Mais de 281 mil pessoas vivem nas ruas no Brasil, conforme levantamento mais recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ( Ipea). E a partir de iniciativa da Fiocruz Brasília lançada na sexta-feira, 26 de maio, serão construídas estratégias para acompanhar de perto as políticas públicas específicas para essas pessoas. O Colaboratório Nacional de População em Situação de Rua vai também qualificar pessoas com trajetória de rua fortalecendo o controle social, e fomentar estratégias de qualificação dos serviços e equipes que atendem essas pessoas.
O projeto tem duração prevista para dois anos, com ações em cinco capitais brasileiras: São Paulo, Curitiba, Rio de Janeiro, Brasília e Salvador. As cidades escolhidas levam em consideração o fato de haver escritório da Fiocruz para facilitar o trânsito das equipes e serviços de diferentes espaços por onde essas pessoas passam e são atendidas, como o Sistema Único de Saúde (SUS), o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), o Ministério Público, a Defensoria Pública. As demandas dessas pessoas e também as boas práticas que já existem para apoiar suas vidas serão mapeadas e acompanhadas, também para dar visibilidade a elas.
O Núcleo de Populações em Situação de Vulnerabilidade e Saúde Mental na Atenção Básica (Nupop), da Fiocruz Brasília, foi o berço do Colaboratório, e segundo seu coordenador, o pesquisador Marcelo Pedra, ele faz parte da construção de propostas com os movimentos sociais e com a Câmara Federal. “Ele se constitui com articulação territorial para favorecer o acesso aos serviços e a garantia de direitos, bem como a qualificação e troca entre os atores locais (equipes, gestores, instituições de ensino e pesquisa, movimentos sociais, Ministérios e Defensoria Pública), além da sistematizar as informações e boas práticas mapeadas e propor políticas públicas nos âmbitos local e nacional”, ressaltou.
A diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio , que também coordena o Nupop, afirmou durante a live de lançamento que a construção do Colaboratório é freiriana (em alusão à obra do professor Paulo Freire), com construção de educação libertadora e de educação como ato de coragem e amorosidade. A gestora chamou a atenção para a necessidade de o Colaboratório incluir e dialogar com a região norte do país e que tenha um olhar comprometido com o SUS e com o olhar intersetorial, unindo diferentes instâncias em prol dessa população.
O nome curioso, Colaboratório, tem um sentido especial.
Inicialmente a proposta era de criação de um observatório, mas o grupo não queria apenas observar, e sim, intervir nos territórios para colaborar com essas pessoas em situação de rua e suas ações. Durante a live de lançamento, Pedra explicou que o colegiado gestor do Colaboratório foi estruturado com áreas específicas para organização administrativa, formulação e planejamento, divulgação, produção de materiais informativos e assessoria/secretariado.
No Colaboratório estão incluídas diferentes frentes de atuação, que convergem para o alcance de seus objetivos. A Escola Nacional de População em Situação de Rua, por exemplo, será itinerante, ligada aos movimentos sociais para ocupar os espaços públicos, e também relacionada às Escolas de Saúde Pública e Escolas técnicas do SUS nos locais com polos descentralizados volantes, para formar pessoas em situação de rua que consigam ocupar lugares de construção das políticas públicas nos seus territórios.
Na base do Colaboratório estão os pólos descentralizados, formados por trios (coordenador, técnico e representante de movimento social ligado à população de rua) que vão sistematizar as ações nos territórios, propor formações e qualificações para profissionais que atuem com essa pessoas, acompanhar os espaços públicos e as boas práticas, trocando experiências.
O Colaboratório conta também com um grupo de pesquisa, que vai realizar levantamento e análise das principais bases de dados públicas, sistematizar as boas práticas de serviços e de equipes, bem como executar pesquisas a partir de dados levantados pelos pólos descentralizados volantes, assim como a divulgação científica online.
Outra instância do Colaboratório é a Escola Nacional Pop Rua, que vai promover cursos e oficinas de formação política para a população em situação de rua, com elaboração de materiais didáticos a partir das demandas encontradas nos pólos, divulgação nas redes sociais, e também vai mobilizar as pessoas para participação nos cursos e oficinas.
O lançamento do Colaboratório contou com representantes de diversas instituições parcerias da Ficoruz Brasília. O representante do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Vanilson Torres, comentou como a palavra colaboratório traz uma nuance de mais coletividade e colaboração. Membro do colegiado gestor do Colaboratório, o servidor público Osvaldo Bonetti lembrou que, no início de 2005, participou da primeira pesquisa do Ministério da Saúde para verificar as secretarias e municípios com ações específicas para essa população.
A advogada Laura Salatino, representante da Clínica de Direitos Humanos Luis Gama, um grupo de pesquisa e extensão da Faculdade de Direito da USP que trabalha com a população de rua no centro de São Paulo, ressaltou como o Colaboratório é um desafio feliz, pois foi o encontro de muitas pessoas e instituições diferentes. “É um arranjo difícil de compor para um projeto rico e diverso a várias mãos e fortalecido pelo Movimento Nacional. Foi desenhado pensando em conjugar pesquisa e extensão – intervenção para construir diagnósticos e assim, uma potência de novas pesquisas, intervenção etc… O trabalho só funciona com o diálogo com essas pessoas”, ressaltou a jovem.
O representante do Movimento Nacional da População em Situação de Rua, José Marques, declarou que as pessoas tenham acesso ao que for produzido pelo Colaboratório, e que os próximos quatro anos sejam de inclusão da população de rua. Da Diretoria da Promoção de Direitos da População em Situação de Rua do Ministério de Promoção dos Direitos Humanos e Cidadania, Leo Pinho colocou a pasta à disposição do Colaboratório, e indicou que os movimentos em prol da população em situação de rua terão assento no Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua (Champ-Rua). Segundo ele, será lançado edital para a escolha dos membros pela sociedade civil. Ele também anunciou que a diretoria de Pop Rua terá um coordenador geral do Ciamp-Rua alguém com histórico de trajetória de rua.
Os recursos para criação e manutenção do Colaboratório Nacional de População de Rua são provenientes de emenda parlamentar apresentada pela deputada federal Erica Kokai (PT-DF). A parlamentar ressaltou que os dados e acompanhamento a ser feito pelo Colaboratório auxiliarão na elaboração precisa de políticas públicas específicas para essa população. Segundo ela, nos últimos quatro anos, o Brasil invisibilizou muitas pessoas, entre eles a população de rua. “A invisilibilização é a esteira onde se constroem as desumanizações”, finalizou
Assista à gravação do lançamento do Colaboratório Nacional de População em Situação de Rua.