Fala aê, mestre: políticas de renúncias tributárias em saúde

Fernando Pinto 23 de fevereiro de 2024


A “renúncia tributária”, equivalente aos termos “gasto tributário” ou “gasto público indireto”, é um mecanismo utilizado pelos governos com finalidade de atingir objetivos econômicos e sociais. O termo “gasto tributário” foi adotado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), sendo incorporado e utilizado pela Receita Federal do Brasil (RFB) desde 2003, em substituição ao termo “benefício tributário”, presente nas normas legais. Na literatura especializada é muito utilizado o termo em inglês Tax Expenditures para gastos fiscais (despesas fiscais). Nos Descritores de Ciências da Saúde (DECS/MESH) é utilizado o termo “isenção fiscal” (Tax Exemption, em inglês), espécie do gênero renúncia fiscal, enquanto termo padronizado para buscas na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e em outras bases de publicações em saúde.

 

Agora você deve estar perguntando: o que essa temática tem a ver com o Sistema Único de Saúde (SUS)? Foi com intuito de responder esse questionamento que o economista Pedro Eduardo Santana Tupinambá realizou uma pesquisa no mestrado na Escola de Governo Fiocruz-Brasília. Ele analisou as políticas de renúncias tributárias em saúde, na alocação de recursos no âmbito do Programa Nacional de Apoio à Atenção Oncológica (Pronon). Conversamos com o egresso que esclareceu um pouco a temática e os resultados do seu estudo. Acompanhe a entrevista abaixo. 

 

Como a renúncia tributária contribui com o trabalho do SUS?

Pedro Tupinambá: A importância das renúncias tributárias se deve ao fato de que em sistemas tributários de diferentes países a magnitude das renúncias fiscais pode ser expressiva quando comparada com o total da receita tributária. A relevância para o Sistema Único de Saúde (SUS) se deve ao fato de que os gastos tributários em saúde para o ano de 2020 representaram cerca de R$ 55,1 bilhões ou a 16,6% do total dos gastos tributários da União – estimados em R$ 330,8 bilhões (4,4% do PIB e 21,8% do total da arrecadação tributária), conforme Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para 2020, atrás apenas da função orçamentária “Comércio e Serviços”, com R$ 93,1 bilhões. Segundo o Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (CMAP), instituído por meio do Decreto nº 9.834, de 12 de junho de 2019, foram identificadas as seguintes políticas públicas financiadas por benefícios de natureza tributária na saúde, tendo como órgão gestor o Ministério da Saúde: Entidades Beneficentes de Assistência social (Cebas); Equipamentos para uso médico, hospitalar, clínico ou laboratorial; Medicamentos; Programa Nacional de Apoio à Atenção da Saúde da Pessoa com Deficiência (Pronas/PCD); Programa Nacional de Apoio à Atenção Oncológica (Pronon); Assistência médica, odontológica e farmacêutica a empregados; Despesas médicas; Entidades sem fins lucrativos – Assistência Social e Saúde; e, Produtos químicos e farmacêuticos.

 

Fale sobre o princípio da equidade em saúde.

Pedro Tupinambá: O gasto tributário tem como característica se distanciar dos princípios da equidade, que se refere à situação em que contribuintes em situações equivalentes devem estar sujeitos a obrigações similares; da progressividade, que significa que contribuintes com maior renda podem estar sujeitos a obrigações mais que proporcionais que os de menor renda; e da neutralidade, no sentido de que a tributação não deve alterar a alocação dos recursos na economia. O princípio da equidade deve ser o ponto de convergência para os sistemas universais de saúde, como no caso do SUS. É um princípio que orienta a aplicação de um direito por meio de mecanismos compensatórios para reparar desigualdades socialmente injustas e evitáveis. Tem relação direta com os conceitos de igualdade e de justiça social, que decorrem da necessidade de reduzir as disparidades sociais e regionais no país por meio das ações e dos serviços públicos de saúde.

 

Em seu estudo, você apresenta a alocação de recursos no âmbito do Pronon – Programa Nacional de Apoio à Atenção Oncológica. O que é o Pronon?

Pedro Tupinambá: O Pronon foi criado no âmbito da Lei nº 12.715, de 17 de setembro de 2012, na perspectiva de complementar o financiamento da política de atenção ao câncer no Brasil via incentivo fiscal de projetos nas áreas de oncologia. A Lei nº 12.715/2012 foi resultante da Medida Provisória (MPV) nº 563, de 3 de abril de 2012. Na Exposição de Motivos Interministerial (EMI) nº 25/2012, relativa à MPV nº 563/2012, foi alegada que a urgência e a relevância da norma legal se justificam por ser o câncer uma das doenças que mais mata no Brasil. Como fonte de recurso do Programa, a Lei estabelece que a União faculte às pessoas físicas e jurídicas a opção de deduzirem até um por cento (1%) o imposto de renda dos valores de doações e patrocínios em favor das entidades associativas ou fundacionais.

