Fernanda Marques
Em tempos de pandemia, como contribuir para o enfrentamento da Covid-19? Um grupo de pesquisadores com formações diferentes, mas complementares, organizou-se em rede para fazer um extenso levantamento de evidências científicas sobre o novo coronavírus. A partir dessa revisão, começaram a produzir cartilhas sobre saúde mental e atenção psicossocial, com linguagem acessível, para orientar a população, os trabalhadores da saúde e os gestores nas tomadas de decisão. A experiência foi apresentada e debatida no evento “Pós-Graduação em Saúde Pública e o Trabalho Voluntário e Acadêmico em Tempos de Covid-19”, realizado online na manhã desta terça-feira (14/4) pela Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz).
Pesquisadora e trabalhadora da saúde, Daphne Rodrigues Pereira sentia-se angustiada vendo o “tsunami” do novo coronavírus chegar e causar sofrimento na população e nos profissionais da saúde. Queria fazer algo, e reconhecia que deveria buscar na ciência os fundamentos para enfrentar um cenário completamente novo. Também pesquisadora e profissional da saúde, Débora Noal sentia algo parecido. “Nesse lugar onde estou, o que posso fazer?”, ela se perguntava. Foi assim que ambas começaram a conversar com outros pesquisadores e estudantes de pós-graduação. E o ponto de encontro foi o Centro de Estudos e Pesquisas em Emergências e Desastres em Saúde (Cepedes).
Débora apresentou ao coordenador do Cepedes, Carlos Machado de Freitas, a ideia de produzir as cartilhas. Proposta aceita, era necessário reunir um grupo de profissionais com experiência em pesquisa, mas também com conhecimento dos territórios. “É fundamental fazer o trânsito entre a ciência de ponta e a ponta – os trabalhadores que estão na linha de frente da assistência e a população”, explicou Débora. O grupo – formado por psicólogos, epidemiologistas, cientistas sociais etc. – não só levou a ideia adiante, como realizou o trabalho em tempo recorde: reunidos há cerca de um mês, já haviam lançado cinco cartilhas – recomendações gerais, recomendações para gestores, cuidado de crianças em isolamento hospitalar, cuidados paliativos e atendimento psicológico online. Hoje (14/4) lançaram mais uma: Saúde Mental e Atenção Psicossocial na Pandemia Covid-19 – processo de luto no contexto da Covid-19. Outras sete estão a caminho.
O trabalho é extenso e criterioso. Cerca de 1.700 artigos já foram levantados – sobre Covid-19, Sars, Mers, Ebola e outras situações sanitárias emergenciais. Em torno de 50 foram selecionados para a produção das cartilhas. Para cada uma delas, além do grupo de trabalho, outros especialistas são convidados para agregar suas contribuições e fazer a revisão final do documento. “Nossa atuação inclui, ainda, entrevistas para veículos de comunicação e divulgação de pequenos vídeos, em parceria com a Fiocruz Brasília, com orientações simples de como produzir cuidado”, contou Débora. “Temos a preocupação de manter uma escuta permanente dos profissionais que estão na ponta, para inspirar as cartilhas, os vídeos e outros materiais”.
Camilla Santos Baptista, psicóloga de um Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf) e uma das participantes virtuais do evento, registrou suas impressões sobre as cartilhas. “Elas estão sendo muito úteis para organizar o trabalho na assistência. Estamos utilizando esses materiais para organizar o trabalho no nível local. Toda nossa atuação precisou ser repensada nesta conjuntura”, contou.
Para Fabiana Damásio, diretora da Fiocruz Brasília, que, ao lado de Débora, coordena a iniciativa das cartilhas, um eixo fundamental do trabalho é o apoio psicossocial para todos os trabalhadores da saúde do DF. Nesse sentido, será feita uma formação de psicólogos que irão oferecer atendimento remoto aos trabalhadores que estão na assistência. “Não será um apoio que se esgota nele mesmo. Será feito um monitoramento da qualidade de vida e saúde desses trabalhadores”, disse.
Essa aplicação das evidências científicas no fortalecimento do SUS motiva o grupo de pesquisadores. “Essa perspectiva precisa estar presente na elaboração de nossos projetos, para que nossas dissertações e teses tragam soluções para a saúde pública”, destacou Juliana Fernandes Kabad, pós-doutoranda e integrante da equipe das cartilhas. “Os relatos demonstram uma rápida conversão da produção científica em materiais para o SUS. É um grande aprendizado para todos nós. Creio que há várias outras experiências no Brasil que devem ser estimuladas”, concluiu o coordenador do Cepedes.
Além de Fabiana e Débora, compõem o grupo responsável pelas cartilhas Dapnhe, Juliana, Bernardo Dolabella Melo, Fernanda Serpeloni, Michele Kadri e Michele Souza.