Para debater os principais desafios relacionados à ciência de dados, a Fiocruz Brasília realizou nos dias 31 de agosto e 1 setembro, o II Seminário de Ciência de Dados para a Ciência. Durante o evento, foram compartilhadas soluções encontradas por cientistas brasileiros para disponibilização de informações sobre Ciência, Tecnologia e Inovação.
O panorama do cenário internacional dos indicadores de inovação foi traçado por Cláudia Canongia, especialista em Gestão da Inovação. Ela apresentou dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), do Índice de Propriedade Intelectual (IPI) e da classificação do Índice Global de Inovação de 2021. Nesta última, o Brasil ocupa o 57º lugar na lista de países com economia mais inovadora, analisando as instituições, capital humano e pesquisa, infraestrutura, sofisticação e produtos de conhecimento e tecnologia.
Dados apresentados pela química mostram ainda que o Brasil tem grande volume de pesquisa e de cientistas, com mais de 89 mil artigos publicados em periódicos científicos (indexados pelo Scopus), mais de 2600 patentes emitidas para residentes, além de 20 mil doutores titulados e quase 14 mil mestres. No entanto, de acordo com a pesquisadora, os resultados dos indicadores de inovação estão bem abaixo do que se esperaria para um país com essa magnitude, competência em diversos setores, potencial pela diversidade de etnia e rica biodiversidade, e proliferação de setores e áreas. “O Brasil tem o entendimento de que ciência, tecnologia e inovação (CTI) representam caminho para o desenvolvimento econômico e social do país, mas a CTI não são matérias de estado, não são as prioridades das políticas públicas de governos e isso impacta no desenvolvimento e inovação do país”, explicou. Para ela, o evento da pandemia de Covid-19 foi um exemplo prático de entendimento da sociedade sobre a importância da ciência, das parcerias e da inovação. “O sentir da sociedade muda o nosso papel e a nossa responsabilidade”, completou.
Cláudia falou ainda sobre os avanços de inovação, informação e comunicação, como a web 3.0, com a proposta de uma internet mais aberta, descentralizada, transparente e com a lógica de indexação de conteúdo pelas comunidades. Diferente do que vivemos hoje na web 2.0, em que a indexação de conteúdo é a partir de algoritmos pré-estabelecidos. De acordo com a pesquisadora, essa mudança vai influenciar o trâmite e acesso à informação. Assim como o oferecimento da conexão 5G, que resultará em maior tráfego de dados. O ambiente metaverso como uma nova realidade e os avanços da robótica com a maior convivência de robôs com humanos, como por exemplo, o uso de cães robôs com a tecnologia 5G para auxiliar a segurança pública do festival de música Rock in Rio, também foram citados.
“As novas tecnologias impactam em diversos setores da sociedade. A revolução tecnológica acelerada, com o mundo altamente conectado, com informação sobre tudo e com qualidade e velocidade de transmissão cada vez mais diferenciadas, carrega diversos desafios de segurança de conteúdo e da exposição enquanto indivíduo. Não podemos fugir dos avanços da inovação, informação e comunicação, porque eles têm reflexo nos indicadores de ciência, tecnologia e inovação. Quem trabalha com ciência de dados tem como objetivo fornecer subsídios para melhorar políticas públicas”, afirmou. A química finalizou lembrando que está aberta consulta pública sobre as Propostas da Política e Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação.
O representante da Organização de Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI), Rodrigo Barrere, afirmou que há um desafio de compatibilização de indicadores, pois se requer um consenso sobre as características e os limites do fenômeno que se quer medir, além de ser necessário levar em conta o uso dessa informação, já que condiciona o tipo de indicador produzido. “Que problema queremos resolver? O que vamos medir? Por que? Como vamos medir? Quem vai medir? Para quem? O desafio é fazer pesquisa e analisar os dados dos indicadores para auxiliar na tomada de decisão. É necessário desenvolver um sistema de indicadores adequado, com fontes de informação confiáveis e acessíveis. Estamos diante de um fenômeno em consolidação das agendas de políticas de ciência e tecnologia. Só teremos um sistema de indicadores robusto e confiável quando já tivermos discutido todos esses aspectos”, ressaltou Barrere.
Durante a abertura do evento, a vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, Cristiani Machado, falou sobre a parceria de longa data da instituição com o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) e o desafio que o seminário traz para pensar ciência de dados no desenvolvimento de recursos tecnológicos. “É a transformação nos moldes da ciência e as formas de trabalhar e gerir informações com novas frentes, com informações mais estruturadas para diminuir desigualdades. Essa é uma área que tende a ser fragmentada, com muitas ações dispersas. Temos a chance de fazer algo mais consistente, mais articulado e que vai trazer mais retorno para a sociedade”, afirmou.
