A relação entre meio ambiente e saúde é intrínseca e acompanha a humanidade por todos os tempos. Estudos mostram que as condições do lugar em que se vive interferem diretamente na saúde humana. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), tornar o ambiente em que vivemos mais saudável pode evitar até 13 milhões de mortes em um ano. Importante destacar que a Saúde Única ou One Health é a abordagem de estudos e de ação que reconhece a interconexão e interdependência entre a saúde dos seres humanos e de todos os outros seres e do ambiente. Portanto, Saúde Única vai além da abordagem de zoonoses que são as doenças infecciosas transmitidas entre animais e pessoas.
Com o objetivo de compreender os caminhos da divulgação científica nos campos do meio ambiente e saúde, a jornalista Denise Maria de Oliveira analisou a divulgação científica sobre a relação entre desmatamento, mudanças climáticas e saúde em 42 vídeos publicados pelo projeto Ciência com Certeza no canal no YouTube. A disponibilização pública das gravações das palestras não o caracteriza como um projeto de divulgação científica, embora tenha potencial de ampliar seu direcionamento para públicos leigos. Os resultados da análise foram apresentados por ela no trabalho de conclusão do curso de Especialização em Comunicação em Saúde da Fiocruz Brasília. Saiba mais sobre essa pesquisa na entrevista da série “Fala aê, especialista”.
Por que escolheu estudar esse tema?
Denise Oliveira: A preocupação, as observações e os estudos sobre a relação meio ambiente e saúde não são novos e muitas das descobertas beneficiam a saúde humana. A leitura de relatórios técnicos e artigos científicos alertando sobre a possível emergência de novas doenças em decorrência do desmatamento e degradação ambiental instigou a pergunta sobre como é feita a divulgação científica da relação entre desmatamento, degradação ambiental, mudanças climáticas e saúde no Brasil.
Em que consiste a comunicação científica? E quais os caminhos da divulgação científica multidisciplinar?
Denise Oliveira: O pesquisador Wilson da Costa Bueno, no livro Comunicação Científica e Divulgação Científica: aproximações e rupturas conceituais (2010), diferencia os conceitos de comunicação e divulgação científica, cujas fronteiras, muitas vezes tênues, podem confundir. Ele explica que a comunicação científica se destina aos especialistas. Já a divulgação científica compreende “a veiculação de informações científicas, tecnológicas ou associadas a inovações ao público leigo”, o que exige uma decodificação ou recodificação do discurso especializado. Na minha opinião, para uma divulgação científica multidisciplinar, deve-se buscar colocar a interface entre as disciplinas ou temáticas envolvidas no centro do estudo, debate ou ação. É uma busca e questionamento constantes sobre as implicações desse olhar sobre os pontos de encontro entre disciplinas que podem abrir um novo campo e gerar novos questionamentos e respostas.
No seu estudo, quais foram os principais caminhos metodológicos que você utilizou para analisar a divulgação científica sobre a relação entre desmatamento, mudanças climáticas e saúde?
Denise Oliveira: É possível sintetizar a metodologia em três fases distintas. A primeira foi a busca, seleção e análise de artigos científicos sobre a temática de meio ambiente e saúde, com recorte em desmatamento, degradação ambiental e mudanças climáticas. Foram identificados 12 termos de busca pré-selecionados nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), em português, e de seus correspondentes alternativos disponíveis no site https://decs.bvsalud.org/. Em seguida, foi realizada busca geral e ampla na base de dados da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), e a análise de conteúdo de oito artigos selecionados, identificando-se 23 palavras-chave para apoiar a busca das principais temáticas e ângulos da relação meio ambiente e saúde.
Na segunda fase, buscou-se um projeto autointitulado de divulgação científica, disponível na internet. Foi escolhido o projeto Ciência com Certeza, idealizado por alunos da pós-graduação do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). A intenção foi verificar se a inter-relação meio ambiente e saúde emergia e com qual intensidade nos conteúdos divulgados tendo-se como base as palavras-chave e temáticas identificadas nos artigos científicos selecionados. A análise do projeto deu-se com a visualização completa dos vídeos publicados nos anos de 2019, 2020 e 2021 até a data de 12 de outubro de 2021, totalizando 42 vídeos. Também foi realizada a coleta e análise dos resumos de apresentação dos vídeos publicados. A terceira e última fase consistiu na redação do artigo Meio ambiente e saúde: caminhos para uma divulgação científica multidisciplinar? e a sua submissão à Revista Eletrônica de Comunicação, Informação & Inovação em Saúde (RECIIS).
Com base nos vídeos analisados, quais foram seus principais achados no campo da comunicação científica?
Denise Oliveira: A intenção da análise do projeto Ciência com Certeza foi identificar a emergência da relação entre temas ambientais e saúde nos vídeos apresentados. Um ponto a se considerar é que não basta a veiculação das palestras no ambiente da internet, no caso um canal do YouTube, para que o projeto seja de divulgação científica. A análise dos 42 vídeos do projeto demonstrou que, em 2019, apenas duas palestras tiveram proximidade com a temática ambiente e saúde. Já em 2020, três palestras-debate aproximaram-se da temática. Em 2021, a diversidade de temas extrapolou mais fortemente a área das ciências naturais e incluiu temas das áreas sociais, humanas e da saúde como, por exemplo, o impacto da pandemia na vida de jovens cientistas e a saúde mental na academia, o impacto da paternidade na vida e carreira de pais cientistas e a experiência de mães cientistas em diferentes fases da vida acadêmica. Entre os 16 vídeos publicados nesse ano, dois abordaram mais claramente a relação entre meio ambiente saudável e saúde, porém sem aprofundamento na relação desmatamento, degradação ambiental e saúde.
Com base na sua pesquisa, que estratégias de comunicação que relacionam o meio ambiente e saúde podem contribuir para o trabalho de divulgação científica?
Denise Oliveira: A iniciativa dos jovens pesquisadores do INPA de organizar um meio de “praticar” a divulgação científica é louvável pela oportunidade que abre aos estudantes de pós-graduação e convidados de outras instituições de apresentar seus projetos e ao público assistente de tirar dúvidas e questioná-los sobre resultados e perspectivas. O artigo publicado na RECIIS propõe aos organizadores do Ciência com Certeza, e a outros projetos que se identifiquem como similares, algumas ações para instigar os próprios pesquisadores palestrantes a fazer e expor reflexões sobre a interdisciplinaridade de suas pesquisas e os benefícios e impactos para a sociedade.
Denise Maria de Oliveira é autora da pesquisa “Meio ambiente e saúde: caminhos para uma divulgação científica multidisciplinar?”, defendida em 11 de dezembro de 2021, com orientação do professor Wagner Vasconcelos.