 

Quais políticas públicas podem ser criadas para a igualdade de distribuição de recursos em programas de atenção básica no SUS?

Pedro Tupinambá: A igualdade de distribuição de recursos em programas de atenção básica no SUS reflete um desafio que pode contribuir para a redução das desigualdades em saúde no Brasil. Igualdade e equidade são conceitos importantes, mas distintos no campo da saúde. A igualdade refere-se que todas as pessoas devem receber o mesmo tratamento, independentemente de suas necessidades, o que significaria o acesso a serviços de saúde de qualidade, independentemente de sua capacidade de pagamento. Já na equidade, as pessoas devem receber a oportunidade de acesso aos serviços de saúde que precisam, independentemente de suas circunstâncias. Na igualdade, o foco é no resultado e geralmente passível de mensuração, enquanto a equidade se concentra nos meios e assume um conceito político que expressa compromisso moral com a justiça social.

 

Quais foram as principais contribuições identificadas em sua pesquisa?

Pedro Tupinambá: A pesquisa teve como objetivo geral discutir o papel das renúncias tributárias (gastos tributários) da União para o fomento de políticas públicas de saúde a partir da experiência do Pronon. E entre os objetivos específicos, destaque para a análise da relação entre políticas públicas e renúncias tributárias da União a partir dos dados de gastos tributários previstos nos PLOA para os exercícios financeiros de 2013 a 2020. Quanto ao escopo metodológico, tratou-se de pesquisa documental de abordagem quantitativa sobre a alocação de recursos financeiros – com utilização do critério per capita – entre as grandes regiões geográficas do Brasil via renúncias tributárias do Pronon. Quanto aos resultados da análise dos dados destacamos a trajetória de crescimento em termos reais – após correção monetária – das renúncias tributárias em saúde acima dos gastos diretos em ações e serviços públicos em saúde (ASPS) e do Produto Interno Bruto (PIB) no recorte de 2013 a 2020. No período, enquanto as renúncias em saúde cresceram 81%, os gastos com ASPS evoluíram em 33% e o PIB recuou em 6%. Esse comportamento é explicado em parte na literatura em razão da política macroeconômica em promover a retomada do crescimento econômico via isenção fiscal ao setor privado, frente ao contexto de constrangimento dos gastos e investimentos públicos. E o que se percebeu é que além de não induzir o investimento (público e privado), pelo constrangimento da ação estatal, a estratégia abriu espaço para a regra de crescimento real nulo para as despesas primárias, e que resultou na Emenda Constitucional (EC) nº 95/2016 – ao estabelecer o Novo Regime Fiscal (NRF) e fixar o teto para os gastos públicos, com implicações negativas para as políticas sociais, incluindo as políticas públicas de saúde.

 

Como os resultados do seu estudo podem contribuir com as melhorias para o processo de monitoramento de programas de isenções fiscais em serviços públicos em saúde?

Pedro Tupinambá: Na perspectiva da discussão da oferta de serviços de saúde e da transferência pela União de recursos de renúncia fiscal, é recomendável para os estudos futuros que sejam analisados aspectos da distribuição espacial por grandes regiões geográficas do número de instituições não estatais ativas que prestam serviços de atenção oncológica e enquadradas pelo Ministério da Saúde para submeter projetos ao programa. Além de estarem localizadas nas regiões mais dinâmicas do país, a maior parte dessas instituições não estatais podem ter submetido a maioria dos projetos para análise e aprovação. Portanto, como a política não definiu critérios de alocação regional, a maior oferta e a capacidade técnica das instituições é que podem ter moldado ao longo do tempo a alocação de recursos do programa.

 

Pedro Eduardo Santana Tupinambá é autor da dissertação intitulada “Políticas de renúncias tributárias em saúde:  uma Análise da Alocação de Recursos no Âmbito do Programa Nacional de Apoio à Atenção Oncológica (Pronon)” defendida em  16 de novembro de 2022, no Mestrado Profissional em Políticas Públicas em Saúde da Escola de Governo Fiocruz-Brasília, sob a orientação de Ieda Maria Avila Vargas Dias. 

 

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