Hora do rush. Noite de show da banda de rock norte-americana Red Hot Chilli Peppers. Preocupado com o trânsito, enquanto aguardava o transporte que o levaria até o Centro de Cultura e Desenvolvimento de Paranoá (Cedep), o pesquisador Edward Maia explicava como seria a primeira atividade com os cerca de 50 alunos do Curso Livre Diálogos sobre Economia Solidária para a Promoção de Territórios Saudáveis e Sustentáveis no Distrito Federal (DF). “Vamos nos apresentar, nos conhecer, explicar a proposta, alinhar as expectativas”, explicou Edward, do Colaboratório de Ciência, Tecnologia, Inovação e Sociedade da Fiocruz Brasília.
E as expectativas que aguardavam o professor eram as melhores possíveis. Já a caminho, mas ainda preocupado em não se atrasar, orientava o motorista para seguir o caminho mais rápido, e falava sobre a importância daquele momento. Cinco territórios do DF participam do projeto: Estrutural, Pôr do Sol, Sol Nascente, Itapoã e Paranoá. Nos três primeiros já foram realizadas formações sobre governança territorial – que se refere à ativação e mobilização de redes com os moradores para a identificação e o monitoramento de indicadores na comunidade, possibilitando tomada de decisões e intervenções assertivas em prol da saúde e do desenvolvimento local.
A partir de agora, as formações chegam também aos outros dois territórios, e inauguram um novo tema: economia solidária, com o foco direcionado à geração de trabalho e renda na comunidade. “No final, a ideia é trabalhar todos os temas com todos os territórios, e estender a experiência para outras Regiões Administrativas do DF e outros locais do país, o que já vem sendo articulado, assim como possíveis parcerias com países da América Latina”, adiantou Edward. No que depender da primeira turma do Curso Livre Diálogos sobre Economia Solidária, a experiência a ser levada adiante vai ser a melhor possível.
Às 19h10 da última terça-feira (7/11), com apenas poucos minutos de atraso, ao chegar ao Cedep, Edward foi recebido por um grupo animado, em busca de oportunidades e disposto a compartilhar e aperfeiçoar seus saberes e práticas, conforme sublinhado por Leila Maria de Jesus Oliveira, integrante da coordenação colegiada do Cedep. As pessoas ali presentes, em sua maioria mulheres, de idades variadas, desde jovens até idosas, provavelmente conheciam a história que Leila contou. Mas ouvi-la lembrou a todos a potência de uma comunidade unida e organizada, e do que ela é capaz.
A Vila Paranoá nasceu como um povoado formado pelas famílias dos trabalhadores que construíram a barragem do lago. Permaneceram no local depois de concluídas as obras, até que quiseram tirá-los de lá, na década de 1980. “Um ‘arrancamento’, porque suas vidas e histórias já estavam enraizadas no território, e não tinham para onde ir”, afirmou Leila. Os moradores resistiram e acabaram instalados em uma área próxima. “Fizemos barulho, nos chamaram de baderneiros, quiseram nos desqualificar. Para o poder estabelecido, quando a comunidade se organiza, é um perigo, mas, para nós, é força”, destacou. As lutas continuaram – e seguem até hoje – pela garantia de direitos e pela preservação da área original como um parque. “Se não poderíamos ficar na Vila, então mais ninguém poderia. Não poderíamos sair para ceder lugar à exploração imobiliária”, defendeu. “Nossa luta não está começando, está avançando, e, agora, com a parceria da Fiocruz, vamos retomar o trabalho com a economia solidária. No final, teremos ainda mais histórias para contar”, contextualizou.
Histórias para contar e conhecimentos para multiplicar, de forma cooperativa. Essa é justamente a proposta do Curso Livre Diálogos sobre Economia Solidária, que contará com aulas expositivas dialogadas e muitas discussões de exemplos práticos. “O Curso pretende despertar ideias para geração de trabalho e renda no território. As fases seguintes buscarão estruturar essas ideias em projetos e desenvolvê-los em um processo de incubação social, consolidando soluções reais e sustentáveis para a comunidade”, explicou Edward. Para a efetivação do Curso e seus desdobramentos, o Colaboratório da Fiocruz Brasília conta com uma equipe que atua diretamente nas ações territoriais de educação popular junto às comunidades nesse projeto, com destaque para Bel Miranda, Cecília Sampaio, Kaká Chagas, Rita Ribeiro e Luana Sena.
O projeto prevê a seleção de multiplicadores entre os egressos do Curso, que terão o papel de formar outras pessoas, articuland0-se uma rede de economia solidária com centenas de participantes nos territórios. Há previsão também de uma hackatona de tecnologias sociais, uma maratona para o desenvolvimento das soluções, alinhadas à Agenda 2030.
Em sua apresentação, Edward percorreu brevemente os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que serão analisados mais profundamente ao longo do Curso e orientarão o debate sobre a participação social em políticas públicas voltadas ao território. “A nossa luta sempre foi pautada por essas questões que, hoje, aparecem nos ODS. Somos um grão de areia, mas pensa no incômodo que um grão de areia provoca quando cai no olho! Esse grão de areia somos nós no olho do sistema, fazendo a transformação social”, resumiu Maria Delsione da Silva, voluntária no Cedep e uma das alunas do Curso.
O entusiasmo de Maria Delsione e seus colegas de turma em nada se parece com a melancolia de Under the bridge, que desponta entre as canções mais populares da banda Red Hot Chile Peppers em um famoso aplicativo de música. Mas a metáfora do grão de areia bem poderia inspirar uma letra de rock…
Saiba mais sobre o Curso
Desenvolvido pelo Colaboratório de Ciência, Tecnologia, Inovação e Sociedade da Fiocruz Brasília, sob coordenação do professor e pesquisador Wagner Martins, o Curso Livre Diálogos sobre Economia Solidária para a Promoção de Territórios Saudáveis e Sustentáveis no DF trabalha conceitos, exemplos e práticas que envolvem a economia solidária. Está organizado em três módulos, com carga horária de 56 horas, e traz conteúdos importantes para que o território possa fomentar empreendimentos sustentáveis de economia solidária. Esta primeira edição será realizada nas Regiões Administrativas Paranoá e Itapoã, no DF, com cerca de 50 selecionados pelo processo seletivo já realizado. Sempre às quintas-feiras à noite e aos sábados pela manhã, as aulas irão combinar teoria e prática, de modo que os participantes possam compreender os conteúdos para utilizar os conhecimentos adquiridos em sua realidade. Ao final do Curso, os concluintes receberão certificado da Escola de Governo Fiocruz – Brasília. No módulo final, estão previstas atividades práticas e as melhores ideias propostas poderão receber uma pontuação diferenciada em uma futura hackatona de tecnologias sociais. O projeto conta com recursos de emenda parlamentar do deputado Israel Batista.