Mateus Quevedo / Núcleo Angicos / Fiocruz Brasília
Na manhã da sexta-feira, 14 de junho, os residentes do Programa de Residência Multiprofissional em Atenção Básica da Escola de Governo Fiocruz-Brasília participaram da aula ‘Democracia e Participação Social’ com o jurista, delegado da 8ª Conferência Nacional de Saúde e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB), José Geraldo de Sousa Júnior. A aula faz parte do módulo de Educação Popular em Saúde e aponta para importância de uma prática de cuidado emancipatório.
José Geraldo iniciou a sua aula para os cerca dos 80 residentes presentes no auditório 3 da Faculdade de Ciências da Saúde da UnB, sobre o conceito de amorosidade, um dos princípios da Política Nacional de Educação Popular em Saúde (Pnep-SUS), “com a perspectiva de construção de uma sociabilidade que se mova pela relação afetiva”. Ele lembrou o trabalho de Jean-Jacques Rousseau em ‘Discurso sobre as ciências e as artes’ de 1750, onde o filósofo decreta que o papel das ciências e das artes é de “realizar a felicidade humana” e aponta para a importância da mobilização para se fazer cumprir esse papel.
Outro pensador trabalhado por Geraldo foi o francês Roland Barthes, que utilizou a frase “a língua é fascista” em uma conferência inaugural no Collège de France. “A língua corre o risco de fascismo quando nos obriga e significar as coisas de um só modo”, explicou Sousa ao interpretar a frase de Barthes. “Toda discussão que a gente fizer precisa partir do pressuposto do que falamos”.
Para melhor explicar, ele lembrou a designação que receberam a primeira e a última versão das constituições do Brasil. A primeira, de 1824, conhecida como Constituição da Mandioca, que estabelecia direito ao voto somente aos brasileiros com renda anual igual ou superior a 150 alqueires de mandioca. E a última, a Constituição Cidadã, de 1988, que privilegia a saúde como um direito universal e garante a participação a partir dos conselhos e conferências.
“O que separa uma constituição da outra é a luta por emancipação, só assim foi possível sair da absoluta alienação do trabalho para uma constituição onde a emancipação não encontra limites” apontou. “É necessário se armar de capacidade ativa para fazer com que essa consciência, que a história permite se abrir como condição de presença na realidade, se transforme em ação política e emancipatória”, continuou.
Segundo o jurista, as transformações necessárias para radicalizar a democracia é resultado de um movimento social em que o processo é iniciado e conduzido por sujeitos que se associam a um objetivo comum. Foi assim, que ele explicou como o movimento social sanitarista foi protagonista na formulação do direito à saúde garantido na Constituição de 88.
“Foi trabalhado a construção pelo engajamento do movimento sanitarista que levou a configuração de uma concepção de saúde como um direito e não como uma mercadoria, é o Sistema Único de Saúde (SUS), que significa que a democracia não é uma abstração, mas, uma concretude de sujeitos que a realizam a partir do processo participativo, não é poder não é apenas poder constitucional, mas poder de povo”.
Logo depois da explanação sobre o tema, o professor abriu para que os jovens residentes pudessem interpelá-lo. Isabela de Almeida Menezes, da 4ª turma da Residência, falou sobre a importância deste debate para as turmas de residentes. “Que bom que a gente escolheu estar aqui, de estar neste lugar de residentes, de especialista de saúde pública, de defender o SUS, não é o caminho mais fácil, o mais rentável, mas é o que transforma o mundo, o futuro, as pessoas, a educação, a saúde, a saúde pública”.
“Qualificar a participação nas conferências distritais de saúde é um passo importante e que muito tem haver com esse processo de emancipação, tivemos residentes que participaram das conferências e puderam entender os desafios e potencialidades do processo de participação social”, apontou Luciana Tavares Barbosa, integrante do Núcleo de Educação Popular, Cuidado e Participação na Saúde (Angicos) da Fiocruz Brasília.
Mais residentes e integrantes do Angicos fizeram uso da palavra, em um processo, como o próprio José Geraldo apontou, de confiança. “Pelo que percebi de todos que manifestaram a presença de um conhecimento que se realiza, que não é apenas tópico no sentido da sala, do programa, é, também, em uma dimensão transformadora, utópica, de constituir um pensamento que transforma, pensamento-ação”, finalizou, apontando para mais um pensador, desta vez latino, Orlando Fals Borda e seu sentipensar.
A coordenadora adjunta do Programa de Residência, Dandara Macedo, encerrou a aula agradecendo o papel que José Geraldo vem cumprindo para o fortalecimento da participação popular. “Esta aula teve como objetivo aprofundar o entendimento de democracia e participação popular, no sentido de que os residentes sejam profissionais que integrem o SUS de forma a inspirar transformações necessárias para fortalecê-lo, para que os espaços de saúde sejam espaços participativos, promotores da democracia e do protagonismo do povo”, encerrou.
Fotos: Mateus Quevedo