Fala aê, mestre: avaliação do Programa Mais Médicos

Mariella de Oliveira-Costa 10 de março de 2023


Não é novidade que faltam médicos em diversos locais do Brasil, em especial na atenção primária à saúde (APS). A distribuição irregular de profissionais pelo território, bem como a alta concentração em determinadas especialidades e quase ausência em outras dificultam o acesso das pessoas ao SUS. Pensando nisso, o psicólogo Demétrio de Lacerda Caetano dos Santos fez seu Mestrado Profissional em Políticas Públicas em Saúde, na Escola de Governo Fiocruz-Brasília, para compreender as percepções e experiências dos usuários, gestores do SUS e médicos brasileiros sobre uma iniciativa federal que buscou melhorar a oferta dos serviços de saúde e a formação médica no país: o Programa Mais Médicos (PMM).  

 

Ele utilizou como método a Síntese de Evidência Qualitativa (SEQ), que coleta resultados de diferentes artigos científicos publicados sobre um determinado tema e sistematiza o que foi encontrado em um novo texto, com os pontos importantes de cada artigo e apresenta um novo entendimento sobre o tema, gerando novas conclusões.  

A pesquisa de mestrado do Demétrio analisou como o Programa Mais Médicos foi aceito em todo o país para usuários do SUS, gestores e pelos próprios médicos, incluindo os brasileiros. Entre os resultados, ele observou que o programa foi bem-sucedido, apesar dos conflitos com a classe médica e suas entidades de representação, no início de sua implementação. 

 

Ele ressalta que fazer o mestrado foi importante para a sua trajetória de conhecimentos técnicos e acadêmicos, pois seu olhar sobre as políticas públicas foi ampliado, aprofundando um tema caro à realidade do país, o que o motivou a seguir se qualificando cada dia mais. Confira abaixo na entrevista para a coluna do Fala aê mais detalhes da pesquisa, apresentada em 2022:

 

Por que você optou por um estudo em dados secundários via síntese de evidência qualitativa (SEQ) para responder à sua pergunta de pesquisa?  

Demétrio Santos: Quando conversei com meu orientador, que é referência nesta metodologia no Brasil, eu tinha o tema definido, o Programa Mais Médicos (PMM). Pensamos em trazer uma questão metodológica inovadora visto que já havia, na época da pesquisa, considerável número de pesquisas sobre o programa e decidimos consolidar os estudos com dimensão qualitativa.  

 

Seu estudo traz muitas vantagens do PMM. Em relação aos problemas, você apresenta a supervisão, o idioma e as estratégias de comunicação do programa. Como melhorar cada um desses pontos em uma próxima oferta do PMM no Brasil?  

Demétrio Santos: Em relação ao idioma, os problemas foram iniciais, mas não impossibilitaram que os médicos estrangeiros cuidassem dos usuários do SUS. Acredito que uma boa proposta para abarcar essa dificuldade seria o aprofundamento das aulas de língua portuguesa no curso introdutório de acolhimento desses médicos ofertado pelo programa e um curso intensivo durante toda a atuação dos médicos estrangeiros.  

 

As estratégias de divulgação do programa deveriam ter sido mais bem direcionadas aos diferentes públicos interessados como, por exemplo, para a população usuária do sistema de saúde. Acredito que a melhoria das estratégias de comunicação requeria, no primeiro momento, ações publicitárias educativas na mídia de massa – jornais, revistas, televisão, assim como ações nos territórios onde os médicos atuavam e nas unidades de saúde, por exemplo, com a identificação das unidades de saúde com o trabalho de médicos do Programa, sensibilização e envolvimento dos gestores de diversos níveis, no fomento dessas informações em espaços como os conselhos de saúde, dentre outras.   

 

A supervisão foi mal avaliada tanto pelo público de gestores como pelos próprios médicos participantes. Uma boa estratégia será a capacitação dos supervisores, com a definição clara das competências e atribuições no fazer junto ao médico e a equipe de saúde, o envolvimento da equipe multiprofissional e do gestor municipal no processo e o estabelecimento de diretrizes nacionais de supervisão. Percebeu-se com a pesquisa que, muitas vezes, nem o próprio supervisor tinha clareza de suas atribuições. Acredito que a melhora da supervisão passa pela avaliação constante do supervisor, pelo tutor, médico e gestor e o desenvolvimento de um trabalho conjunto entre o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação – responsável pela supervisão dos médicos – para que ocorresse um alinhamento de discursos e práticas e o estabelecimento de uma metodologia de avaliação dos resultados da supervisão.   

