As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no mundo. No Brasil, e no DF a estatística não é diferente. Pesquisa de mestrado realizada na Escola de Governo Fiocruz-Brasília, analisou dados da rede pública de atenção cardiológica do DF e observou que esses serviços são insuficientes para a demanda de quem precisa. O enfermeiro Luciano Gomes Marcelino trabalhou na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Núcleo Bandeirante por quase quatro anos e notou que, apesar de existir um protocolo com telemedicina de apoio e fluxo para os pacientes, nem todos eram encaminhados em tempo hábil devido à necessidade de aguardar a programação de cirurgia e leitos de retaguarda, aumentando o risco de sequelas e morte. Ao analisar o número de procedimentos, especialistas e consultas, observou que a conta não fecha e, consequentemente, o serviço está aquém da necessidade das pessoas. Confira na entrevista ao Fala Aê, mestre, pontos interessantes desta pesquisa, realizada durante a pandemia de Covid-19.
Por que você decidiu estudar a rede de atenção cardiovascular no DF em seu mestrado?
Luciano Marcelino: Quando comecei a trabalhar como enfermeiro na UPA, em outubro de 2019, percebi que apesar de termos um protocolo com telemedicina de apoio e fluxo para pacientes com determinadas alterações, os com síndrome coronariana aguda ficavam internados por muito tempo na UPA, aguardando exames de risco cardíaco (cateterismo e ecocardiograma transtorácico) e os que tinham indicação de cirurgia permaneciam internados ainda mais tempo aguardando programação cirúrgica e leito de retaguarda para transferência para unidade habilitada em Alta Complexidade, aumentando em muito o risco de sequelas e morte. Este problema cotidiano me fez delimitar o objeto de pesquisa e elaborar uma proposta de readequação deste fluxo.
Sua dissertação observou que os serviços de cardiologia na rede pública do DF são insuficientes para o atendimento ao paciente que necessita de atenção cardiológica especializada. Como você observou isso?
Luciano Marcelino: Na prática profissional, já tinha observado essa deficiência pelo elevado tempo de espera para a realização dos exames e cirurgias para aqueles que necessitavam. Para a comprovação, apliquei os parâmetros sugeridos para a atenção especializada no DF e utilizei a ferramenta de localização ótima para os equipamentos de saúde desta especialidade e fiz o confronto com a produção destes procedimentos nos sistemas de informação SIA e SIH, além do levantamento das habilitações dos serviços em Alta Complexidade Cardiológica no Distrito Federal e dos profissionais especialistas em cardiologia cadastrados no Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (CNES) e também o levantamento dos procedimentos agendados no banco de dados do Sistema Nacional de Regulação (SISREG).
Para melhorar esse fluxo, o que é fundamental?
Luciano Marcelino: A mudança de fluxo assistencial não é uma estratégia meramente política que não tem grande impacto na mudança do cenário, são muitos atores envolvidos, e além dos interesses de mercado, temos também a resistência dos profissionais, em sua maioria servidores da SES-DF. Esta ação tem que ser proposta e desenvolvida em parceira em toda secretaria para um impacto mais positivo, podendo assim gerar mudança.
Por que você decidiu realizar a pesquisa por meio de bancos de dados secundários?
Luciano Marcelino: Utilizar bancos de dados oficiais do Ministério da Saúde facilita a busca, pois o dado já está coletado. Para uso de dados primários, é bastante difícil, pois o DF utiliza dois tipos de Sistema de Informação em prontuário eletrônico e dois sistemas de regulação, um para a atenção ambulatorial e outro para a atenção hospitalar, com necessidade de autorização para a coleta de dados e sem uma ferramenta que possa cruzar e minerar tais dados com exclusão, por exemplo, de dados duplicados.
Uma das limitações de seu estudo foi a pouca transparência dos contratos das unidades prestadoras de serviços conveniadas ao SUS pela SES – DF. Que melhoria deve ser feita para superar essa limitação, em próximos estudos?
Luciano Marcelino: Adequar os contratos dessas unidades com identificação das metas físicas e financeiras para alcançar o parâmetro de necessidade da população assistida e não apenas o contrato financeiro como é realizado atualmente, publicizado em diário oficial.
A partir dos seus resultados, o que de imediato a rede SUS – DF deve fazer para melhorar o acesso dos usuários aos serviços de cardiologia?
Luciano Marcelino: Adequar a lotação dos especialistas nos serviços já existentes nas regionais, descentralizando o serviço e abertura de serviços especializados nas regionais que ainda não possuem, com incorporação tecnológica para a realizar os exames do risco e permitir que os serviços centrais de referência recebam os pacientes já com proposta terapêutica de alta complexidade definida. Isso vai diminuir o tempo de internação nestas unidades permitindo uma maior produtividade destes serviços.
Você observou que o número de especialistas em cardiologia é insuficiente para a demanda. A partir da revisão de literatura que você fez, como melhorar esse quadro?
Luciano Marcelino: Já é uma constatação que o número de vagas abertas atualmente de residências para especialista em cardiologia é insuficiente considerando o crescimento populacional e o envelhecimento da população do DF. Temos que criar estratégias para ampliar o número de vagas e políticas de indução para fixação desses profissionais em locais de maior vazio assistencial.
Você utilizou o EstimaSUS.saude.gov.br na comparação dos dados de produção e mapeamento. Por que?
Luciano Marcelino: Essa ferramenta facilita a aplicação dos parâmetros sugeridos em um estudo desenvolvido em parceria com o Núcleo de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Minas Gerais e o Ministério da Saúde. Os parâmetros para a Atenção Especializada em cardiologia foram critérios de comparação do atendimento à necessidade da população em relação ao que foi produzido e publicado nos Sistemas de Informação de produção ambulatorial e hospitalar aprovadas pelo DF.
Por que você quis estudar em um mestrado profissional na área da saúde, na Fiocruz Brasília?
Luciano Marcelino: Sempre busquei atualização profissional nas áreas de atuação que estava trabalhando, pois fazia mais sentido para mim, do que uma capacitação ou extensão em algum tema distante do que estava atuando no momento. Quando tive oportunidade de fazer o mestrado em um tema afeito à minha atuação profissional, fez muito mais sentido e persegui esse objetivo por 4 anos (fazendo as matérias optativas como aluno especial e delimitando meu objeto de pesquisa adequado às linhas de pesquisa ofertadas), até ingressar no primeiro semestre de 2019.
Fazer o mestrado foi importante para a sua vida profissional? O que mudou depois deste estudo, para você?
Luciano Marcelino: Com a titulação hoje consigo publicizar e ter mais credibilidade nas publicações que faço na minha atuação profissional como consultor técnico do Ministério da Saúde, e buscando uma melhor colocação profissional.
Qual foi o principal desafio para a execução do seu estudo?
Luciano Marcelino: Delimitar o objeto da pesquisa e com quais dados trabalhar, uma vez que minha intenção inicial era avaliar o desfecho de todos os pacientes que davam entrada no sistema de saúde com queixa de dor torácica, mas foi impossível pela dificuldade no manejo das informações dos prontuários eletrônicos das classificações de risco nas portas de entrada da urgência e emergência.
Luciano Gomes Marcelino é autor da dissertação intitulada “Atenção especializada cardiológica na rede pública do DF: a programação assistencial de média e alta complexidade como possibilidade norteadora da organização da rede e reordenação dos fluxos assistenciais” defendida em 3 de março de 2023, no Mestrado Profissional em Políticas Públicas em Saúde da Escola de Governo Fiocruz-Brasília, sob a orientação de Wagner de Jesus Martins.
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