A Fiocruz Brasília foi palco, na última quinta-feira (16), do lançamento do documentário Seguir Adiante (Salir Adelante). O filme deu voz a venezuelanas que migraram para o Brasil em busca de segurança, bem-estar e acesso a direitos devido às crises econômica, política, social e humanitária do país.
No caminho, diante da fronteira fechada devido à pandemia de Covid-19, muitas entraram de forma irregular em solo brasileiro e com maior risco. Com isso, sofreram violência psicológica, física e sexual. Até janeiro de 2023, o Brasil recebeu cerca de 414 mil refugiados e migrantes venezuelanos. As situações vivenciadas, as vulnerabilidades, barreiras culturais e linguísticas e os desafios enfrentados por sete venezuelanas são contados no filme dirigido por Bruna Curcio, que tem duração de 26 minutos. Os depoimentos mostram a dedicação dessas mulheres às famílias e gira em torno de três temas-chave: cuidado e autocuidado, violência de gênero e barreiras de acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva.
As pesquisadoras Natália Cintra e Pia Riggirozzi, ambas da Universidade de Southampton (Reino Unido), e Zeni Carvalho Lamy, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), também integram o documentário, fruto de pesquisa internacional liderada pela Universidade de Southampton (Reino Unido) em parceria com a Universidade Federal do Maranhão (Brasil), Fundação Oswaldo Cruz (Brasil), Universidad de los Andes (Colômbia), FLACSO (El Salvador) e University of York (Reino Unido).
Parte dos dados coletados entre 2020 e 2023 estão presentes no filme. “A pesquisa mostra as necessidades de saúde sexual e reprodutiva dessas mulheres migrantes da Venezuela e exige que esses princípios sejam melhorados na prática,” afirmou o vice-presidente de Pesquisa e Coleções Biológicas da Fiocruz, Rodrigo Correa-Oliveira durante o evento. As pesquisadoras Maria do Carmo Leal, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz (ENSP/Fiocruz) e Zeni Carvalho Lamy da UFMA apresentaram os resultados da pesquisa.
Os números surpreendem: quase 53% saíram do país de origem por causa da fome, 37,8% em busca de acesso a serviços de saúde, 27,3% por sofrerem violência e insegurança e 23,2% em busca de trabalho. Das mulheres de 15 a 49 anos que entraram no Brasil por Manaus, 28% pagaram a alguém que prometeu facilidades de entrada e 44% em Boa Vista. A maioria dessas mulheres é jovem, entre 24 e 35 anos, sendo 14% adolescentes, com ensino médio completo, de cor parda e com alta taxa de fecundidade.
Cerca de 25% das mães deixaram pelo menos um filho no país de origem. No Brasil, quase todas tiveram acesso a documentos e a serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), como vacinação, exames de diagnóstico, prevenção, check up ou por apresentarem alguma enfermidade.
Maria do Carmo Leal, pesquisadora da Fiocruz, explicou que a maioria das vulnerabilidades enfrentadas por essas mulheres foram discriminação, uma nova língua, diferentes valores culturais, desconhecimento de direitos e da proteção do Estado. “Muitas afirmaram se sentir indesejáveis e identificadas como pessoas que tiram oportunidades de trabalho de brasileiros e sobrecarregam os serviços sociais e de saúde, colocando em risco a segurança das pessoas”, relatou.
Para a coordenadora geral da pesquisa, Pia Rizzigotti, o Brasil é pioneiro por entender que a saúde é um direito, que se relaciona com dignidade, autonomia e outros determinantes sociais. “A pesquisa pode ser usada para melhorar práticas e gerar políticas de saúde adequadas, serviços e proteção à saúde a longo prazo para migrantes”.
O estudo revelou ainda que para as mulheres as necessidades vão além do acesso a preservativos, tratamento de infecções sexualmente transmissíveis e pré-natal, mostrando uma demanda por informações sobre planejamento familiar e prós e contras de muitos métodos contraceptivos. Como resultado da pesquisa, foram feitas recomendações de política e gestão, como a garantia de direitos socioeconômicos e inclusão social como determinante de saúde, políticas de atenção à saúde sexual e reprodutiva.
A importância das políticas públicas pensadas a longo prazo também foram destacadas pela cientista da UFMA, Zeni Lamy. “Não são mais situações emergenciais. O SUS é universal, mas temos dificuldades e agravantes que necessitam ser superados”, disse.
Já a ministra da Saúde, Nísia Trindade Lima, destacou a relevância da temática e da resolutividade da atenção básica na saúde no cuidado de vidas que não foram cuidadas, e vibrou ao falar da retomada de forma efetiva da agenda da saúde da mulher na pasta.
Participaram também do evento a diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio, a diretora de Pós-Graduação da UFMA, Flávia Nascimento, e a pesquisadora da Universidade de Los Andes (Colômbia), Jovana Ocampo, que apresentou o guia Agape, que tem como objetivo projetar uma estratégia comunitária de formação de pares em direitos sexuais e reprodutivos nas mulheres migrantes venezuelanas. A conferência contou ainda com a apresentação de estudo sobre o acesso à saúde, qualidade e financiamento da proteção de risco entre as mulheres venezuelanas no Brasil pelo pesquisador da University of York, Ivan Ochoa Moreno.
O filme também foi exibido no Centro Cultural de Brasília e está concorrendo a festivais nacionais e internacionais.