Cuidar de si para cuidar do outro

Nathállia Gameiro 14 de agosto de 2020


Roda de Conversa da Fiocruz Brasília ressalta a importância do autocuidado e da busca por alternativas que possibilitem o bem-estar em meio às mudanças provocadas pela pandemia

 

Nayane Taniguchi

 

A permanência do cenário de incerteza imposto pela pandemia de Covid-19 tem desafiado diferentes setores da saúde em relação a aspectos que vão além da contenção da doença no país. Um dos desafios diz respeito aos cuidados com a saúde mental. Como lidar com o desconhecido que provocou mudanças significativas na vida das pessoas, rompeu rotinas e transferiu para o ambiente doméstico funções antes desempenhadas em outros espaços? Para refletir sobre essa questão, na última quarta-feira (12/8), a Fiocruz Brasília promoveu, por meio do Projeto Vivenciando a Maternidade no Trabalho, a Roda de Conversa Virtual “Quem cuida de quem cuida?”, com a participação da psicóloga Melissa Mazzarello, especialista em mães e crianças, e do psicólogo clínico e educacional Eugênio Carlos Lacerda, do Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (CSEGSF/Ensp/Fiocruz).

 

O evento destacou a importância do autocuidado e da busca por alternativas e atitudes que proporcionem o bem-estar das pessoas que exercem o cuidado, nas diferentes relações e, de forma específica, na maternidade. O trabalho, as relações, a alimentação e a educação dos filhos estão confinadas nos lares. Associado ao descanso e à privacidade, o lar passou a ser local de trabalho, educação, diversão e conflitos. A cada novo dia, a vida íntima se mistura com a social. O cuidado e a educação, antes compartilhados, passaram a ser concentrados em duas, ou, até mesmo, em uma única pessoa. Em um momento como esse, surge uma interrogação: quem cuida de quem cuida?

 

Eugênio comparou a atual situação vivida a partir do distanciamento social com a chegada de um bebê recém-nascido, na qual é preciso lidar com o desconhecido e com o novo. “A vivência do isolamento é esse desconhecido, uma situação completamente nova, assim como quando chega um bebê à nossa casa”, pontuou. Entretanto, segundo o psicólogo, a diferença está na calma e no tempo que se tem para lidar com o novo. “O momento de pandemia tem nos exigido respostas rápidas, mas como tê-las para algo tão novo? Não há como ter respostas, e estamos tentando construí-las em meio a tudo isso. É possível que só as encontremos depois que tudo passar”, opinou.

 

O psicólogo afirmou que, em muitos casos, as telas – computadores, celulares, televisões, tablets estão “assumindo” o cuidado, seja do cuidador, seja das crianças. As telas “cuidam” nos momentos em que os pais precisam conciliar as atividades profissionais com os afazeres domésticos e a atenção aos filhos. “Em outros momentos, são os adultos que estão com vontade de gritar pelas mães”, acrescentou, ao ilustrar situações do cotidiano nas quais os filhos demandam atenção chamando as mães repetidamente ao longo do dia, o que resulta, inclusive, em situações de ansiedade.

 

Conforme o psicólogo, o atual contexto também faz com que se aumente essa ansiedade, como “o medo de não conseguir ser uma boa mãe e um bom pai, porque tudo é muito novo e não sabemos lidar com o desconhecido. A angústia e a ansiedade têm tomado conta das pessoas”, afirmou. Eugênio enfatizou ainda a importância da busca pelo cuidar de si mesmo, juntamente com o cuidado com o outro. “Precisamos cuidar de nós, eu e você. Tem hora que eu cuido de mim e você cuida de você. Tem hora que eu cuido de você e você cuida de mim. Haverá momentos em que nós dois vamos cuidar de nós dois. É uma dinâmica: eu cuido do outro, cada um cuida de si e ambos cuidamos de nós”, exemplificou.

 

Eugênio pontuou alternativas de cuidado que podem ser adotadas de forma coletiva, entre elas a meditação, psicoterapia, atividade física e alimentação equilibrada, além de outras boas práticas que estimulam o autocuidado, mas elencou, também, os desafios de incorporar tais práticas em um cotidiano já repleto de tarefas que precisam ser exercidas. “Na nossa singularidade, como levar tudo isso adiante com todas as outras tarefas e cuidados que temos que executar, com a casa, filhos, o trabalho intenso feito de forma remota, e ainda ter que cuidar de nós mesmos?”, questionou.

 

Melissa destacou a responsabilidade e sobrecarga vivenciadas, em grande maioria, pelas mães, que têm ainda que lidar com as questões profissionais no contexto da maternidade. A psicóloga pontuou ser comum que, em processos seletivos, as mulheres sintam insegurança ao falar sobre serem mães, e ressaltou ser importante ter um olhar diferenciado, reconhecendo as habilidades e potencialidades adquiridas com a maternidade, como melhor gestão do tempo, definição de prioridades e mudanças de posturas, entre outras. “Nossa responsabilidade aumenta com a maternidade, olhar que é necessário nos primeiros anos de vida da criança. A gente começa a se redescobrir como mulher e como mãe, e esse processo traz dores e desafios”, disse.

 

Em meio a todas essas questões, para Melissa, a pandemia impôs novas situações, sem direito de escolha e eliminando as “válvulas de escape” existentes antes do distanciamento social. “Tenho que estar ali e buscar estar bem. Por mais que a realidade não seja a que se quer e que não é seja a melhor, a aceitação da realidade é necessária”, afirmou. Para a psicóloga, negar a realidade não é o caminho. “Ninguém vai passar ileso por esse processo. Vamos sentir raiva, tristeza, solidão, sobrecarga, isso vai acontecer dentro da gente”, acrescentou. Entretanto, Melissa também lembrou que, mesmo antes da pandemia, a sociedade já caminhava para um processo de individualização, com a perda da rede de apoio e da convivência em comunidade.

 

Em busca do bem-estar

Buscar a intenção no que se faz e agir de forma consciente são posturas que podem contribuir para sentir bem-estar individual, conforme os convidados, além de programar momentos no dia a dia, ainda que breves, para o autocuidado, identificando oportunidades para a promoção do desse cuidado. Com as crianças, Eugênio sugeriu escolher brincadeiras que se tenha prazer em fazer com os filhos, propondo atividades agradáveis e divertidas também para o cuidador.

 

Melissa afirmou ser necessário voltar o olhar para si mesmo, criar momentos, aprender a definir as prioridades e a pedir ajuda em situações de sobrecarga. “O que é essencial nesse momento de pandemia? Se cuidarmos da saúde mental já vamos sair vitoriosos. Não é fácil para ninguém lidar com tudo isso”, complementou, sugerindo uma rotina de escrita. “Escrever é um processo terapêutico, busque fazer um diário sobre esse momento”, recomendou.

 

De acordo com a psicóloga, proporcionar afeto ao outro também é importante para o próprio bem-estar. “O que podemos fazer por quem está perto? Uma mensagem, um telefonema, ouvir, compreender, acolher. Não é necessário muito para fazer a diferença”, concluiu.

 

Assista a íntegra da Roda de Conversa aqui.