   

A partir da experiência do PMM, o que é necessário para que a atenção primária em saúde funcione melhor no Brasil?  

Demétrio Santos: Eu acredito que uma questão importante a ser destacada aqui é o provimento e principalmente a fixação de médicos na Atenção Primária à Saúde, em locais com vulneráveis, rurais e remotos exige, além da contratação de médicos, outras ações concomitantes. Para que a APS seja de fato efetiva e resolutiva em 80% das demandas que chegam a ela, conforme descrito na literatura, necessita de mais recursos de investimento em infraestrutura das Unidades Básicas de Saúde, promover o acesso a exames, medicamentos e consultas especializadas, estabelecer um sistema efetivo de referência e contrarreferência entre os serviços da rede assistencial, estabelecer um cuidado compartilhado entre os profissionais da equipe multiprofissional com responsabilização entre todos.    

 

Qual foi o principal desafio durante o mestrado?  

Demétrio Santos: As aulas remotas, a falta de contato com os colegas e com os professores, a distância dos amigos e do convívio social. Ainda foi desafiante o processo de escrita da dissertação, bem solitário. Gostaria de ter mais tempo para discussões com colegas e professores e grupos de estudo. Outro desafio foi aprender o processo de busca na literatura com pergunta estruturada de pesquisa e a utilização de alguns softwares que auxiliaram na revisão. 

  

Por que você quis estudar na Fiocruz Brasília? 

Demétrio Santos: Pelo reconhecimento da instituição como uma das principais referências em saúde coletiva no país. Escolhi o mestrado profissional porque queria estudar algo de minha realidade de trabalho e contribuir de alguma forma com ela, já que trabalhei durante seis anos com o Programa Mais Médicos, vivenciando cotidianamente a realidade em contato com os médicos participantes, tutores e gestores municipais. Assim pude aliar a minha prática de trabalho com a prática reflexiva da academia.  

 

O trabalho tem uma aplicação prática, visto que poderá ser utilizado pelos gestores e tomadores de decisão como mais um elemento para a tomada de decisão, visando o aperfeiçoamento do programa. Assim, ele contribui de alguma forma para a realidade cotidiana do trabalho com políticas de saúde, aliando a prática com o conhecimento acadêmico. 

  

Todo estudo possui limitações. No seu caso, como falaria delas a quem não entende nada de pesquisa científica? Pode dar um exemplo prático e próximo da realidade de quem não é acadêmico? 

Demétrio Santos: Utilizamos a ferramenta CERQUAL para avaliar a confiança na evidência e ela propõe a avaliação de quatro dimensões – limitações metodológicas, relevância, adequação dos dados e coerência. Assim, todos os achados de pesquisa que foram suportados por poucos estudos, dados e/ou estudos que foram desenvolvidos com poucos participantes tiveram a confiança rebaixada, visto que poderiam não representar bem o fenômeno de interesse da pesquisa. Dessa forma, os achados poderiam não ser aplicáveis a outros contextos de pesquisa, sendo uma realidade apenas daqueles contextos em que os estudos foram realizados, não permitindo a generalização. Como o Mais Médicos é um programa que foi implementado em todas as regiões do país e em diferentes perfis de municípios, as conclusões que chegamos  apontam para contextos muito específicos que podem não ser adequados a outras realidades e por isso a confiança na evidência é reduzida.  

 

Demétrio de Lacerda Caetano dos Santos é autor da dissertação intitulada “Percepções e experiências de médicos, usuários e gestores sobre o Programa Mais Médicos: síntese de evidências qualitativas”, aprovado em 23 de fevereiro de 2022 no Mestrado Profissional em Políticas Públicas em Saúde, da Escola de Governo Fiocruz – Brasília, sob a orientação de Jorge Otávio Maia Barreto.  

 

Confira aqui as outras entrevistas com resultados de pesquisas desenvolvidas por professores e alunos da Escola de Governo Fiocruz – Brasília.  

 

Foto: Karina Zambrana / MS