Cartilha lançada nesta quinta-feira (10) reúne os serviços psicológicos ofertados aos trabalhadores da saúde do Distrito Federal, linha de frente na pandemia de Covid-19
Transtornos severos e extremamente severos de ansiedade, depressão e estresse foram alguns sintomas identificados em mais de 60% dos profissionais de saúde das áreas de enfermagem, odontologia, farmácia, medicina e fisioterapia que atuaram na linha de frente no início do enfrentamento à pandemia de Covid-19. Trabalhadores de diferentes níveis de atenção à saúde do Distrito Federal: hospitais, unidades básicas de saúde, unidades de pronto-atendimento e clínicas. O dado foi obtido na pesquisa Saúde mental dos profissionais da saúde na pandemia da Covid-19 em Mato Grosso do Sul e Distrito Federal e resultou em uma cartilha interativa lançada nesta quinta-feira, 10 de fevereiro, durante evento on-line.
A publicação Cuidando-se: cartilha dos serviços psicológicos ofertados aos trabalhadores da saúde do Distrito Federal, fruto de parceria entre Fiocruz Mato Grosso do Sul e Fiocruz Brasília, reúne informações sobre serviços psicológicos oferecidos aos trabalhadores da saúde do DF, buscando facilitar o cuidado com a saúde mental e emocional desses profissionais.
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“Sabemos que o trabalho aumentou muito com a pandemia. Se antes tínhamos a questão de ansiedade e depressão, com a pandemia piorou, e ainda soma aos desafios ao chegar em casa, e com isso o esforço e a energia para se cuidar ficam para depois”, afirmou a pesquisadora em saúde mental da Fiocruz Brasília Rosana D’Orio Bohrer ao ressaltar que os profissionais da saúde estão sempre cuidando do outro, mas precisam se cuidar também.
O cansaço, a sensação de estar na reserva energética e as redes socioafetivas abaladas pela estrutura social, pela política e pela economia foram outros sintomas observados antes da pandemia e elencados pela coordenadora do Núcleo de Saúde Mental e Atenção Psicossocial em Emergências e Desastres da Fiocruz Brasília, Débora Noal. De acordo com ela, pandemias e eventos extremos geralmente são aceleradores de tempo e potencializam os sentimentos. “Agora estamos vivendo um mix de fase de alerta e fase de resposta. Temos que estar vigilantes e ao mesmo tempo dando conta do que a gente era nessa estrutura e o que o sistema já trazia de peso para a potência ou fragilidade da saúde mental. Mas como cuidar dessas pessoas que se propõem a cuidar?”, questionou ao lembrar que a resiliência da pessoa que cuida não é igual ao da pessoa que somente acessa a rede de cuidado.
Débora lembrou que em março de 2020, início da pandemia no Brasil, a sensação era de que todos os dias eram iguais. O que os pesquisadores da área da saúde mental sabiam é que havia uma suposição de que entre um terço e metade da população poderia vir a sofrer alguma manifestação psicopatológica, já que a sensação de interrupção e muitos outros sentimentos causam a exaustão. Segundo a pesquisadora, as reações mais frequentes são impotência perante acontecimentos, irritabilidade, angústia, medo, estresse, tristeza e sobrecarga, que causam uma série de conflitos, desgastes e embates entre os profissionais de saúde. A tensão dos locais de saúde, pela sensação de risco, somou-se a um agravante potencial de levar risco para outras pessoas.
Problemas psicológicos e psicossociais pela iminência da própria morte e da morte do outro, além de sintomas crônicos depois de um estresse pós-traumático são alguns dos sintomas esperados no final da pandemia, fase que a pesquisadora destaca que será de reconstrução e adaptação à nova realidade. “Nessa fase ainda é preciso garantir uma comunicação de qualidade e atualização precisa dos riscos e o que é esperado como reação dos profissionais de saúde, além do que de fato precisa de uma intervenção imediata das chefias, dos profissionais do trabalho ou até mesmo da cartilha. Se possível, alternar os trabalhadores entre atividades de alta e baixa tensão, garantir um descanso regular e espaços adequados. Pensar em estratégias de cuidado que permitam às pessoas serem humanas na linha de frente. Parece simples, mas é a simplicidade que vai fazer a diferença”, afirmou.
