Em março de 2020, era feito o anúncio de que o mundo enfrentava uma pandemia de Covid-19 e, junto com ela, veio o temor de outra epidemia: a das fake news. O termo fake news costuma ser traduzido como notícia falsa, mas o problema tem ido além. Na prática, não estamos falando apenas de notícias, mas também de mensagens, imagens, áudios e outros conteúdos falsos ou colocados de forma imprecisa, fora de contexto (muitas vezes, de forma intencional e fraudulenta). Como diz Claire Wardle, do projeto First Draft: “Pode ser uma foto de 2014, distribuída como se fosse atual”. A consequência disso é um desafio enorme para a saúde pública, já que essa epidemia de fake news pode comprometer a adesão a medidas de prevenção, como as vacinas, por exemplo.
Foi neste cenário que a jornalista Natália de Castro Cancian, egressa da Especialização em Comunicação em Saúde da Escola de Governo Fiocruz – Brasília, buscou verificar como dez Secretarias Estaduais de Saúde abordaram o tema das fake news por meio do Instagram, rede social on-line de compartilhamento de fotos e vídeos entre seus usuários. O período do estudo foi de março de 2020 a junho de 2021, o equivalente ao primeiro ano da pandemia e aos meses iniciais de vacinação contra a Covid-19. A seleção realizada pela jornalista considerou os estados do AM, BA, CE, GO, MG, PA, PR, RS, SP e o DF. O objetivo da pesquisa foi verificar se as pastas adotaram iniciativas de combate à desinformação por meio do Instagram e obter dados que apontassem quais os principais conteúdos classificados como fake e as estratégias usadas para rebatê-los. Para saber mais sobre os resultados da análise, confira a seguir o Fala aê, especialista com a autora da pesquisa.
Como identificar uma fake news?
Natália Cancian: Para identificar uma fake news (ou desinformação, como é o termo usado preferencialmente por muitos pesquisadores), é preciso ficar atento ao local em que a informação é distribuída e às fontes nelas citadas, e ter uma boa dose de desconfiança. Na dúvida, a recomendação principal de organizações que atuam na área é buscar outras fontes e não repassar uma informação se não há certeza de que ela é verdadeira.
A partir da sua pesquisa, como você avalia o trabalho das Secretarias no combate à desinformação em saúde?
Natália Cancian: Todas as Secretarias com postagens analisadas para a pesquisa tinham ao menos um conteúdo no Instagram voltado explicitamente à questão da desinformação. Isso mostra que houve um esforço por parte de algumas pastas em tentar adotar iniciativas contra o problema. Mas o volume de publicações variou bastante entre os estados, o que indica que o tema não entrou na agenda com regularidade. Sua abordagem foi, inclusive, concentrada principalmente em dois momentos: nos dois primeiros meses de pandemia e nos primeiros meses de vacinação.
Quantas postagens sobre o tema foram identificadas?
Natália Cancian: Ao todo, foram 172 postagens identificadas sobre o tema no período estudado, entre março de 2020 e junho de 2021. São Paulo teve o maior número, 35 publicações, uma a cada 15 dias, em média. Já o Paraná teve o menor, 4, ou uma a cada quatro meses. A análise também mostrou que há espaço para melhoria dessas abordagens, como ter maior atenção à referência a fontes e à presença de contrapontos, por exemplo. Não basta apenas dizer que um calendário de vacinação que circula no zap é falso, é preciso dizer qual é o calendário verdadeiro, caso ele esteja disponível.
Quais foram as preocupações que motivaram as Secretarias a rebaterem essas desinformações?
Natália Cancian: A pesquisa observou características das publicações das Secretarias que ajudam a entender possíveis preocupações nesse cenário. Uma delas está nos temas principais das desinformações. Vacinação, situação da Covid-19 e medicamentos foram os principais tópicos das publicações voltadas a classificar uma informação como falsa e rebatê-la. Essas postagens também abordavam, principalmente, desinformações de abrangência local (como supostos casos de Covid-19 em hospitais da região, falsos calendários de vacinação etc.) e menções a autoridades ou instituições de saúde, por exemplo.
Qual a principal estratégia utilizada pelas Secretarias de Saúde para rebaterem as desinformações?
Natália Cancian: Uma estratégia bastante comum entre as Secretarias foi o uso de selos para identificar uma desinformação. Das 96 postagens da amostra que se mostraram voltadas a “classificar e rebater fake news”, 76% apresentavam algum tipo de selo. As demais citavam que o conteúdo era falso por meio das legendas e outros espaços. Apesar desse alerta, a pesquisa mostrou que nem sempre, porém, a apresentação de fontes ou outros dados foi observada. Em 18 das 96 postagens, as Secretarias apenas negaram a informação identificada como falsa, sem apresentar fontes que explicassem o motivo da negativa nem indicar o dado verdadeiro.
Quais outras estratégias de combate foram identificadas?
Natália Cancian: Além das postagens voltadas a “classificar e rebater uma fake news“, a pesquisa encontrou outros tipos predominantes de publicações, como aquelas voltadas a trazer informações gerais apenas com menções breves, na legenda, à necessidade de evitar fake news, e outras que alertavam sobre o avanço da desinformação em si, por exemplo. Esses dois tipos, porém, foram mais frequentes em postagens do início da pandemia.
Natália de Castro Cancian é autora da pesquisa “SUS contra fake news: como Secretarias de Saúde usaram uma mídia social no combate à desinformação em tempos de Covid-19”, defendida em 6 de maio de 2021, com orientação da professora Luana Dias da Costa.