Fala aê, mestre: sexismo, racismo e o adoecimento docente

Fernanda Marques 16 de abril de 2021


Expressões estruturais de violências mantidas ao longo da história, o sexismo e o racismo estão causando sofrimento e adoecimento de professores do Distrito Federal e de todo o país. Quem chama a atenção para esse problema é a professora de sociologia Izabela Amaral Caixeta, que estudou o assunto em sua dissertação, defendida no Mestrado Profissional em Políticas Públicas em Saúde da Fiocruz Brasília.

 

No Brasil, a educação é composta, majoritariamente, por trabalhadoras. Considerar a tripla jornada imposta a essas mulheres e dimensionar as violências de gênero estruturantes como fatores adoecedores é fundamental para compreender como as opressões são mantidas. Um país que apresenta tantas desigualdades e que desvaloriza a educação adoece docentes e toda a sociedade. Espaços de formação com foco antissexista e antirracista são fundamentais, defende Izabela. Nesta entrevista da série de divulgação científica “Fala aê, mestre”, ela comenta caminhos possíveis para um ambiente escolar mais saudável.

 

O que é sexismo?

Izabela Caixeta: No sistema patriarcal em que a gente vive, sexismo é uma forma de opressão que hierarquiza as existências a partir de ‘diferenças biológicas’, criando vantagens para pessoas lidas como homens, que detêm poder (econômico, representativo e simbólico), e desvantagens para pessoas lidas como mulheres. Podemos perceber o sexismo em dados estatísticos que mostram as desigualdades salariais entre homens brancos e mulheres negras, onde, geralmente, eles representam o topo e elas, a base de uma ‘pirâmide social’. Essa desigualdade pode ser encontrada em, basicamente, todos os indicadores do país que consideram gênero/raça em suas análises.

 

Quais as semelhanças entre o racismo e sexismo?  

Izabela Caixeta: São opressões completamente ligadas uma à outra, em particular aqui na América Latina, nesse sistema capitalista em que vivemos. Tanto o racismo como o sexismo são expressões estruturais de violências mantidas ao longo da história.

 

Qual a metodologia usada no estudo? 

Izabela Caixeta: As metodologias usadas nesse trabalho foram revisão de literatura integrativa, análise de documentos e autoetnografia. A pesquisa foi teórica, com uma ampla bibliografia, quase integralmente de autoria negra, indígena, quilombola, africana e latino-americana. Também analisei documentos oficiais sobre saúde do professor no Brasil e no Distrito Federal, bem como considerei minha experiência como professora de sociologia na rede pública de ensino, onde atuo há nove anos.

 

Como o estudo evidenciou a relação entre racismo/sexismo e adoecimento/absenteísmo dos professores? 

Izabela Caixeta: O adoecimento de docentes no país se dá por múltiplos fatores. Em termos de atestados médicos que afastam do trabalho (absenteísmo), temos como principal fator a saúde mental, um tema ainda bastante estigmatizado. Chorar, considerado um dos maiores sintomas para detectar a depressão, não é ‘comportamento típico’ de homens, que aprendem que o choro não faz parte do seu processo de expressão. Minha pesquisa busca compreender os fatores que geram adoecimento, incluindo o sexismo e o racismo, como fatores estruturais que produzem hierarquização social, geram vulnerabilidades em saúde e, portanto, fazem parte dos determinantes sociais em saúde.

 

Como promover a formação antirracista e antissexista na escola? 

Izabela Caixeta: Existem, felizmente, várias experiências tanto na educação formal quanto na educação popular que buscam, desde os anos iniciais dos estudos e da socialização das crianças, debater temas que desconstruam preconceitos e valorizem a diversidade e a diferença. Temos a Lei nº 10.639, de 2003, e a Lei nº 11.645, de 2008, que, mesmo ainda desrespeitadas, trazem a obrigatoriedade de trabalharmos as histórias e culturas originárias, africanas e afro-brasileiras no ensino formal. Temos também as coordenações pedagógicas nas escolas, importantes espaços de formação continuada entre pares, com reflexo, necessariamente, na sala de aula.

 

Poderia citar alguma ação de combate ao racismo/sexismo no ambiente escolar?

Izabela Caixeta: Um bom começo é agora, em 19 de abril, não se reproduzir “o dia do índio” com estereótipos, parar com a folclorização das culturas originárias, africanas e quilombolas, e parar de abordar temáticas raciais e de gênero como recortes ou exclusivamente em datas celebrativas, como 8 de março, 19 de abril e 20 de novembro. São conteúdos essenciais e que precisam ser trabalhados sempre. Propostas como rodas de conversas com pessoas indígenas para compartilhar saberes e vivências, oficinas formativas com grupos culturais do território onde a escola está, construção transdisciplinar dos projetos, espaços de escuta e diálogo na escola são alguns caminhos possíveis.  

E fora da escola? O que podemos fazer, como sociedade, para combater esse problema? 

Izabela Caixeta: Além do fortalecimento de uma educação que emancipe subjetividades e combata valores e práticas racistas/sexistas, acredito que as lutas devam ocorrer por todos os meios necessários, seja no fortalecimento de espaços de representatividade/proporcionalidade, seja na busca cotidiana para não escamotear esses assuntos como algo menos relevante. O Brasil é um dos países no mundo que mais matam mulheres (e, sobretudo, mulheres negras); é um país que desvaloriza a educação e com inúmeras desigualdades que adoecem toda a sociedade. É preciso que pensemos mais coletivamente como forma de promover saúde e combater essas iniquidades.

 

Que ações você recomenda para o acolhimento de docentes afastados do trabalho por adoecimento devido ao racismo/sexismo? 

Izabela Caixeta: Um dos apontamentos feitos na pesquisa tem a ver com a importância de espaços de formação para docentes, com foco antissexista e antirracista, como ações promotoras de saúde.  O acesso à informação, a descolonização de subjetividades, a valorização da diversidade, o fortalecimento do trabalho coletivo: tudo isso influi nas condições de saúde de um ambiente escolar. Se um lugar deixa as pessoas adoecidas, quem quer estar ali? É importante que exista uma ampliação dos espaços de escuta e de troca, dentro e fora da escola. Uma escola saudável é uma escola libertária.

 

Izabela Amaral Caixeta é autora da dissertação “Professora, aceita que dói menos: dos aforismos cotidianos ao racismo e sexismo produtores de sofrimento docente”, defendida em 27 de janeiro de 2021, com orientação da professora Francini Lube Guizardi.

 

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