento bem-sucedido.
Dentre os 200 tipos de HPV identificados até o momento, cerca de 13 são classificados como de alto risco pela maior associação com o desenvolvimento de lesões pré-cancerosas e CCU. Apesar de a maioria das infecções por esses tipos de HPV não apresentarem sintomas e tenderem a regredir naturalmente, algumas podem persistir e evoluir para o câncer. Em 2023, o CCU foi a quarta maior causa de morte em mulheres no Brasil (6,06%), segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), sendo as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste as que apresentam maiores taxas de mortalidade.
A prevenção do CCU baseia-se em três pilares principais: vacinação, rastreamento e tratamento. No Brasil, a vacinação contra o HPV é recomendada para meninas e meninos entre 9 e 14 anos, além de grupos de risco específicos. O rastreamento do CCU é realizado pelo exame citológico papanicolau — entretanto, o uso desse exame por décadas tem se mostrado insuficiente para reduzir de forma efetiva os casos de CCU. Avanços recentes na estratégia de rastreamento do CCU têm proporcionado melhorias na detecção precoce e na prevenção dessa doença.
Uma dessas inovações é a incorporação de testes moleculares para detecção do HPV de alto risco, que têm se mostrado mais sensíveis e eficazes na identificação de lesões pré-cancerosas. Quando esses testes incluem genotipagem estendida de HPV, oferecem uma maior precisão na triagem, permitindo intervenções precoces e reduzindo a necessidade de exames invasivos desnecessários. Nesse contexto, por meio da portaria SECTICS/MS nº 3, de 7 de março de 2024, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) recomendou a incorporação no SUS do uso de testes moleculares para detecção de HPV de alto risco.
Melhorias nos métodos de diagnóstico com o uso de autocoleta para o teste de HPV têm proporcionado uma maior conveniência e acessibilidade às mulheres, especialmente àquelas comunidades remotas ou com dificuldades de acesso aos serviços de saúde. Essa abordagem permite que as mulheres coletem as próprias amostras, aumentando a taxa de adesão ao rastreamento e diminuindo as barreiras de constrangimento e desconforto associadas aos exames ginecológicos tradicionais.
Outro avanço importante é a integração de tecnologias de coleta de imagem digital do colo do útero, que oferece uma visualização mais detalhada e precisa das lesões cervicais. Isso possibilita uma avaliação mais minuciosa das alterações precursoras, permitindo um diagnóstico mais preciso e intervenções terapêuticas mais direcionadas.
Estratégias que incluem essas tecnologias inovadoras têm sido disponibilizadas gratuitamente em iniciativas de pesquisa, como no Projeto MARCO (Manejo do Risco de Câncer Cervical), conduzido pela Fiocruz Brasília em parceria com Inca, Ministério da Saúde, HUB-UnB/Ebserh e o Instituto Nacional de Câncer dos Estados Unidos (NCI/NIH), que integra o Consórcio PAVE (HPV e Avaliação Visual Automatizada).
O Projeto oferece uma estratégia completa de rastreio e triagem baseados em teste de HPV de alto risco e, subsequente, tratamento para mulheres de 30 a 49 anos positivas para HPV, assim como a garantia de continuidade do acompanhamento dessas mulheres pela parceria com a rede de saúde do SUS.
Iniciativas como essa representam um passo importante para o desafio atual de elaborar políticas voltadas para a população socioeconomicamente desfavorecidas, vulnerabilizadas e em maior risco de câncer, com consequente redução das barreiras de entrada nos serviços de saúde e implementação de estratégias de rastreamento acessíveis, sendo desenvolvidas a partir da avaliação situacional de cada população.
Os avanços nas estratégias de prevenção do CCU são um grande passo na luta contra essa doença, reduzindo sua incidência e mortalidade, com um acesso equitativo às soluções de saúde.
*Pesquisadoras do Projeto MARCO na Fiocruz Brasília