Fernanda Marques
Seja a mudança que quer ver no mundo ou, no contexto da comunicação em saúde, se ela precisa melhorar, especialmente neste momento de pandemia, comece por você. Tem uma estratégia e ela não alcança os resultados desejados? Nada mudará se você continuar repetindo as mesmas ações. A reflexão foi feita pelo professor Benjamin Lozare, da Universidade Johns Hopkins (Estados Unidos), na primeira aula do Curso de Especialização em Comunicação em Saúde: Fundamentos, Práticas, Agendas e Desafios, nova pós-graduação da Escola de Governo Fiocruz – Brasília que teve início nesta sexta-feira (14/8). Mudanças, em geral, não ocorrem a curto prazo e, em relação à pandemia, ainda existem muitas questões em aberto: o caminho é desconhecido, mas é preciso trilhá-lo, aprendendo e inovando ao longo do trajeto, conforme complementou a professora Monica Petracci, da Universidade de Buenos Aires (Argentina). Aberta ao público e transmitida ao vivo pelo YouTube da Fiocruz Brasília, a aula contou com a participação dos 30 alunos da primeira turma da Especialização, além de dezenas de outros interessados no tema, que puderam interagir com os palestrantes internacionais por meio do chat. Os 30 alunos – jornalistas, assessores de comunicação e profissionais da saúde – terão aulas sempre às sextas e sábados até novembro de 2021. Outras oportunidades de aulas públicas abertas serão divulgadas nas mídias sociais da Fiocruz Brasília.
Durante o evento inaugural desta sexta (14/8), o coordenador da nova Especialização, o jornalista Wagner Vasconcelos, também à frente da Assessoria de Comunicação da Fiocruz Brasília, anunciou o lançamento do e-book “Fake News e Saúde”, fruto de um seminário internacional sobre o tema realizado na instituição no ano passado. Organizado por Vasconcelos e pela jornalista e pesquisadora Mariella de Oliveira-Costa, integrante do corpo docente do novo Curso, o e-book pode ser acessado aqui.
Crise como oportunidade
Para os dois palestrantes, a pandemia pode render muitos aprendizados, reforçando o momento oportuno para os estudos em comunicação em saúde. “A vida é cheia de contradições e paradoxos. Na ciência, aguçar as perguntas, muitas vezes, é mais importante do que as respostas em si, porque de nada adianta uma resposta certa para uma pergunta errada. Se todos dizem ‘eu sei’, ficamos estagnados. É preciso fazer perguntas sempre, questionar tudo”, afirmou Ben. As organizações devem se preparar para os desafios presentes e futuros, e isso requer bases sólidas. “Como diria Darwin, as que sobrevivem são as que melhor se adaptam e, tal qual um boxeador, podem ter braços fortes, mas não ficarão de pé se as pernas forem fracas”, comparou.
De acordo com Ben, a pandemia revelou um problema de liderança. “Líderes são líderes justamente porque operam com o que parece impossível e até além da imaginação. No entanto, com a covid-19, não saímos de nossa zona de conforto”, avaliou. Diante de uma nova situação, podemos ser apenas reativos, agindo para “apagar o incêndio”, mas isso não impede que os problemas reapareçam e se multipliquem, causando confusão e pânico. Para Ben, uma nova situação exige equilíbrio entre gerenciamento e liderança. Equilíbrio porque um planejamento com regras rígidas e complexas conduz à burocratização, assim como uma liderança concentrada no topo também não funciona. “Existem líderes em todos os níveis de uma organização, dos mais baixos aos mais altos. Os mais valiosos são aqueles dos níveis mais baixos, porque estão na linha de frente e organizam a resposta”, destacou.
Localizando a reflexão no campo da saúde, o palestrante indagou: quem mais produz saúde? O ministro, os médicos, os trabalhadores da saúde em geral, as comunidades ou as famílias? Ao argumentar que quem mais produz saúde são as famílias e, em especial, as mães, Ben apresentou duas recomendações principais para uma comunicação em saúde mais eficiente em relação à covid-19: o foco na audiência (e em suas demandas) e a clareza das mensagens. “Muitas mensagens ao mesmo tempo não são eficientes. Mensagens que se limitam a dar ordens ou comandos também não surtem efeito. Como aquilo pode me ajudar? Os benefícios têm que estar claros”, pontuou o professor da Universidade Johns Hopkins. “A mensagem diz somente: mantenha o distanciamento social. Cadê o benefício?”, provocou. “Precisamos aprender a nos comunicar melhor. Comunicação em saúde é um investimento, e o retorno desse investimento é crucial”, concluiu.
