Na noite desta quinta-feira (17/3), cerca de 60 pessoas participaram virtualmente do terceiro momento síncrono das Comunidades de Aprendizagem da I Mostra da Escola de Governo Fiocruz-Brasília. Recheada de ciência e poesia, esta atividade é inspirada nas Comunidades de Práticas da Mostra Nacional de Experiências em Saúde da Família, realizada em 2014. O objetivo é compartilhar vivências sobre diferentes temas para “criar cenários de esperançar”, segundo a coordenadora da I Mostra EGF-Brasília, Tatiana Novais.
Neste terceiro encontro síncrono, reuniram-se as Comunidades 7 e 8, cujos temas são, respectivamente, “Aprendizagens intersetoriais no território educativo: práticas e desafios” e “Educação em direitos humanos como caminho para prevenção da violência e do uso abusivo de drogas”, e estão associadas ao Curso Saúde e Segurança na Escola. Reuniu-se também a Comunidade 9, com a temática “Territórios Saudáveis e Sustentáveis – experiências territorializadas de promoção da saúde”. Porém, o próprio conceito de territórios saudáveis e sustentáveis foi posto em discussão pelo grupo.
O cientista social Daniel Iberê chamou a atenção para o fato de que a palavra território não contempla a maioria dos povos originários. “Sou guarani. Falamos tekoá, onde podemos ser por completo, com harmonia entre os seres, manifestar nossos saberes, um saber que não foi apropriado pelo capital, que é milenar. Tekoá é espaço do visível e do que não se vê, do sagrado, onde nós habitamos e que nos habita, base para o nosso pensamento, que é livre, e criamos outros mundos, para que outros pensamentos possam florir”, explicou.
Como destacou Iberê, a escolha das palavras é carregada de sentidos. “Qualquer conceito que peguemos emprestado do colonizador não nos representa: 95% da nossa população foi dizimada, nos assassinaram de várias formas, inclusive não reconhecendo os nossos saberes. Desafiamos uma sociedade que só reconhece uma forma de educação, de saúde. Todas as palavras ditas na língua do colonizador são uma redução”, sublinhou.
O poeta e doutor em Literatura Comparada Augusto Niemar concordou com Iberê ao falar do desejo de uma universidade onde toda ciência seja humana. “Quem cria uma vacina produz saúde, mas quem cria poesia também, de uma outra forma”, defendeu.
Iberê também convidou a refletir sobre conceitos como desenvolvimento e sustentabilidade. “Um território, para ser saudável, dificilmente será sustentável. Ouvimos essa palavra ‘sustentável’ e acreditamos nela, como se significasse uma vida bela, mas não tem a ver com isso. Você compra um produto que se diz sustentável e acredita estar contribuindo para uma vida diferente, mas continua reproduzindo o poder do capital. A palavra ‘sustentável’ é usada para agregar valor na linguagem do capital”, argumentou. E continuou sua fala com uma série de questionamentos: “Desenvolvimento em que direção? Seguir o exemplo dos países ricos e desenvolvidos? Por acaso eles não têm miséria? Como chegaram a seus patamares de desenvolvimento? Foi pela união, pela solidariedade, ou foi saqueando os nossos espaços sagrados? Se tivéssemos que cobrar o que levaram dos nossos ancestrais, quanto seria? Quantos planetas em ouro e prata teriam que nos devolver? E isso pagaria todo sangue derramado?”, indagou.
A graduanda em biotecnologia da UnB Débora Ribeiro Rezende comentou a importância de decolonizar conceitos. “Precisamos estar atentos a esse risco de que nossas pautas feministas, raciais e outras sejam convertidas em mercadorias”, alertou.
Já Flora Fonseca, egressa da Especialização em Governança Territorial para o Desenvolvimento Saudável e Sustentável, comentou um trabalho realizado na Cidade Estrutural, comunidade do DF que fica há 20 minutos dos ministérios e enfrenta uma série de vulnerabilidades. “Veio a pandemia e queríamos fazer um projeto que fizesse sentido para aquela comunidade, que respondesse às suas demandas, que agisse junto com ela. Surgiu assim o Comitê Estrutural Saudável e Sustentável. Uma das frentes de atuação era a comunicação, porque a notícia não chega no território, ou chega numa linguagem que não dialoga com as pessoas”, contou. A comunicação popular é um jeito potente de entrar na comunidade, não deixar ninguém para trás, chamar todo mundo para participar, valorizar as lideranças comunitárias. Usamos jingle, forró, rádio comunitária, podcast, bicicleta de som. Houve dificuldades, grandes desafios, mas mais de 300 famílias foram assistidas. E hoje as moradoras que participaram do projeto continuam atuando, com ações de empoderamento social, fundo de resiliência, banco comunitário e economia solidária”, ressaltou.
A partir das narrativas compartilhadas por Iberê e Flora, os integrantes da Comunidade 9 – como Michele Meneses, Olímpio Oliveira, Socorro Souza e Ana Carolina Martins, entre outros – foram agregando seus pontos de vista e tecendo suas reflexões sobre a temática.
Em formato assíncrono, as Comunidades de Aprendizagem seguem até 22 de março, quando está previsto um evento de sistematização.
Confira a programação completa da I Mostra EGF-Brasília em www.even3.com.br/mostraescolafiocruzbsb