Fala aê, mestre: diabetes e letramento funcional em saúde

Fernanda Marques 1 de março de 2024


A pessoa com diabetes deve evitar chocolates, bolos, bombons e doces em geral. Pode parecer difícil. Porém, o mais difícil é manter uma alimentação saudável contando com recursos escassos, renda baixa e pouco acesso à educação. Essa foi uma das constatações da dissertação da médica Taís Matos, defendida no Mestrado Profissional em Políticas Públicas em Saúde da Escola de Governo Fiocruz – Brasília. Como integrante de uma Equipe de Saúde da Família do bairro de Alto Alegre I, no município de Maracanaú (CE), Taís acompanhava muitas mulheres com diabetes e dificuldades para controlar a doença associadas aos determinantes sociais da saúde. Diante desse cenário, a médica desenvolveu uma pesquisa em que entrevistou 17 mulheres com diabetes usuárias da Unidade Básica de Saúde da Família local, em maio de 2022. O objetivo era compreender melhor a realidade em que viviam e promover estratégias mais adequadas que possibilitassem o autocuidado e o controle da doença. Surgiu, assim, a cartilha ilustrada “Vivendo com saúde, convivendo com diabetes”, uma ferramenta de letramento funcional em saúde elaborada a partir do diálogo com as mulheres participantes da pesquisa. Nessa entrevista da série de divulgação científica “Fala aê, mestre”, Taís conta um pouco da experiência de realizar esse trabalho com a comunidade de Alto Alegre I.

 

O que motivou a realização do estudo na comunidade do Alto Alegre I?

Taís Matos: Localizado em Maracanaú, no Ceará, Alto Alegre I é um bairro com muitos problemas sociais. As pessoas, em sua maioria, dependem do Bolsa Família ou do mercado informal. Grande parte das mulheres teve que abandonar muito cedo os estudos; algumas não sabem ler e a maioria têm pouco conhecimento de como tratar a diabetes. Trabalhando como médica de uma Equipe de Saúde da Família, vi a necessidade de criar mecanismos para ajudar essas mulheres a ter autonomia no seu autocuidado. Com conhecimento sobre a doença, torna-se mais fácil evitar as complicações.

 

Como a comunidade participou do estudo? 

Taís Matos: Primeiro, a partir dos prontuários cadastrados na Unidade Básica de Saúde da Família Luís de Queiroz Uchôa, a equipe selecionou as mulheres adultas com diabetes e descontrole da doença. Elas foram convidadas a participar de uma entrevista, em que contavam um pouco de sua história, da relação com a diabetes e o que sabiam sobre a doença. Com base nas respostas, foi possível compreender melhor as principais dificuldades que prejudicavam o controle da diabetes.

 

Quais situações de vulnerabilidade e que podem prejudicar o controle da diabetes foram identificadas entre as mulheres da comunidade?

Taís Matos: A realidade da maioria das mulheres com diabetes no bairro de Alto Alegre I é de mulheres do campo que precisaram trabalhar desde a infância. Elas não têm formação escolar, porque abandonaram a escola por uma série de fatores, sendo o principal deles a necessidade de trabalhar para o seu sustento e o da família. O trabalho no campo e a distância da escola mais próxima dificultou o acesso à educação formal. O bairro possui caraterísticas rurais, não tem rede de esgoto, dispõe de poucos comércios e transporte pouco acessível. A violência urbana é  bastante presente – muitas mulheres tiveram filhos assassinados. 

 

E quais as principais dúvidas que as mulheres da comunidade tinham a respeito da diabetes?  

Taís Matos: As principais dificuldades eram relacionadas à alimentação. Embora pouco se fale sobre esse assunto, as mulheres com diabetes no Alto Alegre I apresentavam dúvidas sobre o que comer com pouco recursos. As complicações da diabetes também eram pouco conhecidas. Elas desconheciam, ainda, os cuidados com o corpo, como o cuidado com a pele e os pés.

 

O que significa Letramento Funcional em Saúde e de que forma esse conceito pode ajudar na construção de estratégias para o controle da diabetes?

Taís Matos: Letramento Funcional em Saúde (LFS) é o grau de capacidade que os indivíduos têm de entender e processar informações básicas de saúde, habilitando-os a tomar decisões que ajudem a melhorar sua condição. O LSF é fundamental, uma vez que pode ser aplicado a todos os públicos, e contribui para o entendimento da necessidade do autocuidado. No caso da diabetes, o conhecimento sobre alimentação, atividade física e uso dos medicamentos, sem dúvida, ajuda a controlar os níveis de glicose no sangue e melhora o controle da doença.

 

Como surgiu a ideia de criar uma cartilha? Como esse produto pode contribuir para o autocuidado em saúde e para o trabalho das Equipes de Saúde da Família?

Taís Matos: A cartilha surgiu por conta da dificuldade de leitura da maioria das mulheres. Ela foi elaborada com poucas palavras e muitos desenhos para facilitar o entendimento e ajudar a compreender os cuidados.

 

Taís Alves de Lima Matos é autora da dissertação intitulada “Influência do letramento em saúde no tratamento da diabetes mellitus: um olhar necessário”, defendida em  22 de junho de 2023, no Mestrado Profissional em Políticas Públicas em Saúde da Escola de Governo Fiocruz – Brasília, sob orientação de Jakeline Ribeiro Barbosa e coorientação de Virgínia da Silva Corrêa. 

 

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