Apesar de ser um país com 54,09% da população negra, o Brasil ainda vive um verdadeiro abismo racial quando se trata do acesso à saúde. Uma das soluções para tornar este acesso igualitário foi a criação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), alinhada aos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS).
A PNSIPN é resultado da luta e mobilização da sociedade civil, e tem como objetivo reconhecer o racismo, as desigualdades étnico-raciais e o racismo institucional como determinantes sociais das condições de saúde, com vistas à promoção da equidade em saúde na população brasileira.
O historiador Andrey Lemos, egresso do Mestrado Profissional em Políticas Públicas em Saúde da Fiocruz Brasília, realizou uma pesquisa sobre estratégias na implementação da PNSIPN. O direito à saúde é fundamento constitucional e condição substantiva para o exercício pleno da cidadania. É eixo estratégico para a superação do racismo e garantia de promoção da igualdade racial, desenvolvimento e fortalecimento da democracia. É o que nos conta o historiador Andrey em nossa entrevista da semana do “Fala aê, mestre”.
Qual é a diferença entre racismo institucional e estrutural?
Andrey Lemos: O racismo estrutural é o enraizamento do preconceito que, ao longo da nossa história, vem construindo um sistema que hierarquiza as relações econômicas, políticas, sociais, culturais, religiosas e até afetivas. Já o racismo institucional é a reprodução desse preconceito pelas instituições, em suas regras, normas e processos, que perpetuam práticas racistas e excludentes, assegurando privilégios a determinados grupos em detrimento de outros, que permanecem em desvantagem.
O racismo institucional dificulta o acesso à saúde da população negra?
Andrey Lemos: Sim, a ausência do recorte racial nos instrumentos de coleta de dados, planejamento e execução de programas e ações dificultam a identificação dos principais agravos e reais demandas da população negra, mantendo barreiras de acesso dessa população aos serviços de saúde, pois essas informações são importantes para a melhoria da qualidade de vida dessas pessoas.
Quais mecanismos de promoção da saúde integral da população negra são aplicados pelo SUS?
Andrey Lemos: Hoje, em alguns sistemas de informação do SUS, temos o quesito raça/cor/etnia. Temos também programas como o de anemia falciforme; o reconhecimento de saberes e práticas tradicionais como parte do processo terapêutico; e temáticas como a relação racismo/doença na educação permanente e na pesquisa científica. São ações que fortalecem o caminho da integralidade do cuidado da população negra.
Quantos municípios brasileiros já implementaram a PNSIPN?
Andrey Lemos: Hoje não temos essa informação disponível, mas conheço algumas experiências que vem fazendo a diferença na vida da população negra. Penso que só é possível implementar essa Política de forma sustentável com incentivo e pactuação de responsabilidades entre as diferentes esferas de gestão, formação e educação permanente, fortalecimento da gestão participativa, monitoramento e controle social.
Quais foram os principais achados do seu estudo?
Andrey Lemos: Com a minha pesquisa, foi possível observar que ainda é preciso superar as barreiras impostas ao exercício do direito à saúde pela população negra; utilizar métodos e linguagens inteligíveis, que respeitem e dialoguem com os diferentes valores, crenças e visões de mundo; e construir reflexões sobre as ações afirmativas no âmbito da saúde para assegurar à população negra que seus direitos e suas especificidades sejam atendidas na rede de serviços do SUS. É necessária uma política de educação permanente e dialógica que reconheça as vulnerabilidades como expressão das consequências dos processos históricos de discriminação, e que transforme os processos de trabalho para incidir na realidade e produzir novos resultados.
Como assegurar os direitos da população negra no SUS?
Andrey Lemos: A PNSIPN deve estar articulada com as diferentes áreas técnicas dos níveis de atenção que compõem a rede de serviços em saúde, como também comissões intergestoras compostas por representantes estaduais e municipais (CONASS e CONASEMS) e dos conselhos nacional, estaduais e municipais de saúde (CNS, CES e CMS), para formular educação permanente e retomar o seu processo de implementação, com foco na qualificação da gestão participativa e do controle social contribuindo para que as reais necessidades da população negra sejam alcançadas pelo SUS em estados e municípios.
Andrey Roosewelt Chagas Lemos é autor da dissertação “A educação permanente na Política Nacional de Saúde Integral da População Negra no SUS: A experiência da UNA-SUS”, defendida em 17 de maio de 2019, com orientação da professora Denise Oliveira e Silva.
Foto: Divulgação/Alejandra Quintero
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