Refletir e estudar
Da praga de Atenas, em 400 a.C., até a covid-19, passando pela peste, Aids, H1N1, gripe aviária e outras, as epidemias colocam em cena diferentes ideias políticas, religiosas e médicas, ora reforçando-as, ora contrariando-as. Nos séculos passados, notícias esparsas chegavam por umas poucas pessoas que trocavam correspondências com alguém no exterior. Logo, se as epidemias do passado têm marcas compartilhadas com as de hoje, certamente as tecnologias de informação e comunicação representam uma ruptura, um aspecto central que as diferencia. “A pandemia funciona como articuladora de mudanças sociais. A covid-19 deu um impulso à visibilidade de processos contemporâneos já existentes, mas que se instalaram definitivamente, como a educação à distância, o homeoffice, a nova agenda das relações sociais, a relação médico-paciente por telemedicina ou WhatsApp. Quem não tinha experiência prévia com essas tecnologias passa a perceber que precisa conhecê-las”, avaliou Monica. “A covid-19 veio perturbar o que tínhamos construído socialmente como normalidade”, acrescentou a professora da Universidade de Buenos Aires.
Para Monica, essas mudanças sociais e a incorporação de novas práticas, acentuadas pela pandemia, devem ser problematizadas e transformadas em objetos de pesquisa, incluindo as transformações do modelo de comunicação. “A pandemia não sai das primeiras páginas, ela centralizou a agenda de diferentes áreas do jornalismo. Mas ela também levantou questões sobre desigualdade social, direitos e a diversidade de vozes”, salientou, abordando também o problema da chamada infodemia, “uma epidemia de desinformação, com o consumo desmensurado de informações não verificadas”. Segundo a professora, esse é mais um fenômeno sobre o qual há muito a refletir e pesquisar.
“As organizações devem disseminar tanto as informações baseadas em evidências científicas como o processo de construção dessas evidências”, sugeriu. Como outras linhas propositivas, a palestrante defendeu a comunicação em saúde ligada a políticas públicas de saúde; o compromisso de não só comunicar as medidas governamentais, como também melhorar a conexão com os interlocutores (e a mediação entre os diferentes saberes); e o risco e a incerteza como categorias-chave para pensar o cenário da infodemia.
Mesa de abertura
Antes das palestras, foi exibido um vídeo de boas-vindas em que vários especialistas nacionais e internacionais destacaram a importância dos estudos em comunicação em saúde. As contribuições da comunicação para a tomada de decisões em saúde e para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) foram enfatizadas na fala da diretora da Escola de Governo Fiocruz – Brasília, Luciana Sepúlveda.
Após o vídeo, o coordenador da nova Especialização, Wagner Vasconcelos, contou um pouco da trajetória de construção do Curso. “Falar desse Curso é, necessariamente falar de uma trajetória de persistência, que vem se consolidando ao longo dos dez últimos anos. Ao longo desse tempo, foram feitas várias articulações, capacitações da equipe, um processo constante de prospecção de demandas dos nossos parceiros e uma série de atividades de ensino. É também uma trajetória de confiança: no SUS, o maior sistema público de saúde do mundo; na comunicação, que estabelece relações nas quais os sentidos são formados; e nas pessoas, que legitimam as políticas públicas e são protagonistas de suas vidas e escolhas ao exercerem seus direitos à informação e comunicação”, explicitou.
A diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio, lembrou que o Curso foi todo planejado como presencial e, devido ao contexto da covid-19, adaptado para começar na modalidade à distância, fruto do esforço de vários trabalhadores da Fiocruz Brasília para a manutenção da oferta educacional. “Este Curso também reflete um valor do projeto político pedagógico da nossa Escola que é a construção coletiva. Ele é fruto de um grande trabalho articulado com as diferentes instâncias de comunicação da Fiocruz. Um trabalho que busca fortalecer a comunicação como um direito e um caminho para a prevenção e a promoção da saúde e o exercício da cidadania”, disse a diretora.
A representante da Organização Pan-Americana da Saúde no Brasil, Socorro Gross, lembrou os riscos à saúde causados pelas notícias falsas, que geram insegurança na população e prejudicam as intervenções sanitárias. “Existe uma grande diferença nos resultados de uma intervenção quando ela conta com um comunicador que conhece o campo da saúde”, afirmou. “A comunicação está associada a outros direitos essenciais para a vida, e a vida em sociedade”, complementou a vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, Cristiani Machado, incentivando os alunos a refletirem criticamente sobre os desafios e as transformações da saúde e da comunicação na atualidade.
A íntegra da atividade pode ser conferida aqui