O papel da comunicação comunitária foi debatido nesta quinta-feira (10) durante o III Seminário Internacional e VII Seminário Nacional As Relações da Saúde Pública com a Imprensa. A colaboradora externa da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília Mariana Ferreira Lopes, a definiu como uma das estratégias de comunicação de risco, ao falar sobre a importância da escuta, observação e a necessidade de relatos de experiências que façam com que pesquisadores e gestores repensem como é possível atuar em futuros cenários de crise.
“A informação de qualidade precisa chegar à população para uma tomada de decisão que vise a adoção de atitudes e mudanças para garantir, a partir de ações individuais, o bem coletivo. A comunicação de risco tem o papel de construir fluxos de informação entre especialistas, profissionais de saúde, gestores, comunicadores e comunidades que estão em risco”, disse a jornalista.
A ideia de risco se constrói a partir do perigo resultante da análise da situação de saúde e indicadores pelos especialistas e pela reação emocional da comunidade. O risco é percebido pela população a partir daquilo que incomoda, causa medo e indignação, e por isso, essa comunicação deve equilibrar essas percepções e alinhá-las quando necessário.
Mariana reforçou a necessidade de trabalhar com processos contínuos na comunicação de risco, que não acontece apenas em cenários epidêmicos, mas se fortalece também em cenários não epidêmicos. Ela apresentou estratégias como a educação em saúde e a orientação preventiva e falou sobre a importância de superar o modelo de comunicação unidirecional que pensa em um fluxo que não olha para o receptor. “É um sujeito concreto cuja cabeça que pensa está em um corpo que sente e está fincado em um território com realidade atravessada por muitas mediações”, definiu ao falar das diferentes reações do público diante das situações, e que por isso é preciso levar em consideração crenças e atitudes e como isso repercute na produção de mensagens, sempre adequando à realidade.
Durante a pandemia, a jornalista relatou que foi observado um movimento importante de protagonismo da comunicação popular e comunitária e com isso trouxe a necessidade de entender as demandas dos territórios e trazê-los junto ao pensar nas estratégias de comunicação. Para isso, o mapeamento e articulação com lideranças comunitárias, que conseguem entender as realidades e são sujeitos que inspiram uma confiança e credibilidade maior que um agente externo, pode ser usada como estratégia ao pensar nas realidades e no que faz sentido para as comunidades e na maneira que nos comunicamos.
“A comunicação de risco só vai ter sentido se conseguir mobilizar e levar mudança de atitude e percepção. Isso é um trabalho de mobilização social em que a comunicação comunitária deve ser um movimento aliado em um processo horizontal, que começa pela escuta e mobilização. Precisamos sair da figura de emissor da informação, mas também consolidar como aquele que vai responder às preocupações”, destacou.
Na prática
A Covid-19 evidenciou uma série de desigualdades e a importância da comunicação na luta pelo direito à saúde. Durante o período mais crítico, surgiram iniciativas para ajudar as populações vulneráveis, ao mesmo tempo em que as mais antigas se fortaleceram. É o caso do Nós por Nós, coletivo de mulheres da Cidade Ocidental, município do estado de Goiás que faz parte do Entorno do Distrito Federal, que nasceu em 2016 da ideia de mulheres ajudarem outras mulheres, com apoio inclusive emocional e o objetivo de contribuir de maneira positiva para mudanças efetivas na vida de todas.
Priscilla Rodrigues, membro do coletivo falou sobre as ações realizadas para se inserirem na comunidade antes da pandemia e durante a pandemia, quando inicialmente se sentiram paralisadas, mas viram a necessidade de suprir demandas urgentes, como acesso a alimentos, produtos de higiene e outras necessidades básicas, além de informações. “Entendemos que a informação era a maior arma que a gente poderia ter. Então junto com os kits de higiene, entregamos um panfleto com várias informações sobre a Covid e sobre higienização”, explicou.
Realizando ações em parceria com a Rede Urbana de Ações Socioculturais (Ruas), o coletivo criou um relacionamento e se consolidou como fonte confiável de informação da comunidade, e para isso, organizou um processo de escuta e mapeamento para ajudar as pessoas com quem se comunicavam.
“O processo de se comunicar dentro da comunidade é complexo porque para chegar às pessoas é preciso um mapeamento das dores e angústias para produzir um material que realmente passe a informação, além de mapear lideranças comunitárias para chegar nas pessoas e ser reconhecido como ponto de acolhimento e informação confiável”, afirmou ao lembrar que é essencial ter empatia pelas pessoas.
Lambe, posts nas mídias sociais, panfletos, carro de som e podcast foram alguns meios utilizados para falar chamar as mulheres para rodas de conversa sobre violência contra a mulher e de gestantes de apoio e assistências às mães. “Sentimos dificuldade, quando idealizamos, pensamos que muita gente iria, mas não foi isso que aconteceu. Às vezes conseguimos organizar tudo o que parece mais difícil, como trazer profissionais, pensamos em todas as ferramentas de comunicação, mas somos frustrados nas tentativas porque não entendemos a perspectiva do outro, que raramente é igual à nossa, mesmo inseridos no mesmo contexto social. Foi preciso mudar a rota, usei como estratégia dar um ensaio fotográfico às gestantes que comparecessem a pelo menos metade dos encontros”, contou ao evidenciar que não existe uma fórmula de comunicação comunitária porque cada comunidade exige uma pauta, estratégia e tipo de mobilização.
A mesa de debate foi moderada pela assessora de comunicação da Coordenação de Cooperação Social da Presidência da Fiocruz, Luiza Gomes e foi transmitida ao vivo pelo canal da Fiocruz Brasília no Youtube.
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