A pesquisadora destacou que a saúde mental é um processo, e psicólogos e psiquiatras são apenas a ponta do cuidado com a saúde mental. Por isso, é preciso uma política que de fato promova saúde e cuidado, e não que pense só no efeito, sintoma e reação. “Recomendamos que as estratégias de cuidado psíquico em situações de pandemia sejam de fato ações compartilhadas de cuidado, evocando sensação de pertença e amparo da sociedade. Cada um de nós tem uma parte na sensação de cuidado. Qual é a sua parte, o que você é capaz de oferecer? Ela vai ser fundamental para que as pessoas consigam enfrentar essa mistura da fase de recuperação e de resposta”, enfatizou.
De acordo com a psicóloga, é preciso olhar o mundo de forma muito mais integrada, uma estratégia coletiva, de cuidado social que é preciso ser reinventada. E a junção da academia, ciência, clínica, estrutura e o sistema de saúde como um todo é fundamental para pensar na reconfiguração da sociedade. “E isso leva tempo, mas só tem um jeito, se começar agora. Qual é o seu papel na reconfiguração de mundo, na luta por justiça, na luta por cuidado, no front do acolhimento? Que essa cartilha sirva como ponte, ferramenta e estratégia e que os profissionais de saúde consigam ter a sensação de que o cuidado é feito por cada um nessa estrutura. Esperamos que esse material sirva como um cardápio de restaurante, que os trabalhadores da saúde escolham aquilo que naquele momento acham que faz sentido, que possam sentir o cuidado através de cada uma dessas estruturas oferecidas. Temos que olhar o que é possível fazer junto, enquanto uma sociedade que transforma a partir do cuidado”, finalizou.
O papel das instituições
A diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio, destacou que a instituição realizou diversas atividades de saúde mental ao longo da pandemia e hoje o foco é o trabalhador da saúde, que sempre esteve na linha de frente. Para ela, é importante mapear e conhecer a realidade para pensar em estratégias de cuidado coletivo ancorado no SUS, além de viabilizar espaços de cuidado para os trabalhadores.
O papel da Fundação também foi lembrado pela conselheira presidente do Conselho Regional de Psicologia do DF, Thessa Guimarães, ao falar da produção de conhecimento sobre o cuidado da sociedade em contextos de emergência. “A Fiocruz muitas vezes tem dado o norte da nossa atuação em contextos de tragédias. É papel das instituições refletir, levar o debate e zelar pela saúde mental dos trabalhadores da saúde”, disse.
Para Rubia Marinari, psicóloga e gerente de serviços de psicologia da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, a pandemia trouxe inúmeros e imensuráveis desafios, e o legado e oportunidade de discutir a importância da saúde mental para investir em ações mais efetivas. “Enfrentamos várias fases da pandemia. É um trabalho incansável, sem pausa, com diferentes níveis de atenção. As questões e desafios na saúde são enormes, então iniciativas como a pesquisa e a cartilha são importantes”, completou.
Os resultados da pesquisa realizada dão pistas de como conduzir ações individuais e coletivas voltadas à saúde do trabalhador, além de políticas públicas, segundo a pesquisadora da Fiocruz Mato Grosso do Sul Débora Dupas. Por isso, o estudo terá uma nova fase de escuta de entrevista e grupos focais com trabalhadores de diferentes níveis de atenção para entender como a pandemia repercutiu na vida desses profissionais e quais são suas necessidades. Os dados darão subsídios para repensar a saúde do trabalhador.
Para assistir a gravação do evento de lançamento da cartilha, acesse bit.ly/lancamentocartilhadf
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