Mariella de Oliveira-Costa
Como podemos mudar nossa agricultura? Como alterar nossos cuidados com a vida? Essas indagações nortearam o evento virtual Diálogos sobre Saúde, Sociedade e Sustentabilidade, promovido pela Fiocruz Brasília, por meio do Programa de Saúde, Ambiente e Trabalho, no dia 15 de outubro.
A diretora da Escola de Governo Fiocruz – Brasília, Luciana Sepúlveda, abriu o evento lembrando que ele marca o dia dos professores na instituição, e apresentou a necessidade de se vincular as ações de educação e saúde, sendo uma determinante da outra na vida cotidiana.
O dirigente da Seção de Ciências Sociais do Instituto Goetheanum (Suíça), Gerald Häfner, que é uma das principais referências da medicina antroposófica no mundo, parlamentar e co-fundador do Partido Verde na Alemanha, fez uma série de reflexões sobre o lugar da humanidade em um mundo em crise.
Ele lembrou que, a partir da pandemia, se prevalece a ideia de que basta cada pessoa se proteger. Porém, não é só o indivíduo, e sim o organismo social que está doente, sem harmonia com a vida no planeta. “Se respiramos todos o mesmo ar, somente juntos podemos sanar as crises sociais que devastam o mundo”, disse.
De fato, a relação do homem com o meio ambiente e a vida precisa ser de cooperação, não de competição. O avanço de doenças virais que são transmitidas de animais para humanos são observadas em locais em que a fauna é mantida em situação de estresse extremo, e isso contribui para o surgimento de condições favoráveis para as zoonoses. Não é possível, na visão do professor, que se veja o mundo só como um espaço para explorar, destruir, extrair tudo, mas é preciso sentir a Terra, e ouvir suas necessidades. “O caminho da antroposofia é esse, que nos conecta de forma profunda e existencial com o mundo. Desde o genoma à bomba atômica, desenvolvemos tecnologias que nos dão a possibilidade de destruição total do planeta, mas não aprendemos o que realmente significa a vida, e o que a compõe. Nós perdemos a relação para com o mundo espiritual. Essa relação precisa ser resgatada através de experiência interior própria, pelo conhecimento conquistado por cada pessoa.
E continuou: “Vivemos num tempo em que sabemos o preço de tudo, mas o valor de nada . Nossa maneira de pensar contempla o restante do mundo como morto. E a sustentabilidade começa quando a gente retoma a capacidade de se relacionar com o outro”. O palestrante exemplificou que, antigamente, os porcos criados pelos agricultores comiam os restos das comidas que sobravam das fazendas, mas hoje, na Alemanha, um criador de porcos tem, em média, mais de oito mil porcos para o abate industrial, criando sofrimento aos animais. A situação das abelhas também foi citada, pois estão ficando com cada vez menos áreas floridas para polinização, devido à expansão desordenada da agricultura e pecuária para atender às necessidades de consumo. No estado alemão da Bavária, porém, uma iniciativa popular colheu mais de 1,7 milhão de assinaturas para proteger as abelhas, propondo que até 2025, 20% dos espaços agrícolas sejam destinados a orgânicos e 30% até 2030, além de 10% das áreas verdes sejam destinados ao cultivo de flores para atrair mais abelhas. A proposta virou lei naquele estado, e demostra que é possível que cada pessoa faça escolhas que contribuam para essa melhoria para a Terra, como saber de onde vem os alimentos e produtos que você compra, e assumir sua responsabilidade para além daquilo que é estritamente de consumo, mas se engajar nas questões como cidadão responsável pelo mundo.
A pesquisadora da Fiocruz Pernambuco Islândia Carvalho criticou a ideia de que seja possível separar a saúde, a sociedade e a sustentabilidade. Ela lembrou que, desde pequenos, somos ensinados a pensar que nós estamos apartados do meio ambiente. Os ciclos da água e ciclos do oxigênio ensinados nas escolas, geralmente não mostram a inter-relação entre homem e natureza, e ao intervir nos solos e usar agrotóxicos, parte de nós está sendo contaminada, pois o mundo não é feito de partes separadas, mas um conjunto integrado e complexo. “Quando a floresta queima, quando um vírus aparece na China, o ar que respiramos é o mesmo, então, se compartilhamos a mesma água e ar, um animal não morre só”, afirmou. A pandemia é consequência de nossos atos individuais e coletivos, mas trouxe a possibilidade de criar novos fenômenos, de não parar de lutar, e articular novos instrumentos para que as pessoas busquem uma vida sem males, integrada ao planeta Terra, conforme vivência dos povos indígenas. “Tudo que ocorre na Terra, ocorrerá aos filhos da Terra,” disse.
O coordenador do Laboratório de Práticas Alternativas, Complementares e Integrativas em Saúde da Unicamp, Nelson Felice, também ressaltou essa necessidade de mudança nas relações de consumo, para que as pessoas reconheçam a possibilidade de participar de uma nova regulação. Segundo ele, é preciso compreender como populações miseráveis, em situação de insegurança alimentar, produzem sustentabilidade, dando exemplo do Movimento Sem Terra, que é o maior grupo produtor de arroz orgânico no Brasil. “Tentar desenvenenar a terra é um caminho importante, mas é um desafio pensar como essas populações, que têm menos acesso às relações de poder político e jurídico, no entanto, desenvolvem relação sustentável com a terra”, ressaltou. Ele também criticou o governo federal que, na sua visão, assume uma postura neocolonial, trazendo para o Brasil a posição de colônia em favor de outro país.
Concorda com ele a deputada federal Érika Kokay (PT-DF), que trouxe a público a importância de se eliminar a lógica autocentrada, que impede que o outro seja visto na sua diversidade. Segundo ela, está em curso no Brasil uma política anti-ambiental. “Fazemos parte de uma trama de vida e temos nossas peculiaridades, trançando nossa relação com a própria sociedade. A lógica da mão invisível do mercado captura o sagrado, os desejos, os corpos e a própria identidade. É preciso elevar nossa capacidade de refletir sobre nós, para que não sejamos invisibilizados na nossa humanidade e resgatar nossa relação com as energias vitais, sem ser espectadores de nossas próprias vidas”.
A atividade contou com a mediação do médico Marcos Trajano e pode ser assistida no canal da Fiocruz Brasília no Youtube, do link