Amanda Sobreira (Fiocruz Ceará)
“A desigualdade étnico-racial gritou em todas as fases da pesquisa. Em todas as fases, as pessoas indígenas e as pessoas pretas tiveram alto percentual de infecção”. Essa foi uma das conclusões da pesquisa que analisou a evolução da prevalência de infecção por Covid-19 no Brasil, o Epicovid19-BR, segundo o coordenador do estudo e reitor da Universidade Federal de Pelotas, Pedro Hallal.
Os dados foram apresentados pelo pesquisador, na tarde desta quinta-feira (10/12), durante a Feira Digital de Soluções para a Saúde da Fiocruz. A palestra foi coordenada pelo pesquisador Paulo Gadelha, coordenador da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030. “Este é um trabalho primoroso, o maior inquérito epidemiológico da Covid-19 no Brasil, em um momento em que as universidades públicas têm sido subvalorizadas e subfinanciadas pelo governo”, comentou Gadelha.
A quarta fase da pesquisa nacional, financiada pelo Ministério da Saúde, ouviu e testou 33.250 pessoas em 133 cidades brasileiras. Ao todo, mais de 90 mil pessoas foram investigadas. “A gente queria ir à casa das pessoas para identificar aquelas que, eventualmente, estariam com o vírus ou já teriam tido contato com o vírus, mas que não tinham tido acesso aos serviços de saúde, mas a gente encontrou muito mais do que a ponta do iceberg”, afirmou Hallal.
O Epicovid-19 escancara a desigualdade social quando aponta que o novo coronavírus atinge duas vezes mais os pobres do que os ricos no Brasil, apesar de ter chegado ao país a partir das classes mais favorecidas. Na análise por nível socioeconômico, os 20% mais pobres da população brasileira têm o dobro das infecções, se comparados aos 20% mais ricos. A mesma desigualdade é observada quando a análise passa a ser por região. O maior percentual de infecção foi observado nas Regiões Norte (2,4%) e Nordeste (1,9%).
O epidemiologista também destacou que os resultados mais recentes revelam, de forma clara, a interiorização da pandemia. As cidades com maior soroprevalência na última medição foram Juazeiro do Norte (8%) e Sobral (7,2%) – ambas no Ceará. Outro dado apresentado indica o aumento da infecção nas crianças e nos idosos, e a relativa queda entre os adultos.
De acordo com a pesquisa, 9% das pessoas infectadas pelo vírus da Covid-19 foram assintomáticas. O levantamento também confirmou o que especialistas afirmam sobre a real dimensão da pandemia no Brasil: segundo o inquérito, nos locais pesquisados, o percentual da população com anticorpos é 6 vezes maior que o de casos notificados oficialmente pelo Ministério da Saúde.
O coordenador do estudo explicou a metodologia aplicada para a coleta de dados. Nesta fase da pesquisa, realizada entre os dias 27 e 30 de agosto, 2.300 agentes trabalharam aplicando questionários e fazendo os testes rápidos nos moradores. O epidemiologista acredita que a ciência e o Sistema Único de Saúde (SUS) sairão fortalecidos da pandemia. “A ciência sofre cortes constantes de todos os lados, mas ela está em todas as frentes de combate à pandemia, seja por meio de pesquisa, vacina, fabricação de testes. E o SUS esteve e continua em pé: a despeito da desvalorização do nosso sistema de saúde, foi ele quem impediu que essa tragédia gigante fosse ainda maior”, encerrou.