Durante um procedimento ou tratamento de saúde podem ocorrer eventos adversos, mas pesquisas apontam que somente 30% dos incidentes são revelados para os pacientes. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), essa é uma das dez principais causas de morte e incapacidade no mundo. Em países de alta renda, estima-se que um em cada dez pacientes sofra algum dano ao receber cuidados hospitalares. Já em hospitais de países de baixa e média renda, a cada ano, 134 milhões de eventos adversos ocorrem devido a cuidados em saúde inseguros, resultando em 2,6 milhões de mortes.
A literatura mostra que os hospitais falham em comunicar adequadamente a ocorrência de um incidente ou até mesmo tentam escondê-lo. Diante desse cenário, é urgente tratar o disclosure de forma transparente, adequada e empática. A reflexão está no artigo Disclosure de incidentes de segurança do paciente sob a ótica do Direito do Paciente, assinado pela professora do Programa de Pós-graduação em Bioética da Universidade de Brasília (UnB) Aline Albuquerque, e publicado na última edição do Cadernos Ibero-Americanos de Direito Sanitário (CIADS). O texto busca demonstrar a incidência dos princípios e direitos dos pacientes no disclosure, que comumente não está associado a esses direitos, mas sim a obrigações profissionais e institucionais.
O disclosure é o processo de diálogo aberto com o paciente e familiares, com espaço de escuta para todos as pessoas envolvidas, a adoção de medidas de reparação do dano ocasionado ao paciente e uma ferramenta de efetivação dos seus direitos. A autora define ainda como elemento chave da resposta precoce e da investigação de incidente de segurança do paciente.
A pesquisadora analisa que a prática aberta e honesta do incidente de segurança do paciente ainda não é bem conhecida e disseminada no Brasil, e nem mesmo consolidada nos Estados Unidos, berço do disclosure. De acordo com Aline, é comum encontrar menções ao conceito como um processo de transmissão de informação ou uma mera comunicação de incidente de segurança, o que viola direitos dos pacientes, como o direito à informação, o direito de acesso ao prontuário, o direito à reparação integral e o direito à confidencialidade das informações pessoais.
Por meio de pesquisa teórica, o artigo sustenta que o disclosure deve inicialmente responder às necessidades de saúde física e mental do paciente, informar sobre a condução de investigação interna sobre o ocorrido, buscando contribuir para a prevenção e a detecção de erros assistenciais. Sendo assim, deve conter cinco elementos essenciais: pedido de desculpas, explanação factual sobre o que aconteceu, oportunidade para o paciente e familiares relatarem suas experiências, conversa sobre as consequências potenciais do incidente, e explicação sobre as medidas adotadas para manejar o evento ocorrido e a prevenção de eventos futuros.
No artigo, Aline faz a demarcação conceitual do disclosure, de 1987 até os dias atuais, com a explanação do incidente enquanto um dever ético. Fala ainda sobre os desafios para a disseminação do disclosure como uma prática rotineira da instituições de saúde, e reflete que não deve ser uma ação isolada do profissional de saúde, mas incorporada nos equipamentos de saúde como uma cultura, reforçando o compromisso com a segurança do paciente e a qualidade dos serviços prestados.
O artigo inova ao incorporar a perspectiva do paciente aos estudos sobre disclosure e o seu reconhecimento como titular de direitos.
Para a autora, a cultura justa e restaurativa atende melhor às necessidades dos pacientes e familiares, na medida em que permite a revelação de um incidente sem culpabilização do profissional, centraliza as necessidades da vítima do dano no centro do processo e demonstra, para o paciente, que ele pode confiar nos profissionais e nas instituições de saúde e no seu empenho em aprender com o evento adverso para evitá-lo no futuro.
“Sabe-se que é necessário incluir o disclosure nos cursos de medicina, enfermagem e de outras áreas da saúde, bem como capacitar os profissionais para realizá-lo, entendendo-o como uma política da instituição de saúde e não uma providência isolada de um profissional ou uma equipe de saúde”, afirma a pesquisadora no texto acadêmico.
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