A parceria entre as instituições também foi destaca pela coordenadora-geral de Pesquisa e Manutenção de Produtos Consolidados do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), Bianca Amaro, ao lembrar que o acordo cooperação resultou no Observatório de Ciência, Tecnologia e Inovação (OCTI) da Fiocruz. Para ela, o evento é de extrema importância para área científica do Brasil ao trazer a discussão de projetos e experiências relacionados à ciência de dados e estabelecer diálogo com especialistas.
A diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio, destacou que a ciência aberta tem sido uma prioridade na Fiocruz, reconhecendo os esforços feitos e os desafios impostos. O tema foi debatido durante a oficina preparatória realizada no dia anterior ao seminário, em que foi apresentada e discutida a matriz proposta de indicadores de avaliação e apoio à Ciência Cidadã junto a organizações chave no financiamento à pesquisa no Brasil. Participaram representantes de agências e instituições de fomento à pesquisa, como a Capes, CNPq, Instituto Serrapilheira, Rede Brasileira de Ciência Cidadã (RBCC) e Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (CONFAP).
Já o segundo dia do Seminário, 1º de setembro, começou com um painel sobre sistemas de informação e o ecossistema da pesquisa e inovação, com o objetivo de apresentar e trocar experiências sobre o tema. Um dos palestrantes foi o pesquisador Wagner Martins, coordenador do Colaboratório de Ciência, Tecnologia, Inovação e Sociedade da Fiocruz Brasília, que falou sobre transformação digital a partir da experiência da Ágora Fiocruz. A plataforma oferece um conjunto de softwares para o desenvolvimento de redes descentralizadas e a gestão de políticas públicas. “É um espaço de interação entre diferentes atores e governança democrática de projetos. Educação, pesquisa, serviços de saúde, complexo produtivo e regulação devem atuar conjuntamente. É preciso conectar cidadãos, gestores e pesquisadores para encontrar soluções. A plataforma, então, é esse ambiente de inteligência cooperativa, que reúne diferentes competências, antes dispersas, em prol de um objetivo comum, para implementar ações no território”, explicou.
O pesquisador fez uma analogia das ferramentas da plataforma com brinquedos na praia, que vão atrair uma criança e depois outras, até que, juntas, elas constroem um castelo de areia. “A Ágora estimula a criação de salas de cooperação social, onde os dados disponíveis nas estruturas governamentais podem ser acessados por uma rede de diferentes atores e transformados em ações nos territórios”, resumiu. Como exemplo, o palestrante citou o funcionamento dessas salas durante a pandemia de Covid-19, possibilitando processos dinâmicos de aprendizagem e monitoramento dos determinantes sociais da saúde nos territórios.
Pré-Seminário
Integrada atualmente por dezenas de países, a Parceria para Governo Aberto ou OGP (Open Government Partnership, em inglês) foi lançada em setembro de 2011, com oito países fundadores, entre eles o Brasil. Na ocasião, além de assinarem a Declaração de Governo Aberto, esses países apresentaram seus Planos de Ação para incentivar e disseminar práticas de transparência dos governos, acesso à informação pública e participação social. Hoje, o Brasil executa seu 5º Plano de Ação Nacional para Governo Aberto, composto por 12 compromissos. Entre eles, está o Compromisso 8 (“Transparência em Ciência: Novos mecanismos de avaliação para o avanço da Ciência Aberta”), sob coordenação do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) e dividido em 11 marcos.
Diversos órgãos e entidades do governo e da sociedade civil participam do Compromisso 8, e reuniões de acompanhamento dos avanços dos diferentes marcos são realizadas regularmente. No dia anterior à abertura do Seminário, a Fiocruz Brasília sediou a 4ª Reunião Geral do Compromisso 8, com representantes de diferentes instituições. No âmbito do Compromisso 8, a Fiocruz coordena o Marco 5 (“Indicadores de avaliação de Ciência Cidadã”). No dia 30 de agosto, os participantes discutiram a versão preliminar de uma matriz de critérios para indicadores de Ciência Cidadã, entendida como uma das vertentes da Ciência Aberta, que busca a participação de não cientistas na produção e análise de conhecimentos e dados relevantes à ciência e a questões sociais, ambientais e territoriais.
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O II Seminário de Ciência de Dados para a Ciência foi organizado pelo Observatório em Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde da Fiocruz em parceria com o IBICT.
O evento pode ser assistido aqui